
O estranhamento, portanto, é de outra ordem e tem outros motivos: ele existe em razão de um determinado conceito utilitário e quantitativista das TICs posto em prática na maioria das escolas (em especial as particulares) de forma meramente operacional, fato que dificulta ao docente o entendimento da riqueza que a técnica pode oferecer para o processo de ensino-aprendizagem. Responder emails de alunos, aplicar testes na rede, registrar frequência ou avaliações, sacrificar a qualidade de uma aula em razão de programações abstratas e pressionadas pela urgência constituem um conjunto de tarefas sufocantes e inspiradas numa concepção administrativa de sua relação com o conhecimento, porque não é dessa forma que ele é nem produzido nem apreendido. É natural que os professores vejam aí um padrão de atividade com o qual eles não se identificam e para o qual nem chegam a ser remunerados de forma adequada e digna; e é sintomático que a denominação de "tutor" vai ficando reservada para professores que veem o que fazem reduzido ao mero monitoramento de algumas dessas aplicações.
Estou convencido de que isso ocorre por dois motivos. O primeiro deles é consequência direta e imediata da filosofia interna daquelas escolas onde essa situação é mais aguda, isto é, a precipitação e o afobamento na adoção de modelos que agilizem o ingresso de seus cursos nesses novos tempos - eventualmente com a compra de pacotes prontos de softwares estranhos a quaisquer projetos pedagógicos qualificados. Tudo indica que isso tem provocado a alienação do professor sobre aquilo que está sendo posto em prática pois que ele não vê nas mudanças todas senão o sentido burocrático que se acrescenta ao sem-número de atividades com as quais já está envolvido. O resultado é o que se vê por aí: um grau de estresse, de desgaste físico, de sobrecarga de trabalho que anula a potencialidade que as TICs têm para os professores e para as próprias escolas como instituições educacionais, pois é isso o que elas deveriam ser.
O segundo motivo é bastante conhecido: em boa parte dos estabelecimentos de ensino, as mudanças incrementadas pelas novas tecnologias são inspiradas pelo mercado, pela concorrência, pelas cotoveladas que as empresas dão umas nas outras para conquistar a clientela; não têm nada a ver com o aperfeiçoamento dos processos didático-pedagógicos - ainda que os discursos que as jusfiquem digam que sim, até com um certo deslumbramento. Sob esse aspecto, é possível que as mudanças estejam sendo bem-sucedidas, mas é insignificante o ganho educacional que representam, e esse é um elemento que se acrescenta ao estranhamento dos professores.
Tenho dito em diversas ocasiões que as TICs são essencialmente emancipadoras da atividade intelectual e alargam as possibilidades de acesso à transmissão e à obtenção do conhecimento, mas sempre que isso seja feito de forma criteriosa e autônoma pelos sujeitos que conseguem estabelecer uma relação enriquecedora entre o conteúdo do que fazem e a forma como o fazem, no trabalho e na criatividade. Posso estar enganado, mas a lógica com que elas têm sido inseridas na Educação é o oposto disso, como os professores testemunham todos os dias. Como é mesmo o nome daquela espécie de imposto que uma geração transfere para outra porque não tem noção dos efeitos negativos que sua ação tem no presente? Imposto geracional? Pois a forma como as TICs têm sido implementadas nos nossos sistemas de ensino é bem isso: estamos empurrando para frente as consequências desse déficit.
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