História
e Cultura
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# EUA: a era da oligarquia
Abastados como nunca, porém impotentes para enfrentar o declínio de seu país, bilionários já governam sem intermediação. Ao fazê-lo, expõem a miséria e o beco sem saída do capitalismo rentista. Falta saber como decapitá-lo.
Fábio Tofic Simantob, Folha
Em uma de suas mais importantes conferências, proferida há mais de 30 anos, Umberto Eco defendia que a reprodução do fascismo italiano ao longo do tempo se devia ao fato de que ele não podia ser definido em uma palavra, ou em um conceito essencial.
Essa natureza difusa e imprecisa do fascismo é o que permite sua repetição oculta, responsável pelo que ele definiu como "fascismo eterno". É preciso algum grau de conhecimento histórico e perspicácia de observador atento para notar de que forma esse fascismo eterno se manifesta na vida política atual. É preciso saber ler os sinais e não se deixar enganar (Continue a leitura)
Professor da Unicamp, Rafael Evangelista entrevistado pelo IHU (acesse)
Por: Baleia Comunicação | 29 Abril 2025
(Para os vídeos disponíveis na matéria original, acesse: https://www.ihu.unisinos.br/651288-a-impossivel-democracia-em-um-mundo-mediado-pelas-big-techs-entrevista-especial-com-rafael-evangelista)
Esta entrevista começa com a seguinte afirmação: “Talvez estejamos vivendo um dos piores momentos da relação entre as tecnologias digitais e a democracia”. O autor da frase é Rafael Evangelista, professor, pesquisador e autor do livro Cultura hacker, cibernética e democracia (Edições Sesc, 2018), que concedeu entrevista por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU. O pano de fundo, que motivou o convite, foi o Hackathon ["maratona" hacker de curta duração] de Elon Musk, que, na prática, é um experimento para criar uma mega-API [API é uma interface de programação de aplicações que permite que diferentes softwares interajam entre si, facilitando a troca de dados, recursos e funcionalidades] onde os dados da população dos Estados Unidos seriam reunidos em um único banco. O desejo, que vem embalado num discurso de maior eficiência, traz riscos iminentes.
“Podemos pensar em dois tipos de consequências: uma mais imediata e outras que têm a ver com o projeto de sociedade idealizado por esses líderes do Vale do Silício – esses ‘capitães da indústria da informação’. No curto prazo, esse tipo de experimento permite um controle maior sobre os dados”, descreve Evangelista. “O Hackathon que o Musk está propondo é para construir mais ferramentas de manipulação desses dados, o que não necessariamente significa acesso direto a eles. Agora, o Musk não é uma figura muito confiável e a própria mentalidade do Vale do Silício tem muito de agir com pouca precaução, de se preocupar pouco com os riscos envolvidos, porque eles acham que dessa forma terão um desenvolvimento tecnológico mais acelerado. Mas eventuais vazamentos de dados que aconteçam podem fazer com que alguns cidadãos tenham suas vidas expostas e estejam sujeitos a alguma perseguição”, complementa.
A questão de fundo é que não é possível haver democracia quando poucas empresas detêm um volume tão grande e expressivo de informações sobre as pessoas e, na outra ponta, a população não tem ideia qual a lógica de funcionamento desses algoritmos. “Não é possível haver democracia em uma era em que as Big Techs detêm tal concentração de poder, o poder de intermediação das relações sociais. Então, se não diminuirmos o tamanho dessas empresas, se não desenvolvermos políticas antitruste, em que não haja tanta concentração de dados em suas mãos e não sejam empresas tão poderosas, não haverá remédio”, avalia o entrevistado.
“Com empresas desse porte é difícil ter democracia e é difícil ter democracia com a falta de transparência dessas empresas – e a falta de transparência inclusive na forma como elas medeiam informações. Ao se colocarem como intermediárias dessas relações sociais, elas concentram muito poder. E não prestam contas para o público sobre a maneira como governam esses dados, da forma como elas incidem sobre as pessoas”, assevera.
Rafael de Almeida Evangelista é graduado em Ciências Sociais, mestre em Linguística e doutor em Antropologia Social, todos os títulos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 2018, foi pesquisador visitante junto ao Surveillance Studies Centre, da Queen’s University, no Canadá. Desde 2003, é pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, e desde 2011 é professor do programa de pós graduação em Divulgação Científica e Cultural (Unicamp). É coordenador do grupo de pesquisa Informação, Comunicação, Tecnologia e Sociedade (ICTS) e membro da Rede Latino-Americana de Estudos em Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits). Tem especialização em Jornalismo Científico (Unicamp). Autor do livro digital Para Além das Máquinas de Adorável Graça: cultura hacker, cibernética e democracia.
IHU – Hoje, como ocorre a relação entre democracia e tecnologias de comunicação e informação?
Rafael Evangelista – Talvez estejamos vivendo um dos piores momentos da relação entre as tecnologias digitais e a democracia. Embora haja facilidade no acesso à informação e ao consumo de notícias, as pessoas estão não só suscetíveis como também vulneráveis às políticas e práticas de desinformação. Há um alto consumo informacional. As pessoas estão o tempo inteiro consumindo informação em seus celulares, mas temos informação de muita baixa qualidade e que é utilizada não no sentido de produzir cidadãos mais bem informados para conseguirem participar democraticamente, mas para capturar a atenção e o engajamento das pessoas. Isso ocorre porque vivemos em uma economia que é movida a dados, dados que as pessoas produzem nesse ambiente da internet e das tecnologias da informação.
Há alguns anos, ainda havia uma perspectiva um pouco melhor no sentido de uso dessas tecnologias para melhorar a educação, o nível de acesso à informação, para democratizar as vozes e os acesso aos meios de comunicação. Hoje, há uma democratização da possibilidade de se produzir informação, as pessoas podem escrever e contam com ferramentas para capturar suas falas e impressões do mundo. No entanto, há uma dificuldade na produção de informação de qualidade e de as pessoas acessarem elas.
