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Cultura
* atualizações
Pensatas para o fim de semana
# Um bandido e seus ancestrais na Casa Branca
# Trump não tem condições de ser presidente de nada (Fukuyama, DW) # Trump tem um poder colossal de causar danos (IHU) # Primeira entrevista: plano para deportação em massa de estrangeiros (G1) # Mídia perde influência e se prepara para ataques de Trump (Folha)
Capitalismo brasileiro: as maiores favelas do mundo
# Brasil tem 16,4 milhões de pessoas vivendo em favelas (G1) # Em 12 anos, Paraisópolis sobe 5 posições e se torna a 3a maior favela do Brasil (G1)
Enquanto isso... # Copom eleva taxa de juros e consolida sua posição de promotor da concentração da renda e da universalização da miséria (adspt Intercept) # A maldição de Sísifo (GGN)
# A Era Tarcísio: Leiloar escolas, vender gente (Outras Palavras)
# Elogio da recusa ao trabalho hiperterceirizado (Outras Palavras)
Os golpistas do 8 de janeiro: sem chance de anistia
# Bolsonaristas planejavam sequestrar Lula e Alexandre de Moraes (247) # Fascistas estavam informados sobre pessoal e armas da segurança de Lula (Uol) # Até o uso de crianças: as táticas para promover o PL da anistia (Lupa, Uol) # Ives Gandra: o inspirador do golpe? (Uol)
Por que 'aliviar' com um dos maiores bandidos da História?
Pensatas para o fim de semana
Opinião pública brasileira encharca os olhos na indignidade da cobertura que a mídia tradicional 'construiu' em torno das eleições nos EUA. Na verdade, Trump é um facínora e sua presença na presidência da maior potência mundial deve ser repudiada. O caminho é a denúncia sistemática de todas as arbitrariedades que cometer.
Leituras indispensáveis
# A democracia americana diante do abismo (Urian Fancelli, Piauí) # Project 2025: como Trump ameaça o mundo (Mel Gurtov, Outras Palavras) # A guerra civil psicótica de volta à Casa Branca (Franco Berardi, Outras Palavras) # Delírio coletivo: por que o eleitorado 'norte-americano' recoloca Trump, mais ameaçador que nunca, na Casa Branca (Clarissa Carvalhaes, Carta Capital, assinantes) # Ao lado de Trump, bolsonaristas celebram vitória e retomam plano de pressionar o STF (Pública) # Como a mídia americana se comportou (Marcelo Soares, Piauí) # Recordar é viver: Quatro horas que abalaram o mundo (João Lanari Bo, A Terra é redonda).
Enquanto isso...
# Leilão das escolas públicas vai acabar na privatização do ensino público (Daniel Cara, GGN)
# A doença dos jogos on-line (Podcast, Pesquisa Fapesp)
# As bets afetam a saúde mental dos brasileiros (Pesquisa Fapesp)
# Graça Nunes: Inteligência Artificial sem ilusões (Pesquisa Fapesp)
Megalópolis e a utopia de Coppola
A questão central do filme é a modernidade, mais com seus fracassos do que vitórias. Escrito pelo diretor, o longa diz que o sono da utopia desperta monstros, para parafrasearmos Goya. E, nesse sentido, o tempo todo a utopia precisa ser despertada para que o mundo não se curve às trevas dos todos totalitarismos em cidades planejadas para a opressão e dominação.
O que há de novo?
I'm back
Trump eleito: extrema direita festeja retrocesso
Mapa com o número de delegados conquistados pelos republicanos registrava, antes mesmo do fim da apuração, margem insuperável de votos dados ao ex-presidente. # Acesse aqui o placar do Google
Matérias do clipping de Francisco Bicudo (SinproSp):
# Trump anuncia vitória, diz que fechará fronteiras e promete virada nos EUA: 'Será a era de ouro da América' (G1)
# Trump diz em discurso que América lhe deu mandato sem precedentes (Folha de S.Paulo)
# Trump deverá ter superpoder com maioria no Congresso e na Suprema Corte (Valor)
Democracia insegura
Trump x Kamala: nas mãos de quem fica O Destino Manifesto?
Acompanhe o noticiário sobre as eleições de 5 de novembro nos Estados Unidos: há dúvidas de toda sorte no ar, mas duas delas são fundamentais: nas mãos de quem vai ficar o governo da maior potência econômica e militar do planeta? E se Kamala vence Trump muda a orientação imperalista de Washington ou ela ressurge disfarçada numa narrativa de roupa nova?
# Campanha de Trump quer questionar resultados. Jamil Chade (Uol) # Trump ameaça o mundo com seu 'projeto vingança'. Ricardo Kotsho (Uol)
Imagem: As vinhas da Ira, filme de John Ford (1940), baseado no romance de John Steinbeck (1939)
EUA parecem mais divididos do que nunca. Mas por trás da polarização...
Imagem: O triunfo da pobreza, Nicole Eisenman (2009)
Controle de Gaza é estratégico: com avanço chinês, garante presença militar maior dos EUA. E conexão econômica entre Israel e a região do Golfo (Outras Palavras)
Chancelaria de Israel notificou a ONU sobre proibição de fornecer ajuda aos civis no enclave palestino (Opera Mundi)
Intermitências brasileiras
Resultados das eleições municipais animaram forças conservadoras à ofensiva neoliberal. Aparentemente aleatório, movimento que visa emparedar Lula tem objetivo determinado: inviabilizar projetos de cunho social, paralisar iniciativas populares do governo e ceifar, desde já, a candidatura que herdaria a popularidade da política social-democrata
# Recuo forte dos mercados mostra chantagem da Faria Lima contra o governo. João Paulo Kupfer (Uol) # Telebras admite 'pedalada' e prevê rombo de mais de R$ 184 milhões. Julia Affonso (Uol) # Nunes Marques descarta impedir Congresso de limitar poderes do Supremo. Andreza Matais (Uol)
# Itaú-Unibanco tem lucro líquido de R$ 20,6 bilhões no III trimestre de 2024: uma alta de 18,1% em 1 ano (Estadão)
O eixo se deslocou para a direita, mas se afastou do fascismo.
Silvio C. Brava (Le Monde)
Eis aí o recado das urnas nas eleições municipais
Fernando de Barros e Silva (piauí)
Como as urnas afetaram as coalizões que devem se enfrentar em 2026
André Singer (piauí)
# Esquerda nas eleições de 24: melhor acender uma vela que amaldiçoar a escuridão
Orlando Silva (Carta Capital)
PEC da Segurança Pública: sem espaço para a sociedade
Antropólogo ressalta que projeto não se compromete com a prevenção de crimes e contribui com a militarização das forças policiais
As eleições de 2020 e 2024 sob a perspectiva de gênero e raça
# Uma análise do estado do Rio de Janeiro. Mayra Goulart e Giulia Gouveia, A Terra é redonda (acesse aqui)
Leia também Muniz Sodré: # O tamanho do buraco identitário (Folha)
Van Gogh por metro quadrado
Por SAMUEL KILSZTAJN*
Comentário sobre o pintor holandes
Vincent Willem van Gogh, este homem movido a paixões, de espírito solidário e irreverente, produziu mais de 900 pinturas e 1.110 esboços e desenhos, além de duas mil cartas (820 das quais foram encontradas). As pinturas foram realizadas em seus dez últimos anos de vida, principalmente nos dois últimos. As obras completas, pinturas, esboços, desenhos etc. estão classificadas em http://www.vggallery.com/. As cartas manuscritas, digitadas no idioma original e traduzidas para o inglês estão disponíveis em https://vangoghletters.org/vg/. (acesse)
Link para o texto original do artigo:
Os quadros de Van Gogh estão entre os mais cobiçados e valorizados do mundo, alguns superando a marca dos 100 milhões de dólares. Mesmos suas cartas são comercializadas a preços vultuosos. Em 2020, o Museu Van Gogh de Amsterdam adquiriu a carta escrita em Arles a Émile Bernard a 1-2 de novembro de 1888, com um adendo de Paul Gauguin, por mais de 200 mil dólares.
O preço por metro quadrado de um Van Gogh supera em muito o metro quadrado de um apartamento em Nova York. Boa parte de seus quadros foram pintados em telas de 72 por 90 cm, ou seja, 0,65 metros quadrados. O metro quadrado de um Van Gogh atinge, portanto, mais de 150 milhões de dólares. Um apartamento de 100 metros quadrados na 5ª Avenida, na altura do Hotel Plaza, pode ser adquirido por uma bagatela de dois milhões de dólares, míseros 20 mil dólares por metro quadrado. Ou seja, o metro quadrado de um van Gogh é 7.500 vezes maior que o metro quadrado na 5ª Avenida.
Todo este economês para falar da cultura e do mercado da arte e dizer que Vincent van Gogh, que vendeu apenas uma de suas mais de 900 obras, passou a vida na miséria, sendo amparado emocional e financeiramente por seu irmão Theo van Gogh, um marchand que apoiou o impressionismo. Vincent pintava (e escrevia) compulsiva e convulsivamente. Vivia para pintar, embora não ganhasse um centavo com isso, ao contrário, gastava sua saúde e o dinheiro do irmão que o sustentava, casa, comida, tintas, pincéis e telas. Sua ansiedade o compelia a pintar de forma frenética.
Era obstinado e obcecado a ponto de ser repelido pelas pessoas que o cercavam, o que ainda o levava a ter que enfrentar a solidão. Louco varrido em vida, transformou-se em um deus da arte depois de morto, dando razão a Aristóteles que inicia A política dizendo que um homem solitário é um monstro ou uma divindade.
Em 23 de dezembro de 1888, quando Gauguin estava vivendo com ele em Arles, Vincent teve a sua primeira crise, que o levou a decepar parcialmente o lóbulo de sua orelha direita. Dois dias antes, em 21 de dezembro, Theo havia pedido o consentimento de sua mãe, Anna von Gogh, para o noivado com Johanna Bonger. O noivado foi celebrado em 9 de janeiro de 1889 e o casamento em 17 de abril de 1889. O filho de Theo e Jo, nomeado Vincent Willem em homenagem ao tio, nasceu em 31 de janeiro de 1890. Em 19 de fevereiro de 1890, Vincent escreveu para Anna van Gogh, “… comecei imediatamente a fazer uma pintura para ele, para pendurar no quarto deles. Grandes ramos de flor de amendoeira branca contra um céu azul”.
Em carta de 16 de março de 1889, Theo havia escrito a Vincent, “Você fez tanto por mim que lamento saber que agora que provavelmente terei dias felizes com minha querida Jo, você certamente terá dias muito ruins.” Em carta de 10 de julho de 1889, Vincent escreveu a Theo e Jo, “Eu temia – não inteiramente – mas um pouco, assim mesmo – que eu era um perigo para você, vivendo às suas custas…” Sentindo-se emocionalmente desamparado e um peso para seu irmão, após recorrentes crises, Vincent van Gogh faleceu em Auvers-sur-Oise a 29 de julho de 1890, aos 37 anos de idade. Theo van Gogh, que era devotado ao irmão, assim como o irmão era devotado à arte, e vivia em Paris cercado por uma profusão de quadros encalhados e imerso em mais de 650 longas cartas deste gênio da pintura, partiu seis meses mais tarde, foi ao encontro do irmão em 25 de janeiro de 1891, aos 33 anos de idade.
Embora oficialmente considerada morte por suicídio, a versão de que o polêmico Vincent foi vítima de um homicídio acidental foi levantada em 1930 pelo historiador John Rewald e, em 2012, por Steven Naifeh e Gregory White em Van Gogh: a vida (Companhia das Letras). A versão de homicídio também é apresentada nos filmes Com amor, van Gogh, de 2017, e No portal da eternidade, de 2018. Em carta a Theo de Saint-Remy em 10 de setembro de 1889, após uma crise, Vincent escreveu que ficou assustado e resolveu se alimentar melhor e decididamente investir em sua saúde, “… procuro me curar no presente como quem gostaria de se suicidar, achando a água muito fria, busca alcançar a margem.”
Além de testemunhos de pessoas de Auvers, há vários indícios que desqualificam a versão de suicídio. Ele saíra para pintar, não possuía arma de fogo e o tiro no abdômen em ângulo oblíquo descartava a possibilidade de suicídio; além disso, todos estes materiais, tela, tintas, cavalete e a arma utilizada jamais foram localizados. Antes de morrer, teria afirmado, em consonância com o seu espírito solidário, que fora suicídio para proteger os adolescentes autores do homicídio acidental. De qualquer forma, a versão de suicídio prevaleceu e continua prevalecendo porque, além de atender à disposição de van Gogh, é consonante com a trajetória de um homem que viveu incompreendido e revolucionou a arte moderna.
