História ℰ
Cultura
História ℰ
Cultura
Sob bandeira “American First” e de protecionismo republicano, as mesmas medidas de hoje já foram aplicadas no passado recente. E a história mostrou os resultados: a Grande Depressão e II Guerra (Como Trump repete os erros de 1929, Patrícia Faerman, GGN)
# Revista The Economist chama anúncio de tarifas recíprocas de "Dia da ruína" (G1) # Apple fecha com perda de US$ 311 bilhões e 'big techs' acumulam prejuízo de US$ 711 bilhões (G1) # Desde o início do governo Trump, perdas de empresas de tecnologia chegam a US$ 3,8 trilhões
# Chade: Bolsonaro apoia Trump (Uol)
# Chade: "Sentem-se e absorvam", recomenda Trump(Uol)
# Chade: China Promete retaliação (Uol)
# Clipping do site no Instapaper:
Reações brasileiras
Não foi apenas apoio editorial. Livro recém-lançado descreve, pela primeira vez, a amplitude de uma relação promíscua. Jornal emprestou sua estrutura ao aparato repressor. Em contrapartida, recebeu dos militares favores múltiplos e incessantes
# Em Outras Palavras, texto das autoras do livro "A serviço da repressão" (acesse aqui)
# Ana Gabriela Oliveira Lima, na Folha
31 de março: "O golpe começou em Washington". Acesse aqui o pdf do livro clássico de Edmar Morel
Artigo de Elio Gaspari (na Folha) resgata reportagens de Marcos Sá Corrêa publicadas no Jornal do Brasil em 1977 que revelaram a aberta intromissão dos EUA no golpe de 64 (leia aqui).
Entrevistado pela Folha, Bolsonaro produz a maior prova contra si mesmo: admite ter planejado golpe de estado contra as instituições democráticas do Brasil.
Leia ainda:
# A estranha entrevista à Folha é uma confissão de culpa, diz Gleisi (247)
# Ele sabe que fez todas as bobagens de que está sendo acusado, afirma Lula (Carta Capital)
# Acesse o clipping do site sobre o processo que pode (e deve) levar Bolsonaro e seus cúmplices à cadeia
Ficamos mais próximos da ficção de Gilberto Braga ou a ficção é que se tornou realidade e os dois universos se fundiram num complexo precário de valores da sociabilidade moderna?
# Leia Gabriela Figueiredo, na Piauí
# Acompanhe o clipping que reúne o debate sobre assunto
No Brasil, retratados em Adolescência, manifestam patologias características do fascismo em estágio avançado de repulsa ao humano.
Acesse a antologia do site com análises sobre os apelos catárticos à subjetividade do homem contemporâneo.
Bolsonarismo fim de festa
Réu e ignorado por Trump: o pior dia da vida de Bolsonaro (Intercept)
Bolsonaro: "Tarcísio é um bom político, assim como outros" (Folha)
Quem é Tarcísio de Freitas? Governador de S. Paulo é uma ameaça
A covardia assassina de um império em ruínas, morte e destruição por toda a parte, degredo, bombas, ameaças...
(acompanhe no clipping do site)
Em dois meses, Trump abalou alianças essenciais a Washington, abraçou-se à imagem corroída de Israel e cortejou Putin, sem afastá-lo da China. Seu plano para reindustrializar os EUA é pobre. Seu slogan, MAGA, parece mais distante que nunca.
Para historiador francês, presidente escancara tendência recorrente do sistema: diante das crises, exacerbar espoliação colonial, rentismo e outras formas de rapina. Quando o bolo pára de crescer, diz ele, as elites partem para a predação.
# Jamil Chade (Uol)
# Leia também Reinaldo Azedo: Tarcísio quer pegar carona com o filho do ex-presidente (Uol)
Não está no filme, mas está no livro - o livro Ainda estou aqui, de Marcelo Rubens Pava: em 2006, aos 77 anos de idade - "nem tão velha assim", escreve Marcelo -, Eunice Paiva foi ao Fórum João Mendes, na 5a Vara da Família de São Paulo, na companhia dos seus filhos, para ser interditada por causa do Elzheimer.
No rito protocolar do Judiciário, o placar estava um a zero para doença, após Eunice ser perguntada pelo juiz em que ano estavam e Eunice olhar em desespero para Marcelo, sem saber a resposta. Um a zero para o Alzheimer. Foi quando o juiz emendou outra pergunta: “Como é o nome do presidente do Brasil?” (# continue a leitura)
O que encanta em Drummond é o seu compromisso com o tempo, pois é aqui e agora, na materialidade do mundo, no tempo presente, que o poeta e sua mensagem se inserem de forma única e singular”, destaca o teólogo Faustino Teixeira (IHU)
Uma das séries mais comentadas dos últimos anos, o impactante drama 'Adolescência', da Netflix, tem sido o centro das discussões nesta semana – desde o Parlamento Britânico até programas de entrevistas nos EUA e os portões da escola do filho do roteirista.