Há uma avalanche de informações, sobretudo informações de baixa qualidade, feitas para capturar a atenção e produzir engajamento. Isso dificulta para as pessoas distinguirem o que é informação que pode contribuir para a cidadania e o que é uma informação que é uma tentativa de manipulação das emoções para diversos fins, entre eles, políticos, comerciais ou mesmo para produzir esse engajamento em redes sociais. E há uma dificuldade de se chegar nas pessoas, pois quem controla o acesso entre as mídias e o público são as plataformas. Perdeu-se o contato direto das mídias com seu público.
IHU – Pode explicar, a partir de seu livro Cultura hacker, cibernética e democracia (Edições Sesc), as relações entre a cultura digital e a democracia?
Rafael Evangelista – É interessante você retomar o termo cultura digital, porque ele parece ser um termo que quase desapareceu dos debates sobre a política ou sobre a própria internet. Como falei na questão anterior, a ideia era que essa cultura digital fosse uma cultura que passasse por uma maior participação política, que não fosse só uma cultura de consumo de entretenimento, que é o que temos hoje. Há muita capacidade e possibilidades de consumirmos e mesmo produzir informações, mas estão voltadas para o entretenimento ou para um engajamento político divisivo, pouco construtivo. Não digo que não há canais ou jornalismo de qualidade; temos informações de qualidade. Digo que há um mar de informações tão grande, tantas recomendações algorítmicas, que as pessoas ficam afogadas nesse mar.
A perspectiva da cultura digital, como tratada no livro, passa pela essa ideia de cultura hacker. A cultura hacker, da maneira como estou trabalhando, envolve um movimento de apropriação tecnológica. Não só o uso de dispositivos, redes sociais ou computadores, mas um processo de entendimento sobre o funcionamento desses objetos técnicos e uma relação de apropriação, em que “eu não sou usado por eles, mas os torno instrumental para meus objetivos emancipatórios e políticos”. A tecnologia pode servir à democracia, mas isso não é um processo automático. Uma tecnologia controlada por poucos, só orientada ao marketing e ao mercado, pode funcionar na direção oposta e servir ao autoritarismo. Estou trabalhando num posfácio para o livro, que deve ser relançado em breve, onde dou relevo a como as tecnologias da informação estão sendo usadas na construção de instituições autoritárias.
IHU – Quais podem ser as consequências do experimento de Elon Musk à frente do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês) para construir uma mega-API para transferir informações fiscais de diferentes bancos de dados para a nuvem?
Rafael Evangelista – Podemos pensar em dois tipos de consequências: uma mais imediata e outras que têm a ver com o projeto de sociedade idealizado por esses líderes do Vale do Silício – esses “capitães da indústria da informação”. No curto prazo, esse tipo de experimento permite um controle maior sobre os dados. Sim, há o perigo de vazamentos, mas certamente o experimento leva a uma centralização muito maior das informações nas mãos do Estado – no caso, o governo Trump. Isso significa um reforço do poder estatal num contexto em que a democracia já está fragilizada, liderada por alguém com inclinações autoritárias.
Um exemplo disso são as políticas de expulsão de imigrantes baseadas em critérios bastante frágeis do ponto de vista legal. De certa forma, o Estado está sendo mobilizado contra esses grupos. Então, se esse Estado passa a controlar ainda mais informações, o risco é que esse poder seja usado para perseguir certos grupos. Esse seria o maior perigo imediato.
O Hackathon que o Musk está propondo é para construir mais ferramentas de manipulação desses dados, o que não necessariamente significa acesso direto a eles. Agora, o Musk não é uma figura muito confiável e a própria mentalidade do Vale do Silício tem muito de agir com pouca precaução, de se preocupar pouco com os riscos envolvidos, porque eles acham que dessa forma terão um desenvolvimento tecnológico mais acelerado. Mas eventuais vazamentos de dados que aconteçam podem fazer com que alguns cidadãos tenham suas vidas expostas e estejam sujeitos a alguma perseguição. Pode ser por parte do Estado, como comentei, mas pode ser também por parte de grupos políticos que ganhem acesso ao sistema e usem para perseguir seus inimigos.
Uma questão frequente, quando se fala sobre dados pessoais e o Estado, é a importância de que as diversas partes do Estado não tenham acesso às bases totais de dados. Por exemplo, um determinado ministério precisa de alguns dados dos cidadãos para fazer políticas públicas, mas ele precisa dos dados referentes a esse ministério e não do cruzamento total desses dados. E o que está sendo proposto ali, a partir dos dados da Receita Federal americana, é uma centralização desses dados. Então, isso é potencialmente perigoso. Essa ideia de separação em diversos silos de dados foi também para evitar problemas por esse cruzamento de dados.
IHU – Especialistas afirmam que há riscos nesse procedimento, não somente de vazamento de dados, mas também de manipulação de informações. Pode explicar quais os riscos possíveis?
Rafael Evangelista – Eu não falaria diretamente de manipulação de informações, porque entendo manipulação como um falseamento. Talvez fosse mais preciso dizer que se trata de um uso político de informações, não necessariamente secretas ou sigilosas, mas que podem colocar pessoas em risco por elas estarem em determinados contextos sociais em que essas informações fazem parte da privacidade da população.
Muitas vezes podemos ter informações sobre hábitos de consumo, locais que determinada pessoa frequenta; essas informações podem ser usadas para colocar a pessoa em situações de fragilidade perante a comunidade onde vive. Por exemplo, alguém que é de uma família conservadora e que frequenta lugares que a sua família não gosta ou que mora em uma cidade conservadora, mas a pessoa consome alguns produtos ou frequenta lugares que podem expô-la, colocá-la em risco e dar margem a perseguição. Um vazamento seletivo de dados, ainda que reais, nas mãos de grupos políticos que querem atingir pessoas vulneráveis pode ser bastante problemático.
IHU – É interessante pensarmos o papel dos hackers, pois esses personagens costumavam ser quase anarquistas digitais, mas agora são convidados por um governo que, apesar de ter sido eleito, tem tido posturas bastantes autoritárias. Como os hackers afetam a democracia?