Vincent van Gogh: Auto-retrato
(Wikimedia Commons)
Vincent van Gogh: Autorretrato Com Chapéu De Palha
(Wikimedia Commons)
Vincent vivia reclamando que precisava urgentemente de modelos que, infelizmente, não tinha condições de pagar. Embora tenha pintado 35 autorretratos e mais de 50 retratos de amigos e conhecidos, nunca retratou Theo van Gogh, ainda que tivessem morado juntos em Paris de março de 1886 a fevereiro de 1888 (há quem defenda, entretanto, que o retrato abaixo seja de Theo). O retrato do Dr. Félix Rey Bust, que cuidou de Vincent em sua primeira crise em Arles, o médico usou para tapar um buraco no galinheiro.
Foto: Wikimedia Commons
* Samuel Kilsztajn é professor titular em economia política da PUC-SP. Autor, entre outros livros, de Partir c’est garder son équilibre [https://amzn.to/48lv9G9]
Pensatas para o fim de semana
Três explicações erradas para a derrota de Boulos. Valery Arcary (A Terra é redonda)
O desencanto pela política não aparece em gráficos, mas existe. G. Maringoni (GGN)
Extrema direita cresce e fortalece planos de Tarcísio, Nikolas e Gayer para 2026 (Intercept)
# Leia também: Percepções e valores políticos na periferia de São Paulo (Fundação Perseu Abramo)
A esquerda empreendedora
A “esquerda vem perdendo adesão nas periferias”; “a esquerda perdeu o diálogo com a periferia”; “a esquerda definha nas periferias das capitais”. Essas são algumas manchetes de jornais recolhidos ao acaso nos últimos dias. Agreguem-se a isso as receitas oferecidas: “é preciso apoiar o empreendedorismo, dialogar com os neopentecostais” etc.
Entre os argumentos esgrimidos estaria o de que a periferia não quer mais CLT, Estado, impostos, “ideologia de gênero” etc. Por exemplo, o Data Favela registrou que 8 em cada 10 moradores de favelas pretendem empreender. # Lincoln Secco, A Terra é redonda.
# Leia também Wilson Gomes: Esquerda precisa perguntar a seu ex-eleitor: "você está melhor sem mim?" (Folha)
EUA: Democracia sem escolha
Crônica em Washington, às vésperas de uma eleição em que não há saída real. Vencerá a candidata da guerra perpétua ou o da ameaça fascista? Nas ruas, poucos parecem se importar. Mas os bilionários tomaram partido, e evita-se o voto negro. # Tatiana Carloti, Outras Palavras.
Além da disputa presidencial, o que mais está em jogo nas eleições nos EUA no 5 de novembro? # Vitor Farinelli, Opera Mundi
# O Destino Manifesto. A doutrina que faz os EUA acreditarem-se como nação predestinada a impor seu poder ao mundo (BBC)
Atualidade de Marcuse: armas e manteiga, napalm e tv a cores
Talvez nenhuma discussão de Marcuse seja tão importante hoje em dia como essa, quando uma parcela grande da humanidade encontra na tecnologia, tal como ela é, uma resposta para a crise climática e para a crise política, enquanto os setores “progressistas”... # Bruna Della Torre, Boitempo
# Criação do Estado Palestino obrigaria Israel a repartir US$ 453 bi em petróleo e gás. Lucas Pordeus Leon (Opera Mundi)
Francis Ford Coppola avalia o capitalismo: "É mais fácil vender para pessoas infelizes"
Francis Ford Coppola, 85, lança "Megalópolis", filme que se tornou famoso antes mesmo de chegar aos cinemas pela longa trajetória percorrida para finalmente estrear
# Fernanda Talarico, Flavia Guerra e Roberto Sadovski, no Splash (Uol)
Pensatas da 4a feira
# A geografia do poder: uma análise das eleições em São Paulo
Diferentes projetos nas diversas regiões (Le Monde)
# Anatomia de um colapso: a crise da privatização dos serviços públicos
O Brasil e a luta pela de reestatização (Le Monde)
STF anula condenações de Dirceu e abre caminho para 2026
# M. Coutinho # Sakamoto # W. Sobrinho # M. Bergamo (Uol e CC)
Governador na mira da lei: esperança é a última que morre
# Tarcísio pode ficar inelegível. Leia as matérias do GGN com entrevista de Kakay e artigo de Dolores Guerra
# Assista: A tragédia em Gaza numa das imagens mais sentidas sobre os crimes de Israel contra os palestinos (YouTb)
Uruguai: quem são os candidatos que vão disputar o 2o turno
# BBC
# Em tom de despedida, 'Pepe' Mujica faz discurso emocionante em Montevideu (assista no Youtube)
Argentina: a Universidade encara Milei
Mais de 30 instituições ocupadas, nos quatro cantos do país. Aulas públicas, assembleias, estudantes nas ruas. É por verbas e dignidade, mas também contra o ultraliberalismo. Como surgiu o movimento. Por que ele pode sacudir a sociedade.
A estranha luta de classes nas eleições dos EUA
Vozerio
(...) tudo nos ensina que o sucesso e o insucesso ocorrem indistintamente para os bons e para os maus (*)
Na edição do clipping do site sobre as eleições, o ruído ensurdecedor das análises que procuram explicar o resultado das urnas. Um material rico de percepções que podem nos ajudar a refazer a ponte da esquerda com a sociedade...
# O discurso de Boulos sobre o resultado das urnas # Fabíola Perez # Renato Janine Ribeiro # Jessé Souza # Vladimir Safatle # Joel Pinheiro da Fonseca # IHU # Antonio Martins # Luis Felipe Miguel (acesse o clipping)
(*) Sérgio Buarque de Holanda, citado por Sevcenko em Orfeu extático na metrópole
Boca de urna
Eleições em SP mostram dois projetos opostos para o futuro da cidade
# Clippping do site atualizado desde o início da campanha eleitoral: as propostas e deslizes dos candidatos, a cobertura enviesada do jornalismo de encomenda e do jornalismo sério; os debates, os espamos populistas, as narrativas fascistas e a utopia de uma cidade feita para a solidariedade e a democracia (acesse aqui). # Leia também as principais informações sobre a campanha do II turno.
Perspectivas: # Os números do Datafolha # Momento exige ousadia e cálculo, diz Claúdio Couto sobre entrevista de Boulos com Marçal (GGN) # Ainda que fosse bom, Boulos deveria ter recusado papo com Marçal (Uol) # Os números na matéria da Rede Brasil Atual # Quaest: Boulos avança entre mulheres e jovens (Carta Capital)
Com os olhos vermelhos na hora do voto
Samir Gandesha, em A Terra é redonda: # A base subjetiva da propaganda fascista (o poder momentâneo do "pequeno grande homem") # Profetas do engano (a erosão da consciência liberal)
Meu voto
Tudo o que eu penso sobre o II turno das eleições para a prefeitura de São Paulo e por que minha escolha é Boulos
O cenário é otimista: depois de amargar todo o peso do radicalismo da extrema direita que se espalha como poeira tóxica pelos vários segmentos da população paulistana, Boulos está atravessando a ponte dos números mágicos das pesquisas.E atravessando também o terreno perigoso do preconceito ideológico que alimenta boa parte das análises da 'grande' mídia (acesse)
A distância dos índices que favoreciam Nunes já é menor que 14% (nesta 5a feira, 24/10), e a julgar pelo engajamento de seus apoiadores esse índice deve cair na reta final da campanha. Bem feitas as coisas e com a contundência das grandes batalhas da cidadania, é possível chegar ao domingo com uma virada parecida com aquela que Erundina deu sobre Paulo Maluf em 1988.
Pode ser que esse meu otimismo não se confirme, mas a insistência na tecla da denúncia dos 'crimes' cometidos pela turma que se articulou com Nunes desde a morte de Bruno Covas, turma essa contaminada com Bolsonaro e Tarcísio, é uma insistência que vai na direção do apoio envergonhado que Nunes tem recebido. Entenda-se o "envergonhado" como um apoio inseguro, sem convicção, tipo 'manada' que corre atrás e que segue o 'cordão' sem nem ao menos saber a letra da música que a galera ensaia cantar. Penso que é um estado catártico que se repete agora depois que Marçal deixou o palco.
Sem saber direito quem é Boulos, o que ele pensa, ou movidos pelo anti-lulismo atávico da imprensa e das elites, o voto em Nunes - as pesquisas já identificaram isso - é o voto dado ao menos pior, como se essa justificativa tivesse algum grau de objetividade que a sustente. A candidatura Nunes é vazia em densidade política e programática e não consegue disfarçar sua origem: o prefeito é um aventureiro que só chegou onde chegou por força da composição de Covas com as forças políticas atrasadas da Câmara Municipal.
É possível que ele vença, mas é possível que não. As próximas 72 horas é que vão dizer se a força narrativa da extrema direita é suficiente para virar esse "a esmo" da parcela dos eleitores que consideram Nunes o menos pior.
A candidatura Boulos, por seu lado, me parece mais estruturada (além da empatia que tenho por ela, pela experiência política do candidato, por sua militância e por sua consistência argumentativa e ética). A filiação de boa parte de suas ideias é a da social-democracia e isso me parece programaticamente mais coerente com os desafios históricos que a sociedade brasileia enfrenta: o fortalecimento do papel indutor do Estado no campo do crescimento econômico, a adoção de políticas fiscais de natureza direta e indiretamente distributiva, a ampliação dos direitos sociais e a recusa radical à privatização de quaisquer setores do patrimônio público. Esse núcleo de propostas (ainda que simplificado aqui) me parece o diferencial da esquerda, sua natureza socialista e a razão de sua articulação orgânica e estratégica, diferentemente do grupo que a mídia e uma parcela do senso comum definem como "de direita" ou "extrema direita".
A prefeitura de São Paulo está no centro dessa polarização e o que difere um e outro polo, além do conteúdo, é o grau de lucidez histórica que um deles tem e o outro não. Em síntese: o fascismo continua sendo o anti-humanismo por excelência e a negação da racionalidade iluminista. Basta ouvir os enunciados de seus líderes e acompanhar as práticas da facção que apoia Nunes para entender isso. O fascismo nega a inteligência; o socialismo tem nela o principal instrumento da emancipação da sociedade e do indivíduo.
Por isso tudo é que eu voto Boulos.
J.S.Faro
Cenários
Deus e o Diabo na Universidade
Nos anos 1930, as raízes da cruzada da extrema direita pelo controle ideológico do ensino
# André Jobim Martins, piauí
# André Jobim Martins, piauí
Pensatas para um fim de semana nervoso
Variações temáticas numa hora dessas?
# Quando o chat GPT tenta ser Paulo Freire (Orlando Lima Pimentel, Outras Palavras) # Viagem aos porões da Inteligência Artificial (Adio Dinika, O. P.) # The Guardian publica editorial em apoio a Kamala Harris (247)
O joio e o trigo
Deixem que cresçam juntos até a colheita. Então direi aos encarregados: juntem primeiro o joio e amarrem-no em feixes para ser queimado; depois juntem o trigo e guardem-no no meu celeiro' (*)
# A lógica da razão simples: o elogio da idiotice como mensagem (jsfaro.net, 2018)
"Ô cara, fica na tua. Em 2026 sou eu"
Com o que há de pior
Com a presença de Bolsonaro em churrasco e ao lado de Tarcísio, Nunes evitou associar sua imagem à do ex-presidente, embora todos ali sejam matéria da mesma composição orgânica. Temendo ser desautorizado por sua condição de inelegibilidade e sempre sob a perspectiva de prisão pela tentativa de golpe do 8 de janeiro, Bolsonaro se irritou até com o governador do Estado a quem pode ter dito (como se deduz da foto): "quem manda aqui sou eu".
# Leia a matéria de Fabíola Perez e Saulo P. Guimarães no Uol
Boulos na sabatina UOL
# Rejeição cresceu com mentiras # Boulos enfrenta extrema direita patrocinada por empresários e por Tarcísio # O aborto legal será restabelecido # Barrar a transformação da polícia em milícia # Tirar a prefeitura das mãos do crime organizado # Denúncia grave contra Nunes será feita nesta semana: anatomia dos esquemas do atual prefeito.
Lilia Moritz Schwarcz: "No Brasil, mistura nunca foi sinal de igualdade"
Em entrevista à DW, historiadora Lilia Moritz Schwarcz diz que o país "nunca teve um apartheid na lei", mas "praticou um apartheid por costume". Em novo livro, ela analisa imagens que refletem o racismo na sociedade.
A entrevista é de Edison Veiga, publicada por DW, 21-10-2024 e reproduzida no site IHU (leia aqui)
Mortes pela PM em SP aumentam 78% em 2024; duas em cada três vítimas são negras
Denúncia foi feita pelo movimento Sou da Paz. Com cinismo e frieza desconcertantes, e indiferente à dimensão dos sucessivos crimes letais que ocorrem sob sua administração, Governador Tarcísio de Freitas afirma que policiais adotam "procedimentos técnicos" em suas ações.
