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Catarse, alienação, transe: o Brasil mergulha no pesadelo profundo do fascismo (imagem do El País tomada na Paulista em 28 de outubro) |
Quem pensou que as eleições fariam emergir um país pacificado e que a extrema direita representada por Bolsonaro aprenderia rápido as boas maneiras e as práticas civilizadas do convívio político, se enganou. Não foram necessárias mais do que 48 horas para que o Brasil se transformasse num território (mais do que num Estado) dominado pela desorientação, pelo medo e pela tensão violenta que passou a normatizar essa nova sociabilidade reacionária. Com os movimentos populares ou de centro-esquerda desorganizados na profundidade da derrota eleitoral, inclusive com o acovardamento de algumas de suas lideranças (como é o caso de Ciro Gomes), com a esperada tibieza e venalidade da elite liberal, o neofascismo do PSL não encontra, pelo menos até agora, qualquer obstáculo para se impor como a ordem do caos e do medo: estratégias clássicas e históricas na ação de todos os movimentos de extrema direita.
Apesar disso, no entanto, parece-me necessário distinguir dois processos importantes: em primeiro lugar, o caráter de classe da vitória de Bolsonaro e de alguns de seus seguidores. Os gráficos da votação recebida pelo PSL (incluo Doria aqui) mostram uma nítida segmentação social no país inteiro associada ao número de eleitores que não votaram em Bolsonaro. O resultado disso parece ser a constatação de que a extrema direita não tem condições de estabelecer um governo de união nacional: Bolsonaro não representa o país e vai pagar o ônus disso - um ônus que mais se torna agudo quanto mais inábil ele se mostra no exercício da negociação política. Ao contrário do que se esperava ingenuamente, as eleições ampliaram, em muito, as tensões que a antecederam.
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Ladeira da Memória: Ustra homenageado |
Essa natureza inorgânica do PSL amplia o sentimento de desordem e de medo através do qual vai se sedimentando uma forte resistência ao resultado das eleições: penso que Bolsonaro está mais vulnerável hoje do que no dia em que venceu Haddad. Comprando, como parece ter comprado ao investir contra Folha, a desconfiança da imprensa, essa colcha de retalhos em que suas entrevistas se transformam, acumulam ao seu redor das evidências do seu despreparo - um imenso vácuo onde cabe tudo o que há de pior na política brasileira: dos nomes aventados para o ministério a plataformas de política econômica. Ao redor do resultado das urnas o que está se formando é uma pastagem de interesses privados e de especulações disparatadas, um empurra-empurra como nunca se viu. Pessoalmente, não vejo nisso nenhum sinal nem de estabilidade, nem de governabilidade, mas espaços que podem ser ocupados pela resistência.
Leituras sugeridas: * Vencemos no passado, venceremos no futuro (Maringoni, FB) * O que as forças progressistas podem fazer agora (The Intercept) * O paradoxo do democrata (Piauí) * Direita volver (Piauí) * Risco Bolsonaro e retorno à barbárie (Outras Palavras) * A ameaça de uma ditadura desavergonhada (Brasil 247) * STF, dique de contenção para Bolsonaro (El País) * Pedofilia, estupro, incesto (Piauí) * O marco civil da internet ajudou a eleger Bolsonaro (The Intercept) * Para combater os perigos de Bolsonaro, brasileiros podem olhar para ameaças similares em outras democracias (The Intercept) * O Atlântico em chamas (El País) * Desesperadamente otimistas (Outras Palavras) * Capitalismo esclarecido e populismo de Bolsonaro aproximarão Brasil e EUA, diz Bannon (Folha).
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