Rafael Evangelista – Hacker é uma palavra muito maleável, polissêmica e historicamente está ligada a uma comunidade que procurava se apropriar da tecnologia, que acreditava na democratização das informações, mas, ao mesmo tempo, foi usada pela imprensa como sinônimo de invasor de sistemas. Atualmente, a palavra Hackathon tem servido para simplesmente marcar eventos em que as pessoas se juntam para mexer em códigos de computador em período delimitado. Não significa que todos que vão a estes eventos sejam hackers ou que sejam reconhecidos como hackers pela comunidade hacker.
Os hackers, pelo menos entre os anos 1970 e 1990, antes mesmo do termo se popularizar, tiveram um papel importante no sentido de tentar democratizar a tecnologia, como uma cultura de democratização da tecnologia, que sempre falou muito a favor da informação livre e do direito das pessoas em mexer em computadores e saber como funcionam, terem o controle sobre eles. Nessa história hacker há também grupos hackers que têm uma aversão bastante grande à democracia formal e ao Estado; eles têm uma postura que pode ser classificada como anarquista. Não é um anarquismo que promove o coletivismo, mas um anarquismo que promove um individualismo exacerbado, aproximando-se do que hoje se conhece como anarcocapitalismo.
Então, tem esse flerte de determinadas comunidades hackers com o anarcocapitalismo que se casa muito com essa mentalidade autoritária do Vale do Silício, de caras como o Elon Musk. Ele está em uma secretaria de eficiência governamental, mas na cabeça dessas pessoas o ideal é destruir o Estado. Então, ele está por dentro do Estado atuando para destruir o Estado, porque eles sempre veem o Estado como uma entidade que oprime as pessoas. Claro que esse posicionamento político envolve uma questão de interesse próprio, pois estão numa posição de poder que de fato rivaliza com a do Estado.
Todas essas empresas de tecnologia são contra a regulamentação das suas atividades, são contra a intervenção do Estado e há um movimento político forte de supervisão estatal das atividades das Big Techs. Esta aproximação do Vale do Silício com o governo Trump também tem muito de fazer um movimento político para evitar a regulação.
Nesse sentido, os hackers tanto ajudaram a democracia, no intuito de propor as ferramentas tecnológicas para promover mais participação, quanto alguns deles fazem parte de grupos que acham que é preciso destruir o Estado democrático – e não se sabe muito bem o que se coloca no lugar desse ente. Alguns deles têm uma visão de mundo bastante hierarquizada, tecnocrática. É uma mentalidade que está no topo, nos comandantes das Big Techs, mas se espalha por grupos que não têm tanto poder concreto.
Lembro que Musk é só a figura mais midiática do grupo de empresários de tecnologia que se aproximou de Trump. Esse grupo tem ainda figuras como Peter Thiel, da Palantir, prestando serviços ao Estado já há algum tempo, em especial no setor de segurança. Eles têm uma postura elitista no sentido de se colocarem como condutores da sociedade sem terem muito respeito pelo que a sociedade moderna construiu. A perspectiva deles é a de condução da humanidade, como se fosse gado, a partir das suas ferramentas tecnológicas.
Portanto, a cultura hacker é muito complexa para dizer que ela tem um efeito único sobre a democracia. Os hackers conservadores podem atuar destruindo a democracia. Alguns vão dizer que isso não é o verdadeiro espírito hacker e eu tendo a me alinhar com essa perspectiva, de que a cultura hacker tem muito mais a ver com uma ideia de apropriação tecnológica. É um distanciamento do espírito hacker, mas são grupos que acabam sendo associados ao termo, por estarem no setor tecnológico. Como eu disse, é um termo sempre em disputa.
IHU – Como o hackativismo reconfigurou o papel social dos hackers na sociedade tecnocientífica? Qual tem sido a postura destes atores sociais na luta pelas liberdades democráticas?
Rafael Evangelista – Acho que respondi um pouco dessa questão na resposta anterior, mas gostaria de sublinhar alguns hackers importantes na denúncia contra a opressão e nesse movimento de apropriação tecnológica. Talvez o hacker mais importante nessa perspectiva de apropriação tecnológica seja o Richard Stallman, que é o fundador e figura mais importante do movimento de software livre, do GNU/Linux, que propõe uma relação das pessoas com a tecnologia que deveria ser muito mais próxima. Nesta relação, as pessoas não deveriam ser usadas pelas tecnologias, mas usarem a tecnologia a favor da democracia ao se apropriarem dela. Stallman consolida a ideia do movimento de software livre, que propõe o direito de todas as pessoas de lerem e alterarem os códigos de computador, compartilharem esses códigos e usá-los.
Outros hackers importantes fazem um movimento político desse nicho anarcocapitalista em direção a algo mais em favor das liberdades democráticas, entendendo os perigos da não apropriação tecnológica ou do uso da tecnologia por alguns atores poderosos para controlar grupos subalternos. Entre eles, Julian Assange, com o WikiLeaks, é um ótimo exemplo de um hacker que procurou utilizar ferramentas tecnológicas para disponibilizar informações sobre a opressão de corporações e Estados contra as populações. Ele criou ferramentas para que as pessoas pudessem fazer denúncias anônimas e causou uma transformação muito importante no mundo.
Outro hacker que também precisa ser mencionado é o Edward Snowden, que tinha esse perfil um pouco mais anarcocapitalista. Porém, frente ao que ele pôde acompanhar, que foi a relação entre o Estado americano e as Big Techs, em que estas ofertam os dados pessoais para o Estado, ele se transformou. Não somente os Estados Unidos, porque Snowden denuncia os cinco Estados que compartilhavam dados na época: Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Austrália e Reino Unido. O Snowden mostra essa relação próxima entre essas empresas, que têm nossos dados, porque são as Big Techs que têm acesso a isto e são as Big Techs que controlam as grandes plataformas, que essencialmente recolhem nossos dados e dão acesso facilitado a certos governos. Estes dados são instrumentais para as Big Techs na sustentação de seu modelo de negócio, o capitalismo de vigilância. Snowden mostrou essa relação de colaboração também na política, e hoje podemos falar dessa proximidade e desse grande esquema de espionagem do Estado americano a partir dos dados pessoais coletados junto às Big Techs.