# Leia a matéria de Paulo Eduardo Dias (Folha) # Por que as mortes pela polícia aumentaram em SP? (Folha)
Modelo brasileiro de alienação do patrimônio público está falido, mas Tarcísio de Freitas, um brontossauro privatista a serviço dos interesses privados, insiste nele
Toda privatização é criminosa
Começa em Londres o julgamento dos responsáveis pela tragédia de Mariana. Não há atenuantes para o descalabro assassino que foi cometido pelos concessionários das barragens: descaso pela segurança da população local e severa incompetência na gestão do 'negócio da China' que foi a privatização da Vale. O caso não é único e pode mesmo ser visto como paradigmático porque em todos os setores onde a privatização ocorreu - no Brasil e no exterior - os danos, além de irreparáveis, são de gravidade humanitária. Privatização é crime.
Saiba mais: # O que está em jogo no julgamento do caso Mariana, em Londres (Opera Mundi) # Entenda o julgamento (GGN) # Milhares de vítimas pedem indenização (JN)
Uma obra prima de Ray Bradbury. A literatura desconfiada do deslumbramento com a sociedade funcional: a distopia como denúncia
Farenheit 451
“Já se vão cinco primaveras que nos falta o professor Zenir Campos Reis. Falta a presença física. A presença intelectual aí está, nos diversos escritos que Zenir nos legou. Desta vez, seus amigos e discípulos trazemos à conversa o Prefácio à tradução francesa de Fahrenheit 451. Ali, o fio que persegue a atualidade do romance puxa reflexões precisas/preciosas sobre o destino dos livros, da cultura na sociedade capitalista” (Cláudia Arrruda Campos)
Continue a leitura: # Prefácio de Jacques Chambon à edição francesa do livro de Ray Bradbury
O que há de novo?
# Sem disfarces ou eufemismos: "A esquerda tem o que dizer". Mauro Iasi (Boitempo)
# Haddad acerta ao analisar transição pós-bolsonarismo. Josias de Sousa (Uol)
# Precarização da vida é motivo do desencanto. Tiaraju P. D'Andrea (Uol)
# "Eu era do PT, agora...", diz líder comunitário. Paulo Motoryn (Intercept)
"Desigualdade desafia o contrato fundamental das sociedades"
Nobel de Economia, James Robinson, mostra que os abismos sociais aprofundam estado de anomia até mesmo nos partidos de forte enraizamento teórico. # Leia no site da BBC
São Paulo vai continuar nas mãos de um idiota?
# Por que Nunes se dispôs a apanhar? Tales Faria (Uol)
# Nunes perdeu o debate para ele mesmo. Andreza Matais (Uol)
# Jessé Souza: "É preciso mostrar ao povo quem são seus verdadeiros inimigos" (assista Juca Kfouri Entrevista. Youtube)
# Leia a entrevista de Jessé Souza no 247
Caiado e Tarcísio disputam o espólio fascista
# Bolsonaro indica Tarcísio candidato em 2026 e chama Caiado de traidor (247)
# Caiado se diz candidato e revida: "Bolsonaro não tem jeito" (247)
# Zema corre por fora (Carta Capital)
# Brasil tem empresários que pagam só 4% de imposto sobre os lucros (Folha)
"... o lucro deveria ser tributado em 45% nos bancos e 34% nas empresas não financeiras, mas (...) essa carga tributária não é obedecida pela gande maioria dos negócios no Brasil"
Os mercadores do Templo (Marcos 11: 15-16)
Apocalipse nos trópicos: documentário de Petra Costa sobre a construção do Brasil teocrático
# Comentário de Luis Nassif no GGN # Entrevista com a própria Petra Costa sobre o cenário que ela mesma classifica como "assustador e esclarecedor" (Splash, Youtube)
Gaza: a bárbarie filmada
Documentário da Al Jazeera - legendado em português - exibe o terror genocida que Israel impõe aos palestinos na faixa de Gaza. Não há uma norma bíblica ou um preceito moral qualquer que justifique o crime contra a humanidade que está sendo cometido impunemente por Tel Aviv.
# Nunca se viu numa guerra algozes que celebram seus crimes". Além de assistir do filme, vale a pena ler aqui a matéria sobre ele publicada na revista piauí
Voto Boulos! Imprescindível...
Pensatas para o segundo turno
# População de SP em pânico: Nunes deixa a cidade à sua própria sorte e, acobertado por Tarcísio, foge do debate com Boulos como o "diabo foge da cruz". Tomara que o troco venha das urnas...
# Alerta da Climatempo (G1) # Boulos culpa Tarcísio pelo apagão e chama Nunes de covarde (Uol) # Datafolha: Nunes 51%, Boulos 33 (247) # Nunes perde musculatura, mas Boulos pode ter chegado no limite (G1) # Paulistanos desesperados 'inventam' sistemas alteernativos de proteção (JN)
Boulos: compromisso com a cidade e com o bem-estar de seus moradores
# Acompanhe aqui os desafios do segundo turno das eleições de São Paulo
Democracia em declínio e fascismo em alta: "O fenômeno 'pobre de direita' está ditando os resultados das urnas"
Precarização da vida é causa do desencanto da periferia com eleições
# Tiaraju Pablo D'Andrea (Uol)
Entre duas direitas
Rafael Mafei, Piauí
As eleições municipais deste ano mostraram que há duas direitas disputando o eleitorado brasileiro. Ao mesmo tempo em que trabalham juntas contra a esquerda, elas também disputam entre si a hegemonia sobre o campo oposto. Celso Rocha de Barros chamou-as de “direita-redes” e “direita-máquina”. Aplicando-a ao microcosmo paulistano para exemplificar, Pablo Marçal (PRTB) representou a direita-redes no primeiro turno da eleição municipal; Ricardo Nunes (MDB), a direita-máquina (continue a leitura).
# O mito do desenvolvimento econômico
Bresser Pereira analisa o clássico de Celso Furtado
Ladislau Dowbor analisa o desfecho do otimismo do pós II Guerra
# Mapa para livrar o Brasil do agronegócio. Ingrid Pena (Outras Palavras)
# O papo liberaloide sobre qualquer privatização. Reinaldo Azevedo (Uol)
# Senado do México aprova a reestatização do setor energético (Opera Mundi)
# A armadilha mortal de Israel para exterminar Gaza (Intercept)
# Israel x Irã: ataque que pode incendiar o mundo (Outras Palavras)
# Por que os Estados Unidos apostam nas armas? (Folha/Opera Mundi)
O que está em jogo é a civilização, que é rara e frágil e que pode se extinguir
“Minha querida mãe deu à luz gêmeos, eu e o medo”, escreveu Thomas Hobbes. O autor de Leviatã e pai da teoria política moderna viveu em tempos de violência extrema. Nasceu em 1588, em uma Inglaterra aterrorizada pela iminente chegada às suas costas da Invencível Armada espanhola. Lidou durante toda a sua longa vida com a pobreza e a violência de uma sociedade dilacerada por sangrentos conflitos religiosos. Então, compreendeu que não havia paixão humana que pudesse competir com o medo e assim expôs em sua obra principal. Sem um forte poder soberano absoluto e coercitivo que trouxesse a paz à humanidade – que ele batizou com o nome do monstro marinho bíblico –, a vida do homem estava destinada a ser “solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta” (Leia a entrevista de John Grey publicada no IHU)
A evolução histórica pareceu desmentir Hobbes, quando o liberalismo nascente deu origem a estados democráticos nos quais o poder estava submetido à lei. Foi uma miragem. Segundo o britânico John Gray (South Shields, 1948), em seu último livro, The New Leviathans [Os Novos Leviatãs], no século XXI, os monstros adormecidos despertaram, os estados autoritários voltam para dar sentido a um mundo incerto.
Gray é o rei dos pessimistas, um pensador denso, de enorme influência, que vem advertindo sobre a fragilidade do sonho liberal muito antes das pandemias, guerras e extremismos religiosos e políticos despedaçarem o otimismo que, nos anos 1990, após a queda do muro, tornou-se uma fé secular. Ao nos encontrarmos com ele por videoconferência, avisa que manterá a tela desligada e que só ouviremos a sua voz.
A entrevista é de Daniel Arjona e Sophia Spring, publicada por El Mundo, 10-10-2024. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista
Quando a pandemia estava terminando e a guerra na Ucrânia começando, um amigo me disse: ‘Sabe, John Gray estava certo e Steven Pinker errado’. É difícil que tenha razão dadas as circunstâncias?
Sim, eu preferiria estar errado sobre muitas das coisas que disse. Por exemplo, em 2003, antes da invasão do Iraque, expliquei que seria uma grande catástrofe para o próprio país, para o Oriente Médio e para o mundo inteiro. Na verdade, foi ainda pior do que eu pensava.
Tenho a reputação de ser um grande pessimista, mas depois os acontecimentos me dão razão. Claro, não sou infalível. Cometi erros e não tenho poderes proféticos. Embora, curiosamente, Cassandra nunca foi escutada. Então, não vou criticar Steven Pinker. Ele é inabalável em seu otimismo racional. Sua religião se sustenta frente a todas as adversidades.
O liberalismo é uma religião que hoje perdeu seus fiéis, conforme defende em seu último livro?
Steven Pinker e outros como ele seguem apegados ao racionalismo liberal, que basicamente afirma que o mundo todo é irracional, exceto eles. Então, a solução para os problemas do mundo é que as pessoas os ouçam.
Lembro-me de um artigo maravilhoso de John Maynard Keynes, chamado Minhas próprias crenças, no qual descreve como abandonou o racionalismo liberal. Dizia algo assim: ‘Durante todo o meu trabalho, em toda a minha vida, pensei que era possível convencer as pessoas no poder com argumentos racionais, que implementariam tudo o que fosse racional e o mundo melhoraria. No entanto, eu estava errado’.
As terríveis previsões históricas de Keynes também deram no cravo.
Keynes relatava que, como representante da delegação britânica na Conferência de Paz de Paris, após a Primeira Guerra Mundial, esperava que se debatesse sobre como lidar com a fome que afetava a Europa. No entanto, encontrou uma situação em que cada potência atacava as outras e se espalhava a sede de vingança contra os alemães.
Pensou, e mais tarde escreveu, que o resultado daquilo seria um grande desastre para a civilização europeia, caso o tratamento à Alemanha derrotada se baseasse unicamente na vingança. E foi isso aconteceu.
Keynes era, na verdade, muito espirituoso. Dizia: ‘Meu amigo Bertie [Bertrand Russell] acredita que toda a história da humanidade foi uma história de crimes e loucura. Mas a solução é simples: todos deveríamos ser mais razoáveis’ (risos).
Mas, então, nós, humanos, não somos esses seres racionais que a teoria política costuma descrever?
Um dos aspectos centrais da vida humana é que as pessoas não são movidas por argumentos, mas por paixões, interesses e, no caso do Ocidente moderno, por suas carreiras. Os racionalistas costumam se mostrar mais irracionais do que as pessoas comuns. O taxista e o garçom que serve o seu café estão mais em contato com a realidade e os problemas cotidianos. Os políticos, ao contrário, estão isolados da vida diária e pensam que entendem as coisas melhor do que o restante das pessoas. Mas é uma ilusão.
Às vezes, os problemas simplesmente não têm solução, só são trágicos e absurdos. Pinker não vê as coisas assim. Seria capaz de defender algo como: ‘Nunca houve um momento melhor para haver um Exterminador’. (Risos). E observe que embora Pinker tenha sido atacado por não ser suficientemente woke, segue acreditando que se você prega a razão, as pessoas vão te ouvir.
Você não quer ser ouvido?
Não espero que alguém faça isso. Não escrevo para mudar políticas. Em muitos casos, as políticas são ditadas por instituições e órgãos de opinião internacionais que não vão mudar. Quando uma política fracassa no Ocidente, a resposta habitual passa por investir mais recursos, alegando-se que houve erro porque não se tentou o suficiente. Depois, sem mais, é abandonada.
Foi o que aconteceu no Afeganistão. Estivemos lá durante 20 anos e alguns diziam: ‘Funcionará a longo prazo, só temos de suportar’. De repente, os estadunidenses partiram sem avisar ninguém. Alguns chegaram a dizer que desta vez os talibãs seriam mais moderados do que antes. Seguem perseguindo as mulheres, as outras religiões e proibindo empinar pipas. Na verdade, são ainda piores. Foi um desastre total.
Então, por que você escreve?
Com a minha escrita, busco incutir o sentido duro e doloroso da realidade. Depois, os leitores podem fazer o que quiserem com isso. Alguns podem dizer que isso não é verdade, e tudo bem. Você pode discordar, tudo bem também. Pode estar certo e eu errado. Contudo, não busco trazer consolo e esperança.
Lamentavelmente, há situações em que não há muito espaço para a esperança. Não resta muita esperança na Ucrânia. Sinto que a nossa responsabilidade, ao menos a minha como escritor e jornalista, é dizer as coisas como são. Não sou um herói, nem me comparo a George Orwell, que foi muito criticado por dizer a verdade. Mas ele é um dos modelos que sigo.
A religião está de volta?
A religião nunca se foi. Os liberais, que sempre se orgulharam de ser empíricos, críticos e de considerar os fatos, deram origem a uma nova fé. Desde então, não conseguem aceitar o horror completo de uma realidade sem Deus. E, então, buscam uma visão do ser humano como uma entidade coletiva, racionalista, que avança ao longo da história. Ou pensam que eles próprios são capazes de diagnosticar e resolver problemas. São ilusões.
Os seres humanos se agarram a ilusões ainda mais fortes quando se veem ameaçados pela realidade. Os piores são os intelectuais. Shalamov, o poeta russo sobrevivente do gulag, lembrava que nos campos de concentração os primeiros a desmoronar eram os intelectuais. O grupo seguinte que sobrevivia melhor eram os criminosos. E os que mais suportavam eram aqueles que tinham fé religiosa. Não desejo nada semelhante, mas temo que algo similar pode acontecer, caso o Ocidente sofra um grande deslocamento. A intelligentsia seria a primeira a naufragar.
Em ‘Os Novos Leviatãs’, a Rússia protagoniza muitas páginas. A guerra na Ucrânia é um desses problemas que não têm solução?
Tem sido ainda pior do que o Iraque. A invasão da Ucrânia começou como um crime contra a humanidade, depois tornou-se uma tragédia, devido à resistência dos ucranianos, e agora se tornou absurda, porque, ao final, tudo levará a um acordo de paz sujo. Muitas vidas foram perdidas e arruinadas por nada. Sim, a Rússia é um desses problemas do mundo que não têm solução. Não pode ser resolvido, apenas contido. Esta continua sendo a opção mais sábia.
A Rússia não se converterá em uma democracia de repente, porque se assim fosse, iria se desintegrar, e não queremos um Estado falido com a maior quantidade de armas nucleares do mundo. Já vimos o que aconteceu na Guerra Civil russa: massacres, doenças, fomes... Seria uma catástrofe gigantesca e agora com armas nucleares.
Desde o início, temi que finalmente os ucranianos fossem abandonados pelo Ocidente, que não teria os recursos, nem a vontade para travar uma guerra de desgaste como esta. Um acordo de paz desfavorável parece ser a coisa mais provável de acontecer. Acabaremos por aceitá-lo, mas antes viveremos horrores extraordinários.
Em ‘Os Novos Leviatãs’, defende que a história não terminou com a queda do comunismo em 1989, mas, ao contrário, ressurgiu. Os historiadores do futuro estudarão o liberalismo como uma experiência fracassada?
Não foi um fracasso total, porque durante algum tempo criou uma civilização de alto nível, com certas conquistas que podemos reconhecer. Embora, é verdade, com muitas imperfeições e problemas internos, como a exploração dos trabalhadores e a discriminação das minorias. A Europa burguesa que entrou em colapso entre 1914 e 1918 era muito melhor do que a que se seguiu: a dos genocídios, do comunismo e das limpezas étnicas.
O erro do liberalismo foi acreditar que essa civilização poderia ser universalizada, quando, na verdade, foi muito mais um acidente histórico, o produto de uma série de coincidências que não durariam para sempre. Os neoconservadores americanos, ultraliberais em muitos aspectos, também acreditaram nisso. Apoiaram a intervenção militar no Iraque e na Síria e almejaram exportar o liberalismo para a Rússia, um país que só viveu breves e fracassadas experiências liberais. Caso tal crença seja retirada dos liberais, suas vidas perdem o sentido. Nunca aceitarão. Meus livros não são escritos para os liberais, mas para os céticos.
No livro, afirma que o capitalismo ocidental nada pode fazer contra o capitalismo de Estado chinês.
O modelo chinês tem uma enorme vantagem estratégica por ser controlado pelo Estado, enquanto o capitalismo ocidental é impulsionado pelo lucro. Diz-se muito, e quase sempre se diz de forma errônea, que os Estados Unidos querem se retirar da Europa e reduzir o seu compromisso aí, e que talvez sob um novo mandato de Trump, este compromisso com a Ucrânia também pode desaparecer.
Alguns sugerem que os Estados Unidos também querem reduzir a sua presença no Oriente Médio para se concentrar em sua relação com a China. Não acredito que isto aconteça. Os Estados Unidos estão muito interconectados economicamente com a China. Os estadunidenses têm muito capital investido na China para se separarem facilmente.
Se a China entender assim, pode iniciar uma guerra que os Estados Unidos provavelmente não se atreverão a lutar?
A China é muito inteligente para iniciar uma guerra porque pode fazer basicamente tudo o que quiser sem a necessidade de recorrer a ela. Mesmo que os chineses conseguissem prevalecer em uma guerra, seria uma catástrofe humana e também política para eles. Não estou querendo dizer que o regime chinês não esteja disposto a lutar, a guerra talvez seja o único meio para obter Taiwan, como desejam. Mas há outras opções, como um bloqueio da ilha, que só tem reservas de energia para três ou quatro semanas.
Os chineses poderiam sufocar Taiwan e esperar que os estadunidenses distraídos com as suas eleições, ou por alguma perturbação interna significativa depois delas, não respondessem. Poderia ser em um momento no qual os Estados Unidos estivessem muito ensimesmados para reagir. E tudo isso sem a necessidade de um conflito total.
Não estou dizendo que um confronto não possa acontecer, mas não penso que seja inevitável. Na minha opinião, é mais provável que, com o tempo, haja algum tipo de acordo sobre Taiwan. Xi Jinping é muito corrupto e frio em sua estratégia. Os capitalistas venderão a corda com a qual serão enforcados.
A China tem os seus próprios problemas.
O regime chinês cometeu grandes erros. Por exemplo, com a gestão da covid, quando mantiveram os confinamentos durante muito tempo, prejudicando gravemente a economia. Não há garantias de que a China, a longo prazo, não se desmorone também. Os Estados totalitários têm os seus limites. E existem graves problemas internos: dívida, uma transição demográfica iminente, com o envelhecimento da população antes de o país ficar rico o suficiente para cuidar dela, bolhas imobiliárias... Sem falar na opressão e na tirania.
Apesar de tudo, contam com uma vantagem sobre o Ocidente. Como não carregam a fé liberal, quando cometem um grande erro, reconhecem, embora não publicamente, e nunca se desculpam. Xi nunca pede desculpas por nada. No entanto, trocam de política. São flexíveis e pragmáticos. Enquanto isso, o Ocidente continua repetindo os mesmos erros e gastando mais dinheiro sem mudar o enfoque.
Uma derrota de Trump nas eleições dos Estados Unidos deterá a ascensão da extrema direita populista ou apenas a adiará?
Depende de se aceita os resultados e os reconhece, mas duvido, pois parece pensar que é algo como o escolhido. Não só a extrema direita estadunidense, mas também muitos liberais estadunidenses tendem a cair em teorias da conspiração. Haverá um grande número de pessoas, talvez um terço da população dos Estados Unidos, que não aceitará o resultado. E muitos progressistas também não aceitarão, caso sejam derrotados.
Portanto, veremos um período de desordem após as eleições, e se alguma coisa for acontecer nas relações internacionais, seja em Taiwan ou na Ucrânia, o momento de maior perigo será no final deste ano ou entrando em 2025. No Reino Unido, vivemos alguns tumultos logo após Keir Starmer chegar ao poder, mas, aqui, as pessoas têm facas, não armas de fogo. Os Estados Unidos têm uma população fortemente armada. A situação pode ser muito pior, incomparavelmente pior, e isso limitaria a capacidade do Estado de enfrentar os perigos externos.
Uma das teses do seu livro é que o liberalismo se transformou em um hiperliberalismo progressista. O que chamamos de ideologia “woke” é a evolução lógica do liberalismo e não do pós-modernismo, como é comum dizer?
As pessoas que dizem que o woke provém do pós-modernismo estão erradas, embora haja uma pequena fração de verdade. Não podemos culpar Foucault pela tomada das universidades estadunidenses pelo progressismo identitário, não teve tanta influência. Isto é algo que provém do interior das sociedades liberais; é uma evolução extrema e hiperbólica dentro do próprio liberalismo.
Ao contrário da repressão da liberdade intelectual na Europa do Leste e na União Soviética, uma repressão muito severa imposta pelo governo, no Ocidente, esta repressão é autoimposta. Nos países comunistas, a repressão vinha do Estado, ao passo que no Ocidente é autoimposta pelas universidades, museus, editoras e pela sociedade civil. É incrível o nível de intolerância que agora domina o discurso nos Estados Unidos e em outros países.
Um de seus primeiros livros, ‘Liberalismo’, publicado em 1986, é uma exposição das ideias liberais que se lê como uma defesa, ainda que, é verdade, uma defesa crítica. O que aconteceu depois? Hoje, você é um liberal desiludido ou se tornou diretamente um antiliberal?
Não compartilho da visão daqueles que nos Estados Unidos pensam que todo o liberalismo foi mal. Como mencionei antes, a civilização liberal floresceu em seu tempo, ainda que não tenha sido perfeita. No entanto, nunca tive grandes ilusões. Naquele livro, defendi o que se chama de aposta liberal, mas também sabia que a civilização liberal era um produto muito frágil.
Não sou discípulo de Hobbes, mas está muito presente em Os Novos Leviatãs porque entendeu bem que a civilização não é natural, nem inevitável, mas extremamente frágil. A civilização, tal como a entendemos em termos de proteção das artes, das letras, das minorias e da luta contra a violência, é algo que sob o liberalismo sempre foi vulnerável. E agora estamos vendo isso em todo o mundo.
Após a Primeira Guerra Mundial, a Europa caiu na anarquia e na ditadura, com genocídios terríveis. Não digo que estamos vendo exatamente a mesma coisa, mas penso que a situação atual no mundo se parece mais com a de antes da Primeira Guerra Mundial do que a de qualquer outra, com uma retomada dos conflitos, tanto nacionalistas quanto ideológicos.
O que está em jogo é a civilização, que é algo raro e frágil, e pode se extinguir. No entanto, eu continuo comprometido com os valores liberais. Mesmo que a civilização esteja destinada a desaparecer, penso que devemos continuar defendendo esses valores e vivendo de acordo com eles enquanto pudermos, mesmo que seja apenas por um sentido de dever trágico.
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Por Panos Tsoukalis, em Sin Permiso | Tradução: Eleutério Prado1
Acesso ao texto original publicado em Outras Palavras
O capitalismo mudou de tal forma que o rótulo “neoliberalismo” se tornou obsoleto. A crescente proeminência econômica e política das grandes empresas de tecnologia e de gestão de ativos transformou o capitalismo contemporâneo de várias maneiras. O mais importante é que ela trouxe a predominância da renda sobre o lucro, da apropriação sobre a produção. Isso afetou a lógica fundamental da compreensão econômico-política da realidade social em curso, pondo em questão assim a própria sobrevivência do capitalismo.
O neoliberalismo está aí desde a década de 1980. Desde então, o capitalismo passou por múltiplas crises e transformações. Mais recentemente, ele suportou uma crise financeira global e uma pandemia que paralisou as cadeias de suprimentos e o comércio, trancou as pessoas em suas casas e devolveu o Estado à vanguarda da política econômica.
Há muitas maneiras de entender o termo neoliberalismo. Utilizo o conceito principalmente para me referir a duas coisas: em primeiro lugar, para apontar para uma era na história do capitalismo, que começa com as eleições de Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos Estados Unidos; em segundo lugar, para fazer referência à predominância de um pacote de políticas econômicas que inclui a liberalização do comércio internacional, a privatização dos serviços públicos e a flexibilização dos mercados de trabalho. Uma característica fundamental do neoliberalismo é que ele alimentou um processo que muitos chamam de “financeirização”, ou seja, o crescente domínio do setor financeiro sobre o sistema econômico.