IHU – Olhando a certa distância, parece haver relações entre a imagem “clássica” dos nerds, homens tecnicamente muito inteligentes, mas com pouco traquejo social, e o fenômeno contemporâneo dos “incels”. Até que ponto é possível pensar em convergências de visão política entre esses personagens, que parecem ter uma inclinação a uma perspectiva extremista de direita?
Rafael Evangelista – Eu evitaria estabelecer uma associação direta entre os chamados “nerds” e os “incels”. Não me parece adequado afirmar que um grupo leva necessariamente ao outro. O que podemos observar, no entanto, é que algumas características frequentemente atribuídas aos nerds pela cultura pop – como a dificuldade de socialização, por exemplo – acabam sendo instrumentalizadas por certos atores que se aproveitam dessas fragilidades para promover uma radicalização de cunho machista.
Hoje, muitos que enfrentam dificuldades para socializar buscam na internet uma forma de pertencimento e conexão, o que pode ser positivo. No entanto, há situações em que, especialmente na adolescência, esses sujeitos, frequentemente homens jovens, se veem imersos em ambientes predominantemente masculinos, o que pode torná-los mais suscetíveis a discursos e práticas que reforçam valores do masculinismo.
Portanto, não se trata de uma questão ligada à afinidade com a tecnologia ou ao estereótipo do “nerd” em si. Penso que tem a ver com um campo mais amplo de exploração de ressentimentos. Existem grupos políticos – no sentido amplo do termo – que mobilizam esse tipo de afeto social para radicalizar adolescentes, atualizando discursos machistas que são antigos, mas que ganham nova roupagem nesse contexto.
A isso se soma o fenômeno dos influencers, que muitas vezes fazem do masculinismo um negócio. Eles falam diretamente a esse público vulnerável de homens jovens e constroem sua imagem pública com base em valores patriarcais. Com o tempo, esse discurso ganha autonomia e circula de forma descontrolada e ainda mais radicalizada, produzindo consequências sociais graves. As redes sociais têm impulsionado esse fenômeno, sugerindo aos jovens vídeos e produtos de sujeitos que se colocam como intelectuais politicamente incorretos, mas que na verdade repetem um conservadorismo bastante antigo.
Importa frisar que não sou especialista na cultura dos incels, então não me proponho a fazer uma análise aprofundada do grupo em si. Mas acredito que a relação entre “incels” e “nerds” é, no máximo, superficial – e se for feita ainda uma ligação com os hackers, aí sim me parece um equívoco conceitual. O que temos é uma exploração da cultura machista que se amplifica com a lógica dos nichos e da segmentação nas redes sociais. É nesse mercado de atenção que esses influenciadores apostam suas fichas no machismo como forma de visibilidade e capital.
IHU – Sabemos que as Big Techs têm pouco compromisso com valores civilizatórios e muito compromisso com o crescimento de seus ativos financeiros. É possível existir democracia numa era cujas relações são decisivamente mediadas pelas TICs?
Rafael Evangelista – Não é possível haver democracia em uma era em que as Big Techs detêm tal concentração de poder, o poder de intermediação das relações sociais. Essas empresas têm, hoje, se colocado de modo a substituir diversas instituições sociais, fazendo o papel dessas instituições e de uma maneira que é muito mais centralizada, autoritária e antidemocrática. Então, se não diminuirmos o tamanho dessas empresas, se não desenvolvermos políticas antitruste, em que não haja tanta concentração de dados em suas mãos e não sejam empresas tão poderosas, não haverá remédio. Elas precisam ser “quebradas”, como se tem tentado em alguns lugares. Nos Estados Unidos têm julgamentos acontecendo para que a Meta não seja dona do WhatsApp e do Instagram. Os movimentos de compra que a Meta fez acabaram concentrando dados e grande poder.
Com empresas desse porte é difícil ter democracia e é difícil ter democracia com a falta de transparência dessas empresas – e a falta de transparência inclusive na forma como elas medeiam informações. Ao se colocarem como intermediárias dessas relações sociais, elas concentram muito poder. E não prestam contas para o público sobre a maneira como governam esses dados, da forma como elas incidem sobre as pessoas.
Os líderes dessas empresas têm uma mentalidade que é bastante antidemocrática no sentido de que se utilizam das ferramentas das suas empresas para fazer com que a opinião pública vá para um lado ou para o outro. Isso faz parte também do modelo de negócios delas. É o chamado capitalismo de vigilância.
O capitalismo de vigilância procura utilizar dados para prever e modificar comportamentos. Publicamente, essas previsões e mudanças de comportamento seriam relativas ao comportamento comercial, usadas para o marketing, influência na compra de produtos. Mas nada impede que elas usem seus poderes políticos para influenciar na própria política. Portanto, elas precisam não ter o tamanho que têm e precisam ser reguladas, no sentido de se abrirem mais para o escrutínio público, já que as atividades que elas estão executando são de interesse geral.
O capitalismo de vigilância procura utilizar dados para prever e modificar comportamentos. Publicamente, essas previsões e mudanças de comportamento seriam relativas ao comportamento comercial, usadas para o marketing, influência na compra de produtos, mas nada impede o uso político das informações - Rafael Evangelista
IHU – De que ordem é esta nova ciência interdisciplinar que tem surgido a partir da era da informação?
Rafael Evangelista – Acredito que sua pergunta se refira à cibernética. A cibernética é esse ramo interdisciplinar que surge na metade do século passado e que vai se tornar profundamente influente em diversos outros campos científicos. Ela coloca no centro de suas teorias sobre a humanidade a ideia de informação. A partir disso, procura ler o mundo como um conjunto de dados, transforma tudo em dados e tenta extrair informações a partir deles por meio de procedimentos de cálculo, inclusive cálculos probabilísticos.
Esse campo interdisciplinar que é a cibernética vai influenciar a própria ciência da computação e terá impactos significativos em outras áreas do conhecimento. Por um lado, essa abordagem é eficaz e gera efeitos práticos importantes para o avanço do conhecimento. Por outro, ela tem limitações, pois é apenas uma entre várias possíveis perspectivas. Reduzir os problemas do mundo a questões puramente informacionais não é suficiente. Muitas situações não se resumem a uma falta ou excesso de dados nas mãos de um agente A ou B; elas envolvem política, relações de poder e outros elementos sociais e históricos.
Estou fazendo aqui um comentário geral sobre a cibernética, mas é importante dizer que ela dá origem a interpretações bastante complexas também, incluindo ramos internos sofisticados. De todo modo, nas suas versões mais simplificadas e instrumentais, pode-se dizer que a cibernética serve de base para as operações das empresas do Vale do Silício. E é um pensamento extremamente influente na contemporaneidade.
IHU – É possível escapar ao capitalismo de vigilância e ao capitalismo de plataforma?
Rafael Evangelista – É possível escapar, mas não é possível escapar atomizadamente, como indivíduo. Não é uma questão em que os indivíduos conseguem optar por ficar fora ou dentro, é algo que socialmente precisamos tratar. Por exemplo, é possível ter política de regulação do uso de tecnologias da informação que coíbem as operações do capitalismo de vigilância. Pode-se ter um escrutínio público das empresas, das plataformas, desses novos atores do capitalismo informacional, de maneira que elas estejam submetidas às autoridades dos estados democráticos. Que tenha, por exemplo, a transparência de algoritmos, que vai desde sabermos porque tal conteúdo está nos sendo recomendado até informações sobre os preços que as plataformas praticam, como monetizam os conteúdos.
Tem questões muito práticas, por exemplo, de motoristas de aplicativos que querem mais informações sobre as plataformas que operam sobre seu trabalho. E essas são demandas muito justas porque eles não querem ser manipulados nas suas expectativas, nos compromissos que as plataformas estabelecem com eles; eles querem justiça, transparência, querem negociar politicamente.
Isso faz bastante sentido e é possível, por via social e apropriação tecnológica por parte da sociedade, de maneira que a tecnologia não seja um patrimônio exclusivo de poucas empresas detentoras dessa tecnologia e que acabamos terceirizando tudo para elas. Atualmente, essas empresas fazem de tudo, estão em diversas atividades sociais e produtivas, e a sociedade precisa se apropriar dessas tecnologias. Podemos ter uma regulação que faça com que elas se comportem minimamente, prestem contas de acordo com a responsabilidade que elas assumem.
Tem muitas propostas sendo discutidas, tanto no sentido de regulação quanto no sentido de utilizar plataformas com software livre, com códigos que as pessoas podem se apropriar para dar origem a organizações sociais que controlam as plataformas, cooperativas de plataformas. Ou então programas de interoperalidade em que se restringe a operação de algumas empresas a determinadas funções. Com dados interoperáveis, é possível segmentar funções entre diversas empresas, diminuindo o poder de cada uma – legalmente é possível fazer isso de maneira que não tenhamos monopólios. A formação de monopólios é algo natural ao capitalismo, é preciso haver políticas para impedi-los e evitar a concentração de poder e informação.
A nova Santa Aliança e seus objetivos opacos. Artigo de Rafael Evangelista
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EUA: O braço armado das Big Techs. Artigo de Roberto J. González
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Os super-ricos no lugar do Estado: uma ameaça à democracia. Artigo de Stefano Zamagni
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Como o Brasil vai encarar o poder das Big Techs? Artigo de Sérgio Amadeu da Silveira
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Foi difícil de engolir o retorno de Regina Duarte à Globo, na estreia da nova temporada do Conversa com Bial. O motivo da conversa era a celebração dos 40 anos de "Roque Santeiro", a novela de maior audiência na história da emissora. Bial descreveu o retorno como "a volta da filha pródiga" (leia mais)
A frase de Bial não foi gratuita. Fez referência à parábola bíblica em que um filho desperdiça toda a sua herança e volta para casa, recebido pelo pai com perdão. Foi o que Regina fez nos últimos anos: desperdiçou a sua herança, a galeria mais rica de personagens que uma atriz poderia receber em qualquer TV do mundo, aceitando fazer parte de um governo inimigo da cultura –e inimigo declarado da própria Globo.
As ironias involuntárias se sucederam durante os 30 minutos da conversa. Bial mostrou uma foto da comitiva de atores que foi a Brasília em 1975 pedir ao ditador Ernesto Geisel que liberasse a primeira versão de "Roque Santeiro", que teria Betty Faria no papel da Viúva Porcina.
Regina estava lá na comitiva, que não foi recebida por Geisel, e a novela foi abortada com 30 capítulos já gravados. Como sempre, Regina ri, quase gargalha ao lembrar do momento, como se lembrasse de um passeio no parque ou de uma cena icônica de novela. É a própria encarnação do brasileiro cordial, rindo e sorrindo ao lembrar de um episódio que não tem a mínima graça.
Em seguida, Laura Mattos, jornalista da Folha e autora de um livro fundamental, "Herói Mutilado: 'Roque Santeiro' e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura", lembrou que a peça e a novela foram censurados três vezes ao longo de 20 anos e resumiu do que se trata a obra de Dias Gomes.
"A história fala da necessidade que temos de acreditar em mitos, a força dos falsos heróis", disse, ao lado da atriz que venera um falso mito até hoje.
Regina ganhou palco para discursar contra a censura, como se seu presidente fosse alguém a favor da liberdade de expressão, seja na imprensa ou nas artes. Em seguida, o programa mostrou duas cenas de "Roque Santeiro" que continuam falando do Brasil, 40 anos depois.
Numa delas, a Viúva Porcina ameaça dar um tabefe na cara de sua empregada, a fiel Nina (Ilva Niño), para logo depois abraçá-la. "Quanto afeto tem nessa cena", comentou Bial, ignorando a parte do tapa. Como se as relações entre patrão e empregado no Brasil fossem assim mesmo, cheias de violência implícita, mas também muito carinhosas. Dá-lhe Brasil cordial.