Alguns estudiosos parecem estar agora, cada vez mais, insinuando que o termo neoliberalismo se tornou inadequado. O capitalismo mudou muito desde a década de 1980 e isso parece exigir uma conceituação diferente, que visa compreender a sua configuração contemporânea. Ele tem sido diagnosticado de várias formas: “capitalismo de vigilância” (Zubboff, 2019), “capitalismo rentista” (Christophers, 2020), “capitalismo de plataforma” (Srnicek, 2017), “capitalismo de gestão de ativos” (Braun, 2022), “capitalismo canibal” (Fraser, 2022), ou “capitalismo de precariedade” (Azmanova, 2020). Ao fazê-lo, também se aponta para diferentes previsões sobre a possibilidade de transformação social progressiva. Varoufakis (2023) e Decano (2020) chegam ao ponto de sugerir que se deve perguntar se ainda é possível falar de capitalismo.
Se o neoliberalismo foi superado, como se deve entender a forma de capitalismo em que habitamos agora? Neste artigo, argumento que qualquer resposta à pergunta sobre o que vem depois do neoliberalismo deve levar em conta a ascensão das grandes empresas de tecnologia e de gestão de ativos e, assim, o seu crescente controle sobre nossas vidas. Vou me basear em duas conceituações que enfocam essas transformações do capitalismo contemporâneo, a saber, a de Yanis Varoufakis, que usa o termo “tecnofeudalismo”, e a de Benjamin Braun, que emprega a expressão “capitalismo de gestão de ativos”.
De fato, uma chave para entender a mais recente transformação do capitalismo contemporâneo pode ser encontrada na exploração dos vínculos entre o que Varoufakis chama de “capital-nuvem” (cloud capital) e as empresas gestoras de ativos, as quais, como argumenta Braun, se tornaram onipresentes. Fazendo um pequeno desvio pela história do pensamento econômico, argumentarei que ambos esses fenômenos sugerem o mesmo, ou seja, que ocorreu já um triunfo da apropriação sobre a produção e, em consequência, da renda sobre o lucro. Sendo assim, as dúvidas sobre a sobrevivência do capitalismo parecem realmente justificadas.
Tecnofeudalismo
Em Tecnofeudalismo: o que matou o capitalismo (2023), Varoufakis argumenta que o uso da inteligência artificial e das redes digitais e algorítmicas transformou a natureza e o poder de certos bolsões de capital. Ou seja, surgiu uma nova forma de capital – a qual ele chama de “capital-nuvem” – que tem o poder de subjugar a produção capitalista às suas próprias necessidades e lógica. A produção ainda é capitalista, no sentido de que se baseia nos meios de produção privados e na exploração do trabalho assalariado, mas ela está integrada agora por meio de uma estrutura tecnofeudal (voltarei a essa questão na última seção). Enquanto o capital tradicional (ou “capital terrestre”, como o chama Varoufakis) só pode explorar trabalhadores, o capital-nuvem também pode explorar os consumidores, bem como outros capitalistas que não possuem capital-nuvem. Isso adiciona uma camada adicional não apenas à hierarquia de estratificação econômica do capitalismo, mas também à hierarquia social de poder e controle.
Como afirma Varoufakis, os consumidores são explorados porque seu tempo de lazer está sendo explorado pelas “big techs” para obter lucro. O tempo de lazer gasto pesquisando no Google, interagindo com Alexa, postando no Instagram ou navegando pelo TikTok foi instrumentalizado para acumulação de capital na nuvem. Contudo, os consumidores não obtêm nenhum valor extra desse seu “trabalho”.
Uma grande parte dos dados pessoais que compartilhamos em todas essas plataformas acaba formando o que Shoshana Zuboff (2019) chama de “excedente comportamental” (ou seja, o excedente de dados sobre o comportamento do consumidor acumulados acima do necessário para melhorar a experiência do consumidor). Esse excedente é vendido aos anunciantes na esperança de não apenas prever, mas também afetar nosso comportamento futuro.
Varoufakis ressalta que toda vez que interagimos com um servidor digital, como o Alexa, treinamos seu algoritmo para que ele reconheça os nossos hábitos e preferências e possa nos oferecer “boas” recomendações. Mas no final chega um momento, depois de uma inevitável geração de confiança, em que a Alexa começa a explorar o nosso perfil de consumidor para mudar os nossos hábitos e preferências, promovendo produtos que de outra forma não compraríamos. Nesse ponto, não está mais claro quem treina quem, quem é o mestre e quem é o servo.
Em suma, a produção de capital na nuvem depende não apenas do trabalho assalariado (de pessoas diretamente empregadas por empresas como Google ou X), mas também do trabalho não remunerado dos consumidores. Consequentemente, enquanto empresas capitalistas tradicionais como General Motors e General Electric gastam cerca de 80% de sua receita em salários, as grandes empresas de tecnologia acabam gastando apenas cerca de 1%. Esse modo de produzir que recorre ao trabalho não assalariado é aquele que fornece uma semelhança com a ordem feudal.
O capital-nuvem também tem a capacidade de explorar outros capitalistas que não o possuem, substituindo mercados por feudos formados pela própria nuvem. Varoufakis argumenta que plataformas de comércio eletrônico como a Amazon não se constituem propriamente como mercados. Para ele, os mercados são instituições públicas que hospedam interações espontâneas e descentralizadas entre consumidores e produtores.
Em vez disso, os feudos-nuvem isolam o comprador do comprador, o vendedor do vendedor, de modo que apenas o algoritmo tem o poder de conectá-los. Entrar na Amazon é como entrar em uma cidade onde tudo pertence e é controlado por uma única pessoa, ou seja, por Jeff Bezos. Ao contrário da natureza pública e aberta dos mercados, isso descreve um arranjo institucional privatizado por meio de um processo de centralização. Isso permite que os proprietários do capital-nuvem exijam comissões excessivas (até 40% no caso da Amazon) de outros capitalistas para que eles possam acessar o feudo tecnológico, pagando o que Varoufakis chama de “aluguéis da nuvem”.
Quanto ao efeito do capital-nuvem sobre os trabalhadores, Varoufakis mostra que sua capacidade de supervisão e controle total leva a uma exploração ainda maior do trabalhador, mais até do que aquela que o capitalista tradicional poderia fazer. Isso se mostra bem nos armazéns da Amazon, onde a tecnologia portátil e os algoritmos trabalham incansavelmente para otimizar os processos de embalagem e, assim, para espremer os trabalhadores do armazém ao ponto de levá-los ao colapso. Em vez de responder a um chefe, os trabalhadores respondem a um algoritmo que rastreia todos os seus movimentos. Como resultado, não apenas eles são forçados a trabalhar mais, mas sua capacidade de ação coletiva para salvaguardar as condições mínimas de trabalho (como o direito de ir ao banheiro) é significativamente diminuída.
No contexto do neoliberalismo, isso implica numa grande perda de poder por parte dos trabalhadores, e esse padrão tem ficado muito evidente nas últimas décadas. Desde a década de 1980, os ganhos de produtividade beneficiaram quase exclusivamente os empregadores nos EUA, enquanto os trabalhadores viram seus salários reais estagnarem, se não diminuírem. Veja-se o gráfico abaixo produzido pelo Economic Policy Institute, em 2024. Ele mostra a crescente diferença entre a produtividade dos trabalhadores e a remuneração salarial nos EUA (1984-2024).
Nancy Fraser (2022) chama esse fenômeno de ascensão do “trabalhador híbrido”, um trabalhador que é ao mesmo tempo explorado e expropriado. Seguindo Marx, Fraser entende que a exploração capitalista ocorre porque o empregador paga um salário que cobre apenas os custos necessários de reprodução do trabalhador, mas fica com a maior parte do valor gerado, na forma de mais-valor (na forma do lucro).
No entanto, afirma Fraser (2022), a expansão da dívida permitiu que os empregadores pagassem ainda menos aos trabalhadores. Ou seja, muitos trabalhadores sob o neoliberalismo recebiam menos do que precisavam para sobreviver como trabalhadores ativos, o que os levava a se endividarem cada vez mais. Assim, além de explorado, ele passou a ser também expropriado. A isso, Varoufakis (2023) acrescenta que a chegada do capital-nuvem piora ainda mais as coisas devido à sua maior capacidade de vigilância e controle que, juntamente com o endividamento, torna o trabalho dos trabalhadores ainda mais expropriáveis.
Varoufakis afirma que a chegada do capital-nuvem implica a impossibilidade da social-democracia, pelo menos tal como foi concebida no final do século XX. Pois, não se sabe bem como é possível regular as plataformas das “big techs”. A regulamentação de preços é impossível, pois elas oferecem seus produtos gratuitamente; por outro lado, a regulamentação antitruste é difícil de aplicar, já que a lógica das plataformas consiste em sua capacidade de realizar economias de escala. Seja uma plataforma de aluguel de apartamentos ou uma plataforma de aluguel de táxi, o principal produto que uma plataforma oferece a compradores e vendedores é o acesso a uma ampla rede de compradores e vendedores. Na maioria dos casos, uma plataforma pequena oferece sempre um produto ruim.
Além disso, sob o capitalismo de vigilância, os trabalhadores são monitorados de perto para impedir sua ação coletiva; ademais, enquanto consumidores, eles ficam fisicamente isolados, o que dificulta a organização de boicotes. Ainda assim, o recente sucesso do sindicato dos trabalhadores da Amazon nos EUA e os boicotes dos consumidores à Starbucks, Pizza Hut e McDonald’s mostram que nem toda esperança foi perdida.
De fato, Varoufakis argumenta que essas barreiras podem ser superadas por uma grande coalizão de trabalhadores, consumidores e pequenos capitalistas que não possuem capital-nuvem (por exemplo, o restaurante ou o bar de bairro, cujos lucros são reduzidos por taxas exorbitantes cobradas pelo Uber Eats). Tudo isso mostra que é preciso pensar além das estratégias tradicionais da política progressista; ele sugere que é preciso gerar um engajamento que chama de “mobilização em nuvem” – isto é, seria necessário usar os recursos da nuvem contra o próprio capital-nuvem.
Capitalismo de gestão de ativos
Enquanto a análise da ordem social atual como “tecnofeudal” concentra a atenção no poder social das plataformas e das grandes empresas de tecnologia, o diagnóstico do “capitalismo de gestão de ativos” nos convida a levar em consideração a enorme ascensão das empresas de gestão de ativos. Benjamin Braun e Brett Christophers apresentam em seu livro alguns fatos estilizados.
As três grandes gestoras de ativos (BlackRock, Vanguard e State Street) detinham, em 2008, cerca de 13,5% de todas as empresas do S&P 500; agora, em 2024, essa porcentagem chegou a 22%. Varoufakis (2023) acrescenta que elas são os maiores acionistas de 90% das empresas da Bolsa de Valores de Nova York. Além disso, as gestoras de ativos controlam conjuntamente US$ 126 trilhões em recursos financeiros, obtêm um total de US$ 526 bilhões em receita, auferindo lucros estimados em cerca de US$ 200 bilhões por ano (equivalente ao PIB da Grécia) (Braun & Christophers 2024). Sem dúvida, como se vê, os números aqui falam por si.
As gestoras de ativos usam seu imenso acesso a recursos financeiros para influenciar ativamente o comportamento das empresas capitalistas. As gestoras de ativos “convencionais”, como as “três grandes”, obtêm recursos das empresas de seguros, dos fundos de pensão e dos fundos soberanos, todos os quais procuram-nas para investir as enormes somas de capital que detêm. Devido ao seu enorme tamanho, as gestoras de ativos tendem a possuir um capital significativo, o que lhes permite manter um controle substancial sobre as políticas das empresas. Braun e Christophers afirmam que as gestoras de ativos se tornaram o “sistema nervoso central da sociedade capitalista contemporânea”, bem como componentes centrais do capitalismo como um todo.
Os Estados também são reféns das preferências políticas das grandes gestoras de ativos. Especialmente no Sul Global, onde os países dependem de títulos denominados em moeda para financiar seus serviços estatais, as gestoras de ativos podem afetar diretamente seu acesso ao mercado de títulos soberanos. Tornam-se, portanto, árbitros de capacidade creditícia, da solvabilidade e, em última análise, também da soberania de vários países.
Além disso, muitos Estados dependem cada vez mais das gestoras de ativos para conceber e aplicar as suas próprias políticas, por exemplo, no que diz respeito à transição ecológica e até mesmo para o fornecimento de bens públicos básicos. Não apenas isso, mas a dependência do Estado e o enfraquecimento (ou completa inexistência) da soberania monetária, juntamente com o imenso acesso aos recursos, significam que as gestoras de ativos também têm a capacidade de pressionar diretamente os governos. Isso ocorre com o objetivo de impedir a regulamentação ou para promover ativamente sua agenda política.
Um exemplo de um espaço de política em que a influência das gestoras de ativos tem sido crítica é a política monetária. Benjamin Braun (2022) argumenta que a abordagem moderada adotada pela maioria dos bancos centrais para combater a inflação recente está relacionada à influência das gestoras de ativos.