Na outra cena, o coronel Sinhozinho Malta (Lima Duarte) fala que está com medo de ir para a cadeia, e Porcina o consola, dizendo que ele tem dinheiro demais para ser preso. "Eu posso não ser preso, mas posso ser desmoralizado, e isso também não é bom", diz o coronel, numa frase que caberia na boca de Bolsonaro depois que o Supremo abriu ação penal contra ele.
Mas o pior estava por vir, nos três minutos finais do programa. Numa tentativa canhestra de manter o papo sobre o tema inicial da censura, Bial diz a Regina: "Você comprou uma briga com um território da esquerda, que são as artes e espetáculos, e se alinhou com a direita. Você foi censurada pelas pessoas! As pessoas cancelam e se orgulham de cancelar e de censurar!".
Vamos lá, Bial. Em primeiro lugar, direita é o PSDB, o PMDB, o PDT –o governo Bolsonaro foi de extrema direita. Segundo: para censurar, é preciso ter o poder em mãos –seja ele político, econômico ou tecnológico.
As pessoas de esquerda nas redes sociais atacaram, criticaram e até xingaram Regina por ela ter se aliado a um governo que promoveu um desmonte em toda a cultura. Que fique claro: Regina não é nem foi uma vítima da censura –muito pelo contrário, aceitou um cargo federal sob as asas da Presidência da vez, que depois tentou se perpetuar no poder ignorando os processos eleitorais.
"Sinto que a sociedade já evoluiu, já está capaz de entender que eu possa fazer escolhas, e que não tenho que seguir o evangelho A, B ou C", respondeu Regina, dando a entender que as críticas às suas posições políticas eram mera questão de falta de evolução.
Calma, ainda não acabou. "E viva Fernanda Torres, e viva ‘Ainda Estou Aqui’!" brincou Bial, eufórico, adicionando mais ingredientes num poço de contradições chamado Brasil. "Isso! Vivaaa!", bradou nossa estrela bolsonarista que brinda ao que aparecer. "E viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu!", respondeu Bial, recebendo o espírito nonsense de Chacrinha.
Por um momento, achei que o Velho Guerreiro ia ressuscitar e entrar no estúdio para completar a "festinha da democracia" –que nunca é demais lembrar, sobreviveu por pouco diante da trama golpista do ex-chefe de Regina.
Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Foi repórter na Folha de S.Paulo e colunista do UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow)
Multidão ovaciona Gil e Chico no Allianz Park e repudia golpistas de 8/1
# Ditadura: as denúncias contra a Folha. Beatriz Kushinir (Boitempo)
# Mascaro quebra o silêncio e denuncia "indústria" do cancelamento. (TV 247, Youtube)
# A fuga de cientistas dos EUA. D Harazim (Democracia Política e Novo Reformismo)
# Os sentidos do trabalho. Introdução ao livro de Ricardo Antunes (A Terra é redonda)
# O Papa dos pobres e da Justiça Social (TVT, Youtube)
# Contra a idolatria do capital. Michael Löwy (IHU)
# Esta economia mata. Encontro Mundial dos Movimentos Populares (Santa Cruz de la Sierra, 2015)
# O que opõe reformistas e tradicionalistas na sucessão de Francisco. Marcelo Motanini (Nexo)
# Abjeção: torpeza, degradação; o que perturba a identidade convencional do cotidiano (leia mais)
Desespero provocado pela iminência de sua prisão transforma Bolsonaro em construção repugnante e escatológica, sem limites para oferecer ao culto de seus apoiadores o que for preciso. Para alguns analistas desse processo, trata-se de transformar a doença em espetáculo na expectativa de que isso reavive a crença de que a morte simbólica do líder não ocorra (Sara Góes, 247).
Gustavo Zeitel, na Folha de hoje (27 de abril) trabalha com a hipótese de que o apelo visual a sondas e cicatrizes é um recurso para "unir apoiadores" pela mobilização emocional e pela lamúria de que, afinal, o ex-presidente cumpre o rito de seu caráter, embora viva disputando com a dor o espaço da sua triste figura (contine a leitura).
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não tem usado filtros ao retratar a sua internação no hospital DF Star, em Brasília. Em uma série de publicações nas redes sociais, ele expõe as sondas e os drenos afixados ao seu corpo seminu, com hematomas e uma cicatriz que tem a extensão do abdômen.
Na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), Bolsonaro recupera-se da cirurgia de desobstrução intestinal a que foi submetido, no domingo (13), depois de ter passado mal, durante uma viagem a Santa Cruz, no Rio Grande do Norte.
Entre vídeos e fotos, a conta de Bolsonaro no Instagram já tem mais de 20 postagens sobre a internação, explicitando as consequências da cirurgia que durou 12 horas.
As imagens, afirmam pesquisadores, avivam a estética do grotesco, marcante no governo passado, e servem agora para unir o eleitorado de direita ao redor da figura do ex-presidente, ainda que a Justiça Eleitoral o tenha declarado inelegível até 2030.
O ex-presidente Jair Bolsonaro, em foto publicada no dia 22 de abril, durante internação em UTI - Reprodução /Jair Bolsonaro no Instagram
Na última quinta-feira (24), boletim médico havia apontado piora em seu quadro, com "elevação da pressão arterial e piora dos exames laboratoriais hepáticos". No dia seguinte, um novo informe dizia que o ex-presidente estava estável clinicamente e sem novos picos de subida da pressão. Não há previsão de alta.
Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo), Giselle Beiguelman diz que Bolsonaro busca emocionar os apoiadores, uma necessidade diante do surgimento de tantos nomes que já se posicionam como presidenciáveis da direita para 2026 —entre eles, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil).
Ao mesmo tempo, o ex-presidente angaria apoio popular, meses antes de o STF (Supremo Tribunal Federal) julgar o processo em que ele é acusado de ter planejado um golpe de Estado. "Ele se apresenta nas imagens como o político imbatível, o sobrevivente de 2018. Bolsonaro tranquiliza a militância sobre a sua capacidade de liderança política", afirma a pesquisadora.