Tradicionalmente, a política monetária tem sido um campo em que se dá o conflito de classes. Os bancos, os credores e os poupadores geralmente preferem inflação baixa e altas taxas de juros, mesmo que isso custe algum desemprego. Pelo contrário, os trabalhadores e os devedores preferem taxas de juros baixas, pois facilitam o investimento e a criação de empregos. Na verdade, os devedores muitas vezes estão dispostos a suportar alguma inflação porque ela consome o valor real de sua dívida.
A ascensão das gestoras de ativos alinhou os interesses de Wall Street com os da classe trabalhadora na questão do nível da taxa de juros. As taxas de juros persistentemente baixas levaram à inflação dos preços dos ativos; conforme se eleva os seus valores de mercado, aumenta a receita dessas empresas que obtêm na forma de taxas. Ao tornar os empréstimos mais baratos, as baixas taxas de juros também reduziram os custos de financiamento para as gestoras de ativos altamente alavancadas. Dessa maneira, os interesses dos bancos e poupadores foram superados pelo poder acumulado pelas gestoras de ativos.
O que não está claro nesta apresentação do capitalismo das gestoras de ativos é a questão de saber se isso representa uma ruptura radical com o neoliberalismo ou se se está diante simplesmente do resultado do aprofundamento da financeirização. Uma crítica muito comum ao neoliberalismo é que ele significou o triunfo do capital financeiro sobre o resto da economia. No entanto, esse triunfo transformou o motor do sistema econômico; se era produtivo, tornou-se parasitário. As atividades especulativas tornaram-se mais lucrativas do que o investimento produtivo, criando uma situação em que se gera muita instabilidade financeira. Não apenas isso, mas esse domínio sufoca supostamente o crescimento da produtividade, pois o capital é cada vez mais desviado de outras atividades para as finanças (ver Mazzucato 2018, Harvey 2024, Lapavitsas 2013).
Talvez o primeiro economista a estabelecer uma ligação explícita entre o neoliberalismo e a crescente influência de investidores institucionais, como fundos de pensão, tenha sido Hyman Minsky (Whalen 2010). Para Minsky, a década de 1980 inaugurou a era do “capitalismo das gestoras de dinheiro”; nesse andamento, as gestoras e os seus fundos se tornaram os novos mestres da economia. As suas preocupações sobre esse fenômeno eram muito semelhantes às discutidas acima, ou seja, apontavam para a natureza propensa a crises do sistema, bem como sua relutância em financiar investimentos produtivos. Embora o diagnóstico de Minsky tenha sido bem profundo, é duvidoso que ele tenha imaginado a extensão da propriedade concentrada e o poder que os gestores de ativos acumularam agora.
Assim, se a ascensão das gestoras de ativos representa o culminar do longo processo de financeirização da economia (ou seja, o crescente domínio das finanças sobre todos os outros setores produtivos), muitas das críticas ao neoliberalismo nas últimas décadas ainda podem ser relevantes. Podemos estar testemunhando novos níveis de concentração de capital; diante disso, portanto, continua sendo uma prioridade política controlar as finanças para garantir que elas funcionem para o bem público. No entanto, este não é o caso se se aceita o diagnóstico proposto por Varoufakis. Como foi sugerido na seção anterior, se se aceita a hipótese do tecnofeudalismo, torna-se necessário repensar radicalmente as prioridades políticas, bem como das estratégias para a transformação social progressista.
O que vem depois do neoliberalismo?
É inegável que a ascensão do capital-nuvem e das gestoras de ativos são dois fenômenos fundamentais que estruturam o capitalismo contemporâneo. Talvez sejam esses dois tipos de corporações que configuram, pelo menos até certo ponto, o que virá (ou o que já está vindo) depois do neoliberalismo.
Embora as duas críticas ao capitalismo contemporâneo antes analisadas direcionem nossa atenção para fenômenos diferentes, as implicações que podem ser extraídas delas têm muito em comum. Na verdade, ambas implicam uma maior concentração de capital e de poder nas mãos de poucos, bem como um aumento da desigualdade de renda e riqueza. No entanto, o que quero enfatizar aqui é que ambas as estruturas sugerem a predominância da renda sobre o lucro, da apropriação sobre a produção.
Muitos consideraram que o advento do neoliberalismo e da financeirização vêm de mãos dadas com o retorno da figura do rentista. Por exemplo, Harvey (2024) argumenta que a financeirização e a monopolização criaram o rentista moderno que não produz nada além de benefícios monetários por meio da propriedade de ativos ou especulação financeira. Azmanova (2020) considera que os rentistas têm sido ativamente criados por políticas estatais que visam aumentar a competitividade dos “campeões” nacionais ou regionais, em detrimento da concorrência de mercado e da regulação antitruste.
Parece que o processo em andamento de substituição do neoliberalismo está trazendo algo ainda pior. Os donos das nuvens e as gestoras de ativos são rentistas por excelência. Eles estão no negócio de tomar, não de fazer. Eles se beneficiam da propriedade e do controle – e não da produção – em condições de concorrência limitada. Brett Christophers (2020) tem a mesma visão, sugerindo que os aluguéis pagos pelo uso das plataformas desempenham um papel fundamental no que ele chama de “capitalismo rentista”.
Em seu livro sobre empresas de gestão de ativos, ele também conclui que os gestores de ativos são “rentistas puros” (Christophers, 2023). Um gestor de ativos pode ser proprietário de um parque eólico na Noruega ou de um complexo imobiliário na Flórida, mas isso não tem nada a ver com a operação e manutenção do dia a dia desses ativos, que são terceirizados para outras empresas. Eles não produzem nada, enquanto “seu negócio é maximizar o próprio ganho por meio da extração de receitas – ou seja, aquele rendimento que é obtido por meio desse ativo” (Christophers 2023).
Esses estudiosos consideram que a produção capitalista é simultaneamente baseada no lucro e na renda, na produção e na apropriação, na exploração e na expropriação. Embora na ascensão do capitalismo a renda, a apropriação e a expropriação tenham sido obstadas, elas nunca foram completamente superadas. Essas duplicatas não são equivalentes entre si, mas todas apontam para o fato de que o capitalismo não é um mero sistema de troca contratual no qual os mais eficientes, os mais produtivos e os mais inteligentes se beneficiam de acordo. Por trás da troca contratual está escondida a morada da renda imerecida, do capital patrimonial, do poder hereditário e da expropriação pura e simples. Para Varoufakis (2023), o triunfo do lucro sobre a renda foi o que acabou definindo a transição do feudalismo para o capitalismo. Nesse sentido, o retorno da renda que o capital da nuvem trouxe significa que devemos questionar se estamos vivendo ainda sob o capitalismo.
Na economia política marxista, a importância do equilíbrio entre lucro e renda foi mais claramente expressa por Rosa Luxemburgo, que argumentou que a acumulação primitiva era uma característica estrutural do capitalismo – e não apenas sua condição primitiva. Por outro lado, na economia política clássica, David Ricardo considerava os latifundiários rentistas como vestígios do feudalismo que impediam o pleno florescimento do modo de produção capitalista. Keynes, da mesma forma, pediu a eutanásia do rentista, referindo-se principalmente aos financistas parasitas que enriqueceram mantendo o capital artificialmente escasso (Mann, 2019). Mesmo na economia neoclássica convencional, o termo renda monopolista refere-se aos lucros acumulados acima dos lucros normais alcançáveis sob um design de mercado eficiente e competitivo.
Antes de resumir o resultado dessa apresentação sumária da questão da superação histórica do neoliberalismo, apresentamos abaixo um retrato dos vinte principais acionistas institucionais das 10 maiores empresas de tecnologia dos EUA:
Conclusão
Em suma, em muitas escolas de pensamento econômico, bem como em afiliações políticas, a busca de renda, a apropriação e a expropriação são vistas como fardos em uma economia capitalista. De uma perspectiva avaliativa, se toda essa extração não pode ser considerada como totalmente moral, pelo menos tem de ser tomada como politicamente censurável. Portanto, se o que estamos testemunhando agora é uma nova mudança na balança em direção à renda e à apropriação, ainda maior do que a provocada pelo neoliberalismo, então maiores problemas virão.
Varoufakis (2023) coloca a origem dos problemas (ou seja, a extração de renda ou “rent-seeking”) em grandes empresas de tecnologia, enquanto Braun e Christophers (2024) o fazem em empresas de gestão de ativos. O que falta, no entanto, é a relação entre esses dois fenômenos. Dado que a Blackrock et al. são os principais acionistas de grandes empresas de tecnologia, como isso afeta a nova dinâmica introduzida pelo capital em nuvem? Os gestores de ativos são os verdadeiros rentistas de nuvem? Como pode ser visto na tabela acima, parece que a resposta é afirmativa (Hyppolite & Michon, 2018). As gestoras BlackRock, Vanguard, State Street e Fidelity detêm as maiores participações (coletivamente, mais de 20%) nas 10 principais empresas de tecnologia dos EUA.
Se os mercados públicos e abertos não são mais o principal mecanismo de distribuição de bens e serviços, se a alocação de recursos financeiros está sujeita aos caprichos idiossincráticos de algumas corporações gigantescas, se as grandes empresas de tecnologia adquirem uma parcela significativa de seu capital gratuitamente porque os consumidores lhes fornecem os seus dados – isto é, se a renda deslocou o lucro nas economias, então, na verdade, ainda estamos falando sobre o capitalismo?
Teorizar o agora se tornou, muitas vezes, desafiador. No entanto, tentar conciliar a ascensão do capital-nuvem com a ascensão das gestoras de ativos pode ser a chave para entender as profundas transformações pelas quais o capitalismo está passando. O que deve se seguir do exposto, tomando o desafio de Varoufakis, é uma tentativa de vincular teoria e prática. Ou seja, encarar o fato de que, junto com o neoliberalismo, a conhecida caixa de ferramentas da política progressista (por exemplo, tributação, regulamentação e mobilização) também se tornou desatualizada, ou pelo menos inadequada para os desafios futuros. Talvez devêssemos pensar e agir de forma mais radical.
Referências
Azmanova, A. (2020). Capitalism On Edge: How fighting precarity can achieve radical change without crisis or utopia. Columbia University Press: NY, USA.
Braun, B. (2022). Exit, Control, and Politics: Structural power and corporate governance under asset manager capitalism. Politics & Society. 50(4): 630–654.
Braun, Β. & Christophers, Β. (2024). Asset manager capitalism: An introduction to its political economy and economic geography. Economy and Space. 56(2): 546-557.
Christophers, B. (2023). Our Lives in Their Portfolios: Why Asset Managers Own the World. Verso: London, UK.
Christophers, B. (2020). Rentier capitalism: who owns the economy, and who pays for it? Verso: London, UK.
Dean, J. (2020). Neofeudalism: The End of Capitalism? Los Angeles Review of Books.
Economic Policy Institute (2024). The Productivity-Pay Gap. https://www.epi.org/productivity-pay-gap/.
Fraser, N. (2022). Cannibal Capitalism: how our system is devouring democracy, care and the planet – and what we can do about it. Verso: London, UK.
Harvey, D. (2024, forthcoming). The Story of Capital: What everyone should know about how capital works.
Hippolyte, P.A. & Michon, A. (2018). Big Tech Dominance (1): The New Financial Tycoons. Fondation Pour L’Innovation Politique Study. https://www.fondapol.org/en/study/big-tech-dominance-1-the-new-financial-tycoons/.
Lapavitsas, C. (2013). Profiting Without Producing: How Finance Exploits Us All. Verso: London, UK.
Mann, G. (2019). In the Long Run We Are All Dead: Keynesianism, Political Economy, and Revolution. Verso: London, UK.
Mazzucato, M. (2018). The Value of Everything: Making and Taking in the Global Economy. Public Affairs: NY, USA.
Srnicek, N. (2017). Platform Capitalism. Polity Press: Cambridge, UK.
Varoufakis, Y. (2023). Technofeudalism: What Killed Capitalism. Bodley Head: London, UK.
Whalen, C. J. (2012). Money Manager Capitalism found in Chapter 34 of Toporowski, J. & Michell, J. (2012). The Handbook of Critical Issues in Finance. Edward Elgar: Cheltenham, UK.
Zuboff, S. (2019). The Age of Surveillance Capitalism: the fight for a human future at the new frontier of power. Public Affairs: NY, USA.
Notas:
1 O economista Eleutério Prado é um dos expoentes destacados, no Brasil, no debate sobre as novas formas assumidas pelo capitalismo após a contrarrevolução neoliberal. Ele traduziu generosamente este artigo, mas faz questão de frisar uma discordância conceitual com o autor. Ei-la:
“Publica-se um artigo informativo, mas bem confuso, que versa sobre as mudanças no capitalismo advindas da ascensão das grandes empresas de tecnologia digital (big techs) e das gestoras de ativos, as quais são apresentadas como “rentistas”. Ele não compreende que capital é uma relação social de exploração que se manifesta por meio de formas reificadas, a saber, dinheiro, meios de produção e mercadorias acabadas. Ele parece não saber nada sobre a distinção entre o capital portador de juros, que financia a produção de mercadorias, e o capital fictício, que financia o consumo ou tem uma relação indireta com a produção. Chama, por isso, os pagamentos associados ao capital fictício de renda, confundindo, assim, os pagamentos de “juros” apropriados pelo capital fictício – que não é de fato capital, mas parece que é – com a renda da terra. É partindo desse erro crasso, que teóricos pouco rigorosos chegam à ideia absurda do tecnofeudalismo. Contudo, ainda assim o artigo pode ser lido com proveito.
Em 1985, inesquecível Chile x Brasil na ditadura chilena
O avião veio do Rio, parou em São Paulo e seguiu para Santiago. Estava vazio. A seleção brasileira ia jogar amistoso contra a chilena, como preparativo para as Eliminatórias da Copa de 86. Era maio de 1985, e o Chile ainda vivia sob a feroz ditadura do general Augusto Pinochet.O jogo seria no estádio Nacional, reaberto havia pouco depois de ter servido durante anos como cárcere e palco de tortura e de fuzilamento de presos políticos. No avião, encontro João Saldanha, o único. Sento-me ao seu lado e engatihamos mil conversas. # Juca Kfouri, na Folha (acesse)
João era para ser ouvido. E eu não me cansava de ouvi-lo. Eis que, quando estávamos para pousar, ele botou a mão em meu braço e disse, paternal, como às vezes gostava de fazer: "Olha aqui. Eu te conheço, e você me conhece. Você sabe que não sou de ter medo de nada, mas vou te avisar; a ditadura aqui não é mole. Eles somem com as pessoas, sejam elas quem forem, venham de onde vierem. Não vá bancar o herói e falar mal desses caras na TV porque eles vão estar ouvindo".
Achei graça e o tranquilizei.
Na noite anterior, ao me despedir de meu pai, ouvi dele coisa parecida: "Cuidado lá, filho. Não vá se meter a balão".
Eu já tinha três filhos, 35 anos, não era nenhuma criança e tinha razoável experiência política, ex-militante da ALN (grupo de resistência armada à ditadura brasileira) e do Partido Comunista Brasileiro, eterno partido do nosso João Saldanha.
Chegamos ao estádio, o narrador do SBT, Osmar de Oliveira, abre a jornada e me chama para os primeiros comentários.
Sem me dar conta, tamanha a emoção de estar naquele lugar sinistro num momento em que, no Brasil, já vivíamos a reconstrução democrática, engato a primeira e vou: "O estádio Nacional de Santiago desperta duas sensações antagônicas. Foi aqui que, em 1962, a seleção brasileira liderada por Mané Garrincha ganhou o bicampeonato mundial". E engato a segunda: "Mas foi aqui também que, em 1973, a ditadura chilena assassinou e prendeu milhares de patriotas que se insurgiram contra o golpe militar que derrubou o presidente socialista democraticamente eleito, Salvador Allende".
Osmar de Oliveira, para quem Saldanha havia pedido "segura esse cara", me olha com olhar de espanto.
E engato a terceira: "Aqui morreram patriotas como o compositor *Victor Jara, que, antes de ser fuzilado, teve os dedos das mãos quebrados pelos militares chilenos para não poder tocar para os prisioneiros".
Por fim, a quarta: "Aqui morreram e estiveram presos muitos exilados brasileiros também".
E devolvo a palavra para Osmar. Nem bem passados dois minutos, ele me cutuca.
Na porta de nossa cabine, um cidadão de terno e cara de poucos amigos estaciona com ares de quem vai ficar. E fica até o fim do jogo. E nos acompanha ao jantar, ao hotel e ao aeroporto, às seis da matina do dia seguinte.
João Saldanha não falava nada, só me fuzilava com o olhar, mas sem arredar pé de perto de mim o tempo todo.
Ao chegar a São Paulo, quando fui me despedir, ele abriu um sorriso e disse marotamente: "Parabéns. Você é um fdp, mas é o meu orgulho".
Três explicações: publiquei este texto em "Meninos, Eu Vi", *Jara morreu em outro estádio e omiti o fdp no original, pois não pegava bem à época.
Pensatas da 4a feira
Assembleia realizada no porão do navio decide qual o rato que fica com o guizo (na gravura magistral de Gustave Doré)
# O desvio para o centro nas eleições é ilusão (Hugo Boghossian, Folha) # A desilusão progressista e a nova realidade (Wilson Gomes, Folha)
# Malafaia: Bolsonaro é covarde (JC)
# Por que isso?(G1)
# Tarcísio: Bolsonaro é o nosso líder (Folha)
# Quem apoia quem - por enquanto (Uol)
# "Boulos deve ganhar", diz o ex-coach (Folha)
# Bolsonaro por Marçal não é só troca de liderança (Intercept)
O que as eleições municipais brasileiras nos dizem
# Entrevista com Esther Solano, IHU (acesse)
No último domingo, o Brasil realizou eleições municipais e a cidade de São Paulo foi o centro das principais batalhas. As eleições mostraram a sobrevivência do centrão, a expansão do campo conservador e a incapacidade de Luiz Inácio Lula da Silva em dar novo impulso ao Partido dos Trabalhadores.
A entrevista é de Pablo Stefanoni, jornalista argentino, autor do livro A rebeldia tornou-se de direita (Editora da Unicamp, 2022), publicada por Nueva Sociedad, outubro de 2024.
As eleições municipais no Brasil revelaram uma capacidade limitada de atrair o Partido dos Trabalhadores e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com resultados fracos nas grandes cidades e em algumas áreas emblemáticas da esquerda. O ex-presidente Jair Bolsonaro conseguiu fazer pender a balança em diversas cidades a favor dos candidatos conservadores, mas mesmo assim os partidos tradicionais mostraram resistência nos territórios, pela força de seus aparatos e de seus pactos ultrapragmáticos.
Nesta entrevista, a cientista política Esther Solano dá algumas chaves de leitura dos resultados. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora da Universidade Federal de São Paulo, centra-se na emergência do pós-bolsonarismo, como uma identidade conservadora mais ampla que depende apenas parcialmente do ex-presidente.
Eis a entrevista.
Comecemos por São Paulo, a joia da coroa das eleições municipais brasileiras, o que nos diz o vínculo entre o atual prefeito, Ricardo Nunes, apoiado sem entusiasmo por Bolsonaro, e o candidato de esquerda Guilherme Boulos, apoiado por Lula? Irão para o segundo turno e deixarão o forasteiro Pablo Marçal na terceira colocação?
São Paulo representa fundamentalmente o que chamamos de novo momento do pós-bolsonarismo ou das novas reconfigurações da extrema-direita no Brasil. Em escala nacional, mas especialmente em São Paulo, cristalizou-se uma divisão da extrema-direita em dois grupos: um mais sistêmico, representado por Ricardo Nunes (do Movimento Democrático Brasileiro mas apoiado por Bolsonaro), e sobretudo pelo grande figura encarnada pelo Governador Tarcísio de Freitas, que está mais próximo da direita tradicional, e parece ser mais pró-establishment e menos perturbador, e outro grupo mais perturbador, como Pablo Marçal – um guru pessoal de autoajuda. Uma figura mais próxima do influenciador, com uma campanha muito autônoma do bolsonarismo e de seu líder, mas que mantém uma série de temas desse movimento, como a denúncia do Estado corrupto, a defesa da “liberdade”, o empreendedorismo e a meritocracia. Isto encarna um bolsonarismo mais novo e mais sedutor, uma espécie de pós-bolsonarismo.
Do lado esquerdo, Guilherme Boulos, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que conta com o apoio de Lula, teve um bom desempenho, mas agora é difícil para ele romper com o já fiel voto esquerdista. De uma forma geral, a sua candidatura enfrenta uma dificuldade mais ampla da esquerda em lidar com novas subjetividades – muitos jovens votaram em Marçal – mas também com questões concretas da vida cotidiana, do governo municipal.
No geral, o PT teve um resultado ruim, principalmente nas grandes capitais, mas melhorou em relação a 2020. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que é um partido em reconstrução. No Rio de Janeiro, venceu o candidato apoiado por Lula, o atual prefeito Eduardo Paes, mas é um centrista pragmático, que passou por inúmeras disputas... como você vê isso?
É verdade que o resultado do PT não tem sido bom, principalmente considerando que Lula está no poder. E mais ainda: que Lula está no poder com um governo que funciona muito bem. Então isso torna o resultado mais dramático, porque o PT deveria ter conseguido se beneficiar disso.
Um elemento é que a figura de Lula não tem a mesma força de mobilização de antes. Hoje representa mais a gramática do passado do que a do futuro. Paradoxalmente, embora os conservadores olhem para o passado, estão conseguindo projetar a ideia de um “outro Brasil”, com certa perspectiva refundacional. Depois, há questões mais terrenas, como a segurança pública.
Mas entre os vencedores estão os partidos tradicionais: o famoso centrão, ultrapragmático e corrupto mas com muita capilaridade territorial. E, por outro lado, o bolsonarismo, que carrega fundamentalmente a força ideológica, a “luta por valores”, etc. O Partido Liberal (aliado de Bolsonaro) cresceu substancialmente.
A esquerda não mostrou nem a capilaridade territorial do centrão nem a força ideológica do bolsonarismo. Isto explica parcialmente o resultado.
O Partido Liberal de Bolsonaro se saiu melhor, mas não tão bem... os partidos tradicionais, como o Partido Social Democrata (PSD) e o MDB, resistiram melhor?
O PL se saiu bem, mas, na verdade, não tão bem quanto eu esperava. Não ganhou os mil municípios que pensava. O resultado mostra que em nível local há, na política cotidiana, um certo esgotamento da polarização, por vezes algo abstrata ou vazia, que se verifica em nível nacional, daí os bons resultados dos partidos tradicionais. O segundo turno em São Paulo sem dúvida será nacionalizado e Lula e Bolsonaro aparecerão mais. Teremos de ver o poder desta nacionalização polarizadora.
Qual foram os papéis de Lula e Bolsonaro na campanha? Os resultados nos dizem algo sobre a liderança nacional?
Bolsonaro esteve presente em alguns locais e fortaleceu candidaturas no Norte e Nordeste, mas fracassou no Rio de Janeiro, onde seu candidato, Alexandre Ramagem, não conseguiu chegar ao segundo turno. Por sua vez, Lula tem estado geralmente pouco presente.
Quanto à liderança nacional, a eleição diz-nos que Bolsonaro – desqualificado pela justiça – não está tão politicamente morto como alguns anteciparam. Ele mostrou capacidade de levar candidatos que seriam insignificantes sem o seu apoio para um segundo turno. Como representante do Brasil conservador, Bolsonaro está bastante vivo.
Lula demonstrou influência muito limitada. O PT perdeu em lugares muito simbólicos como a Grande São Paulo (o cinturão metalúrgico que já vinha perdendo), cidades como Araraquara, governada por um quadro histórico do PT, onde venceu o candidato bolsonarista (ali o ex-presidente e sua esposa jogaram fortemente) e o Nordeste está em disputa. O fato de em várias cidades nordestinas o PL ter passado para o segundo turno mostra o desafio à identidade lulista nesses bastiões do PT.
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Reflexões sobre as eleições municipais de 2024
# Artigo de Antonio Augusto de Queiroz, Fundação Perseu Abramo, Teoria e Debate, via CN (acesse)
A eleição de 2024 marcou uma reafirmação da política local tradicional, com forte influência do poder econômico, dos arranjos partidários e das políticas públicas de repasse de recursos via emendas impositivas
Marcadas por um ambiente de continuidade, com a reeleição da maioria esmagadora dos prefeitos e vereadores que tentaram renovar seus mandatos, as eleições municipais de 2024, em grande medida, retornaram ao padrão tradicional de normalidade democrática, com a valorização das realizações, do diálogo, da experiência, da estrutura de campanha, inclusive financeira, e do compromisso com os interesses locais. A limitada influência das redes sociais e da polarização lulismo versus bolsonarismo contribuiu para esse cenário. As emendas impositivas, bem como o aumento significativo dos fundos eleitorais e partidários, ajudaram na continuidade do Centrão como força política hegemônica, mesmo que fragmentada em partidos com diferentes posições em relação ao governo federal.