Autora do livro "Políticas da Imagem: Vigilância e Resistência na Dadosfera" (editora Ubu, 2021), Beiguelman conta que a direita bolsonarista entendeu que as imagens, onipresentes nas redes sociais, constituem, hoje, o campo político por excelência. Por isso, as publicações não são apenas documentos sobre o estado de saúde do ex-mandatário, mas peças de comunicação.
Não à toa, a escrita torna-se coadjuvante, reservada a legendas que apenas reiteram, em curtos tópicos, a mensagem das fotografias. Nelas, diz Beiguelman, Bolsonaro assume a posição de uma "vítima resiliente". O ex-presidente já fez outras cinco cirurgias desde que, em 2018, levou uma facada, durante uma agenda de campanha. As internações passaram a ser conteúdo para as redes, adquirindo significados distintos de acordo com a conjuntura política.
Há quatro anos, quando Bolsonaro vivia um dos momentos de maior pressão em seu mandato, com a CPI da Covid e as evidências de irregularidades no Ministério da Saúde, ele foi internado no hospital Vila Nova Star, em São Paulo. Uma foto emblemática da ocasião mostra o político sem camisa, com calção de tactel e o peitoral cheio de fios de monitoramento, dando um suave sorriso para as câmeras.
Agora, enquanto está na UTI, Bolsonaro foi intimado da abertura de processo sobre a trama golpista e, na ocasião, gravou um vídeo criticando o ministro do STF Alexandre de Moraes pela medida. O ex-presidente usava sonda nasogástrica e colete para proteger as cicatrizes, enquanto falava, com a oficial de justiça observando-o ao lado de sua cama.
"Você só está cumprindo ordem aqui, mas o pessoal dos tribunais do Hitler também cumpriam sua missão: colocavam judeus na câmara de gás. Todos pagaram seu preço um dia. Não vai ser diferente no Brasil", disse Bolsonaro, no vídeo publicado em suas redes.
Doutor em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), Leandro Aguiar diz acreditar que as fotos do ex-presidente integram o que ele entende por estética do grotesco, marca do bolsonarismo. Com origem na história da arte, o termo "grotesco" designa um estilo orientado pela busca do horror e do insólito, que pode até provocar o riso e o nojo, como contraponto à beleza harmoniosa, típica da cultura clássica.
"O grotesco nunca provoca indiferença e, por meio dele, Bolsonaro ocupa um espaço diferente na mídia além dos escândalos", diz Aguiar. "As imagens causam indignação dos seus apoiadores ou da oposição, e a indignação é a mola propulsora do bolsonarismo." O pesquisador afirma que, embora transmitam simplicidade, as fotos têm sofisticação estética.
"Ele se alia a uma ideia de brasilidade que não é predominante nos movimentos culturais do século 20", afirma Aguiar. "Podemos pensar na oposição entre a pornochanchada e o Cinema Novo."
Com as cenas, afirma Aguiar, Bolsonaro apresenta-se como um homem comum e se afasta da liturgia do cargo outrora ocupado por ele. O homem comum torna-se mais próximo da militância, sujeito a sentimentos ambíguos, podendo ser, ao mesmo tempo, agressivo e religioso.
"Vamos superar mais esse desafio, um dia de cada vez", escreveu o ex-presidente, na legenda de uma foto, publicada no Instagram há duas semanas. "Muito obrigado pelo carinho, pela compreensão e pelas orações."
Para acesso a imagens e comentários desta matéria da Folha: Bolsonaro expõe sondas e cicatrizes no hospital
Obra fundamental para entender a dinâmica histórica das classes sociais e do Estado brasileiro explica o golpismo no Brasil de hoje. # Leonardo Belinelli (Folha)
A derrota do fascismo em Portugal
No 25 de Abril de 1974 ruiu a ditadura mais antiga do continente europeu.
A rebelião militar organizada pelo MFA, uma conspiração dirigida pela oficialidade média das Forças Armadas que evoluiu, em poucos meses, de uma articulação corporativa para a insurreição, foi fulminante.
Abatida militarmente por uma guerra sem fim, exausta politicamente pela ausência de base social interna, esgotada economicamente por uma pobreza que contrastava com o padrão europeu, e cansada culturalmente pelo atraso obscurantista que impôs durante décadas, poucas horas foram suficientes para uma rendição incondicional.
Foi nesse momento que o processo revolucionário que comoveu Portugal se iniciou. A insurreição militar precipitou a revolução, e não o contrário.
# 33 anos depois do impeachment
Tal como Bolsonaro, o boneco com os pés de barro das elites
Destino do ex-presidente significa muito mais do que a detenção de um meliante. Collor é o boneco que as elites brasileiras, acobertadas pela velha mídia, inventaram para disputar as eleições de 1989. Tal como Bolsonaro, ele é a síntese do Brasil sem rumo, esfacelado pelos interesses privados e pelas desigualdades sociais e presa de uma armação midiática e autoritária.
# Sakamoto: com a prisão de Collor, STF limpa terreno para a de Bolsonaro (Uol) # Arthur Guimarães de Oliveira: o julgamento do STF que levou Collor a prisão (Folha) # Há 35 anos: o confisco da poupança devastava a vida de milhões de brasileiros (Fund Perseu Abramo) # Plano Collor: o maior trauma financeiro vivido pelo Brasil (InfoMoney) #
# As dúvidas sobre a cirurgia de Bolsonaro. Luis Nassif (GGN)
# Bolsonaro humilha funcionária da Justiça. Sakamoto (Uol)
# Extrema direita tenta novo projeto de anistia. Leonardo Lucena (347)
# Glauber, heroísmo e a refundação da política. Luiz E. Soares (O.P.)
Inventário de um país após o declínio. A partir de Ronald Reagan, há cinco décadas de neoliberalismo, descoesão social e agressão ao ambiente. As análises usuais não enxergam tal nexo, mas o delírio de Trump não é causa – é sintoma
# Luiz Marques (Outras Palavras)
Compreender o processo de colonização, que vai além da espoliação dos territórios, é passo essencial para combatê-la. A modernidade eurocêntrica é seu pilar. E seus tentáculos estão imbricados no Poder, no Ser e no Saber. E há quem diga que resistir a isso é “identitarismo”
# Uribam Xavier (Outras Palavras)
o que há de novo?21 e 22/4
"João Paulo II o aposentou assim que fez 75 anos", lamentou-se o tradutor chileno Rodrigo Vergara diante de Nanni Moretti no documentário "Santiago, Itália", de 2018, ano fatídico para o povo brasileiro.