Na disputa pelas prefeituras, a valorização da continuidade, da experiência política e das realizações ficou evidenciada no elevado índice de reeleição e na escolha de novos prefeitos com histórico político ou administrativo. Mesmo nas capitais e nos grandes centros, os eleitores recompensaram gestores percebidos como competentes, em detrimento de candidatos que priorizaram a retórica polarizadora, tanto à direita quanto à esquerda. Os incumbentes – tanto em caso de reeleição quanto na indicação de sucessor – beneficiaram-se de serviços prestados, especialmente pelo aumento dos repasses de recursos por meio de emendas parlamentares, além dos recursos provenientes do Fundo de Participação dos Municípios e dos repasses federais destinados à saúde e educação.
Outro aspecto relevante foi o papel fundamental da Justiça Eleitoral na regulamentação do uso das redes sociais nas eleições, bem como na celeridade de decisões que combateram abusos. A punição rigorosa aos extremistas envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 teve um efeito pedagógico, moderando comportamentos nas eleições municipais de 2024. Casos como o de Pablo Marçal, cuja campanha foi marcada por excessos, certamente serão punidos exemplarmente, inclusive como forma de evitar posturas semelhantes de outros candidatos no futuro.
Quanto à percepção de grande crescimento do Centrão nestas eleições, é preciso cautela ao analisar essa questão. Muitas análises comparam as eleições de 2024 com as de 2020, sem considerar a influência da janela partidária, que levou milhares de prefeitos e vereadores a migrarem para partidos de direita e centro-direita, num crescimento que já vinha desde 2016. O PSD e o União Brasil, por exemplo, que cresceram artificialmente durante a janela partidária, embora tenham crescido nestas eleições em relação a 2020, elegeram menos prefeitos e vereadores do que têm atualmente. O PL, favorecido por ser oposição radical e por contar com o maior fundo partidário, expandiu sua presença nas prefeituras e Câmara de Vereadores, assim como o partido Novo na Câmara de Vereadores. O PP também aumentou o número de prefeitos, mas viu uma redução em sua atual bancada de vereadores no país.
É relevante observar que, embora a polarização nacional tenha sido menos impactante, o cenário local continua sendo bastante influenciado por dinâmicas regionais, onde a capacidade de entrega dos prefeitos, a proximidade com o eleitorado e a mobilização de recursos financeiros foram fatores decisivos. A eleição de 2024 marcou uma reafirmação da política local tradicional, com forte influência do poder econômico, dos arranjos partidários e das políticas públicas de repasse de recursos via emendas impositivas. Por fim, apesar da menor influência das redes sociais e de campanhas ideológicas extremadas, ainda temos um segundo turno no qual esses aspectos podem florescer mais fortemente.
O fundamental é que o PT do Presidente Lula, e o PSB, do Vice-Presidente Geraldo Alckmin, cresceram em relação a 2020 e o pleito se deu sem maiores intercorrências, sinalizando para o retorno gradual da normalidade democrática. A volta da normalidade e da civilidade no convívio social, em grande medida, é mérito do Presidente Lula, que não tem medido esforços para pacificar o país. O fato de pouco ter participado do processo eleitoral, frente às enormes demandas que tem como Chefe do Governo e Chefe de Estado, o credencia nos futuros embates, especialmente na escolha dos presidentes da Câmara e do Senado, postos-chave para facilitar ou dificultar a governança e até a governabilidade no país.
Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. É sócio-diretor das empresas “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”, foi diretor de Documentação do Diap e é membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República – o Conselhão.
No 2o turno, a história é outra
A extrema direita não foi capaz de isolar as forças populares que querem mudar a gestão de São Paulo. Para o 2o turno, o que há de pior na política brasileira vai transformar a eleição de Nunes na trincheira da manutenção das políticas de exclusão social que a cidade sofre. A alternativa é a mudança representada pela chapa Boulos-Marta: a construção de uma sociedade solidária e democrática, de respeito à dignidade de trabalhadoras e trabalhadores, de ampliação e qualificação das condições da saúde, da educação e da habitação.
A militância nos movimentos sociais e a formulação de projetos de que combatem a aliança entre corrupção e empresariado
(memória do 1o turno)
Recupere no clipping do site as denúncias feitas contra a candidatura bolsonarista do pior prefeito que a cidade já teve
(memória do 1o turno)
Análises sobre o 1o turno e as perspectivas do 2o
# Seis em cada 10 candidatos apoiados pela extrema direita perderam a eleição (Intercept) # Esquerda vai ao 2o turno em 5 capitais (Opera Mundi) # Disputa em SP multiplica direita e dá chance de redenção à esquerda (Folha) # As regiões da cidade e seus resultados (Folha) # PSDB não elegeu nenhum vereador em SP (Folha) # Ao lado de Tarcísio, Nunes se apresenta como o candidato da ordem contra a desordem (G1) # Boulos diz que 2o turno é bolsonarismo vesus democracia (G1) # Tábata anuncia apoio a Boulos no 2o turno (G1) # "Vou entrar de cabeça", diz Bolsonaro sobre apoio a Nunes (Uol) # Votação mostra que Nunes deve mais a vereadores do que a Tarcísio (Uol) # Boulos acena às elites: "Combater desigualdades é bom para todo mundo" (247) # Boulos chama ao diálogo e defende coalizão que livrou o Brasil do autoritarismo (Carta Capital)
O que há de novo?
# intermitências do fim de semana
Datafolha, I turno: Boulos (29%), Nunes (26%) e Marçal (26%)
# Eleição municipal inaugura a II era da fragmentação da direita. Daniela Lima (G1) # Marçal caiu na teia do Xandão e se complicou. Reinaldo Azevedo (Uol) # Boulos é quem tem mais chances de avançar para o II turno. Toledo (Uol)
Às vezes, nem jornalismo é
A imprensa e as eleições
Atavismo anti-lulista contamina o noticiário dos jornais conservadores, especialmente a Folha, e deixa a sociedade desarmada de informações que qualifiquem os brasileiros às escolhas conscientes que devem fazer na democracia. Para um pecado desses a remissão não é simples (leia meu comentário).
Pois então:
A Folha lançou mão do eufemismo suposto laudo para transformar uma mentira simples de ser apresentada aos leitores como tal - caso o repórter entendesse que o termo suposição não é critério noticioso, mas elemento de apuração jornalística - , em suspeita contra Boulos. Com isso, deixou de prestar o serviço para o qual o jornal (qualquer jornal) existe: o do esclarecimento do público. Engana-se quem imagina que isso é incompetência profissional ou um acidente narrativo; é um recurso ideológico: sua prática espalha pelos desafetos do veículo não propriamente notícias que os desabonam (com as consequências que isso tem para suas reputações públicas), mas insinuações, ambivalências, maledicências, sinuosidades discursivas e o que mais for preciso para que o jornal ocupe o espaço da construção imaginária do seu público.
São muitas as vítimas desse anti-jornalismo, mas nenhuma delas se compara ao lugar que Lula e os acontecimentos a ele associados ocupam na galeria dos temas que percorrem as páginas do jornal. No caso de Lula, a associação de valores negativos é construída em tudo quanto o Presidente da República faz ou a qualquer coisa que possa a ele ser indiretamente atribuída ou associada. É como se Lula imprimisse à realidade o poder de contaminá-la com seu papel de líder popular: as queimadas, a pane no avião presidencial, o calor excessivo, os juros altos, o déficit público, as incontinências de seus ministros etc. Dessa forma, o jornal cria em torno de Lula uma aura abstrata de malignidade que decorre de um processo de imantação simbólica: foi Lula que fez, então é coisa ruim, é descrédito...
No caso das eleições municipais não é necessário muito esforço para compreender que todo o notíciário flutua nos jornais como parte de um complexo relacionado às disputas pelo poder do Estado, naturalmente levando-se em conta as articulações que são pensadas em termos de desdobramentos futuros. Assim, por exemplo, as eleições para a prefeitura de São Paulo - talvez o caso mais evidente - carregam consigo a figura do governador Tarcísio de Freitas, já claramente preferido da Folha para o pleito de 2026, o que determina um certo afago editorial com Nunes, o preferido de Freitas, e assim por diante.
Ponho em dúvida os critérios editoriais que a Folha usa em suas coberturas de todo o tipo, mas esse viés que eu chamo de atávico contamina tudo, exceto vários de seus excelentes articulistas e colaboradores que pertencem àquela categoria de valores com os quais o jornal convive até mesmo em decorrência da mística publicitária com qual se caracterizou ("de rabo preso com o leitor"). Como produto de síntese de uma operação midiática, o jornal é presa desse paradoxo e é um bom jornal; mas como produto jornalístico, a Folha tem uma enorme dívida com a esfera pública.
A propósito do escândalo do suposto laudo (que a própria Folha reconheceu ser falso, mas depois de perceber o erro crasso que cometeu) sugiro a leitura da coluna de Reinaldo Azevedo - Farsa de Marçal contra Boulos e questão à imprensa: até quando vamos errar? (Uol)
Ps: Há neste meu comentário uma lacuna. Em que momento a Folha usou o adjetivo suposto? O termo foi usado no noticiário disponível na internet às 3h34 e às 3h36 da madrugada do sábado, dia 5. Ao longo do dia o termo foi substituído pelo adjetivo falso - forma que passou a figurar no noticiário durante todo o dia, exceto no painel de Fábio Zanini, espaço onde a impropriedade continuou figurando até o momento em que este meu comentário foi feito.
A palavra está com o ombdusman da Folha. No mínimo, merecemos um erramos em destaque. Seja como for, um bom curso de jornalismo não deixaria a oportunidade de uma aula sobre o assunto passar despercebida aos seus alunos: jornalismo é coisa séria.
Ps: deixo de comentar o Globo e o Estadão porque penso que são experiências distintas da Folha e, por isso, merecem análises diversas.
BOULOS PEDE PRISÃO DE MARÇAL
Divulgação de falso laudo sobre Boulos é crime comum e eleitoral e golpe na lisura do processo de escolha do novo prefeito. Retirada de Marçal da disputa, no entanto, favorece Nunes. O resultado desse imbroglio às vésperas do pleito é consequência da leniência da Justiça Eleitoral com os sucessivos crimes que o coach cometeu durante toda a campanha. Acompanhe o noticiário sobre o assunto no clipping Dossiê SP Eleições 2024
Andréia Sadi: tática ágil e qualificada de Boulos pode ter selado sua ida para o II turno e derrubado Nunes
Ao longo do programa, ele provocou, chamou para briga e mostrou que, de fato, quer estar no segundo turno. O plano de Boulos foi dizer que merecia estar no segundo turno. Para isso, ele descreveu bem seus planos de governo e destacou o que considera as falhas de seus adversários. O entendimento na campanha do candidato do PSOL é o de que o eleitor gosta de quem é firme e se posiciona
# Leia a aqui a análise da comentarista da Globo
# "Vamos cinquentar para São Paulo ficar odara e mudar de cara"
Recordar é viver: a virada de Erundina em 1988
# Coach - política neofascista e traumaturgia.
Tales Ab'Sáber
Um povo que deseja o fascista brand new, o espírito vazio do capitalismo como golpe e como crime, e seu grande líder, a vida pública da política como sonho de um coach (A Terra é redonda)
# A desprivatização da saúde é o alicerce para garantir um SUS universal
Lígia Bahia “Meus esforços como pesquisadora e grande apoiadora do SUS estão voltados para sairmos da mesmice e desprivatizar a saúde" (IHU)
# Nas mãos de Toffoli, o segredo mais bem guardado da República de Curitiba
Luis Nassif Material escondido na 13ª Vara corre risco de desaparecer. Segundo Garcia, Moro teria utilizado acervo para pressionar desembargadores (GGN)
# Quem sustenta a Civilização do Plástico
Jayati Ghosh Símbolo do descarte e desperdício do capitalismo, contamina rios, mares, solos e corpos. Redução drástica de seu uso é possível e está em debate num tratado internacional. (Outras Palavras)
Eu treinei a IA
Tarefas exaustivas ou bizarras. Alucinações do sistema. Submissão: só A Plataforma sabe quanto você receberá, quando será chamado novamente e quem é “o cliente”. Relato sobre o mundo precário que as empresas de IA já começam a produzir...
O que há de novo?
"Foi Boulos quem tirou Marçal do sério" (Matheus Pichonelli, Uol)
Boulos põe adversários nas cordas e tem o melhor desempenho no debate da Globo
No ato final da pior campanha eleitoral que São Paulo já viveu, candidato da frente de esquerda oferece aos eleitores credibilidade e propostas consistentes para um governo da cidade voltado para a superação da herança perversa de Nunes.
# O resumo do que foi o debate: confonto entre Boulos e Marçal deixa Nunes esquecido (Uol) # Comentaristas analisam o debate (G1) # Tendência é II turno entre Boulos e Marçal (247) # Marçal perde a pose e Nunes perde o rumo (Carta Capital)