Vergara se referia a Raúl Silva Henríquez, arcebispo de Santiago do Chile na ditadura de Augusto Pinochet, e a Karol Józef Wojtyła, o Papa antipovo do final do século XX.
"Ele foi o personagem mais importante da resistência chilena, na minha opinião", completou Rodrigo Vergara, referindo-se, claro, ao cardeal.
Envergando uma batina, e não uma qualquer, Raúl Silva Henríquez foi importante freio - o freio possível - à sanha assassina de Pinochet e da junta militar da ditadura chilena. A importância da Igreja Católica na resistência a Pinochet foi retratada mais recentemente do filme "1976", de Manuela Martelli e disponível na Netflix.
Ainda no governo de Salvador Allende, antes do golpe militar mais sujo da história da humanidade, o já arcebispo Raúl Silva Henríquez cedeu terras da Igreja para a reforma agrária radical, como deve ser, da Unidade Popular, justificando-se assim perante os reinos do Céu e da Terra:
"Essas terras têm servido a Deus por muito tempo, mas acredito que as necessidades dos trabalhadores dessas terras são maiores".
"Naquela época - seguiu Rodrigo Vergara, diante de Nanni Moretti -, os jovens queriam se tornar padres, porque era tão... como posso dizer? A estatura moral era tão maravilhosa...".
E se emociona; e seus olhos se enchem de lágrimas; e não consegue mais falar.
"Por que está tão emocionado ao pensar nesse cardeal?", pergunta o documentarista, intervindo.
Vergara demora para se recompor. Após longos segundos, quase um minuto em silêncio diante da câmera, Vergara responde:
“Porque ele era o que um cardeal deve ser. Eu não sou católico. Sou ateu. Não tenho nada a ver com isso. Mas quando uma pessoa merece respeito, você deve isso a ela”.
Jorge Mario Bergoglio mereceu nosso respeito quando, em 2018, com Lula preso injustamente em Curitiba, disse assim durante uma homilia na praça São Pedro: “A mídia começa a falar mal das pessoas. Depois chega a justiça, as condena e, no final, se faz um golpe de Estado”.
Quando, no Natal de 2020, exortou contra “o vírus do individualismo radical”.
Nem tanto, por exemplo, quando disse que aborto é “nazismo com luvas brancas”.
No cômputo dos posicionamentos que assumiu e das reformas que promoveu na mais tentacular instituição reacionária do planeta, usando a batina branca do chefe “Francisco”, parece que Bergoglio merece respeito, de resto por contraste com qualquer um de seus antecessores.
E, muito possivelmente, com seu sucessor, tendo em vista que Jamil Chade informa nesta segunda-feira, 21, no UOL, algo sobre a estatura moral dos que estão à espreita: “ultraconservadores farão ofensiva contra igreja mais universal de Francisco”.
Os “ultraconservadores” estão em ofensiva por todos os lados.
Hugo Souza
# Papa Francisco - atualizações
# Por uma Igreja que encontra caminhos novos (entrevista IHU) # Peronista, torcedor do San Lorenzo, admirador de Borges e do Brasil (Marcia Carmo, 247) * Matérias da Piauí: # E pur si muove (Alexander Stille) # O esmoleiro do Vaticano (Lucas Ferraz) # Antes de ser Papa Francisco, Bergoglio chamou Igreja à luta contra o capitalismo predatório (Pública)
"Não há alternativas para as penas aplicadas aos golpistas". Lenio Luiz Streck (Folha)
# Débora é Jair de peruca? Projeto Ressuscita o golpe. Celso R. de Barros (Folha)
# Entre razões e emoções, a saída. Vitória de Glauber Braga. Pedro Tavares (Piauí)
Donald Trump, em meio a uma guerra comercial com o mundo, assina um decreto para aumentar o fluxo de água nos chuveiros americanos. Bolsonaro balbucia, de maneira ridícula, palavras em inglês na avenida Paulista. Um deputado em Minas Gerais tenta censurar um livro que nunca leu…
# Tarcísio e Derrite abrem as portas para a matança João Filho (Intercept)
# Brasília desautoriza demolição da favela do Moinho Claiton Castelani (Folha)
# Um pior que o outro: Tarcísio decide trocar comandante da PM (Estadão via Uol)
# Rio Preto em Chamas. Policiais fanáticos pela KKK Hugo Souza (Come Ananás)
Intermitências
# Futuro da imprensa: IA só não vai acabar com os repórteres Ricardo Kotscho (Uol)
# Aldo Arantes. O domínio das mentes: do golpe militar à guerra cultural Luis Nassif (GGN)
# O inferno: os bastidores das plataformas do comércio virtual (Le Monde via Outras Mídias)
# O editorial do Estadão, a luta de classes no Brasil e Glauber Braga Carlos E Martins (Boitempo)
# Brasil - último bastião da velha ordem (A Terra é redonda) # O nexo entre neofascismo e neoliberalismo e a criação de crises sistemáticas(IHU)# José Luiz Fiori lança novo livro: Uma teoria do poder global (GGN) # Uma autópsia do Ocidente. Antonio Sales Rios Neto (Outras Palavras) # Eis o "Grande Plano" de Trump. Michael Hudson (Outras Palavras) # Quem são os intelectuais bilionários que preparam a ruptura apocalíptica de Trump. Martim Vasques da Cunha (Folha).