O debate foi impulsionado pela história fictícia de um menino de 13 anos acusado de esfaquear uma garota e pelos fatores que poderiam tê-lo levado a se tornar um assassino (continue a leitura)
# Ato mostra que anistia não é pauta das ruas. Análise de Octávio Guedes (G1)
Manifestação convocada para pedir anistia para os golpistas de 8/1 teve só 18 mil participantes, muito menos do que a última realizada em 2024, apesar do apelo político de alguns apoiadores do ex-capitão, entre eles o fantoche da extrema direita Tarcísio de Freitas, o governador que está vendendo S.Paulo. Para vários analistas, o fracasso indica que a prisão de Bolsonaro vai se consolidando na opinião pública como inevitável. Além disso, as provas da variedade de crimes que a gang bolsonarista cometeu na conspiração golpista parecem consolidar o desgaste político do ex-presidente. O resultado é o que se viu ontem em Copacana: discursos frouxos, desinteresse e dispersão. # Leia o noticiário no clipping do site
☛ Coringa diz o que pensa: 'nada mais me machuca'
A entrada da direita e extrema-direita em territórios populares de periferia, em que a esquerda era predominante, deve seguir produzindo reflexos nas próximas eleições, assim como ocorreu no pleito de 2024
# Entrevista com Hugo Fanton, do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania da USP, ao IHU (leia aqui).
# Ao ler a sentença, após dois dias de julgamento, o juiz Thiago Portes, destacou o fato de Moïse ter sido morto no país onde ele e sua família buscaram apoio e abrigo após fugir da guerra em seu país, a República Democrática do Congo (leia a matéria integral do G1 aqui)
# Depoimento de Jamil Chade, comentarista do UOL: "Nesta semana, uma discussão como qualquer outra no pátio de uma escola primária em Nova York terminou com uma frase incomum para crianças de dez ou onze anos. Após um estranhamento entre vários alunos, uma das meninas se virou a um garoto e lançou: "Tomara que você seja deportado" (leia a matéria integral aqui)
# Em outra matéria do UOL, Jamil Chade descreve as implicações racistas da medida do no presidente do EUA (leia aqui)
Após quatro décadas de disputa política, os homens mais ricos do mundo são mais poderosos que qualquer poder estatal no Ocidente. As lógicas que comandam vão reduzir o planeta a um inferno social e ambiental – até que alguém os detenha.
# Leia o artigo de Ladislau Dowbor em Outras Palavras
# "Avançamos rumo ao inferno climático... e o capital pisa no acelerador". Michael Löwy (IHU)
☛ Leituras paralelas nos clippings temáticos do site:
# A sedução fascista # 1964: o que foi o golpe militar do 31 de março e a tragédia que acompanhou o Brasil por mais de 20 anos # Bolsonaro e a herança abjeta da ditadura
As agressões de Trump contra o mundo todo - agora mais sentidas por aqui pela mão pesada das restrições tarifárias impostas às exportações brasileiras - tem lá o seu aspecto positivo: deixa transparente qual é a lógica que sustenta nossas relações subordinadas com o imperialismo. E mais: deixa clara também a vilania dessas vozes da extrema direita e das elites que não hesitam em abrir mão da soberania nacional - em episódios de rara sem-vergonhice bolsonarista - para manter nas mãos o que lhes resta de poder na vida brasileira, se é que lhes resta algum. Vem de Lula o gesto do poder nacional pela dignidade e, quem sabe, um levante indignado da sociedade em sua própria defesa.
Atuação do filho do ex-presidente em favor dos interesses de potência estrangeira pode levá-lo à perda do mandato. Leia mais em Poder 360
Fio internacional da trama parece levar a um deputado, à direção do maior partido do Congresso e a militares da ativa conspirando com cidadãos estrangeiros para dar um golpe de Estado no Brasil. Leia Hugo Souza em Come Ananás
Passados seis meses da demissão do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania por supostos casos de assédio sexual e moral, Silvio Almeida assiste a uma reviravolta no caso, que envolve a Organização Não Governamental Me Too. # Leia mais na Fórum
Desde já, o clipping do site sobre o principal do noticiário que vai nos levar à eleição do próximo ano
# Por que a extrema direita quer tomar o Senado em 2026? (Leandro Becker, Intercept)
# Direita exclui candidaturas de Bolsonaro e de filhos (Álvaro Costa e Silva, Folha)
# Direita põe o bloco na rua (Dora Kramer, Folha)
# Ana Pompeu (Folha)
A propósito do filme O brutalista, concorrente ao Oscar, leia na Folha: # Por que os arquitetos odeiam O Brutalista? # Filme memorável sobre exílio geográfico e espiritual
O artigo é de Amador Fernandez-Savater, investigador independente, ativista, editor, “filósofo pirata”, codirigiu Acuarela Libros e a revista Archipiélago e participou ativamente em diferentes movimentos coletivos (estudante, antiglobalização, copyleft, não à guerra, V de Habitação, 15-M). Ele publicou recentemente Habitar y gobernar: inspiraciones para una nueva concepción política (Ned Ediciones, 2020) e coordenou, com Oier Etxeberria, a compilação O eclipse da atenção (Ned Ediciones, 2023). Seu mais recente livro intitula-se Capitalismo libidinal (Ned Ediciones, 2024).
"O que é significativo não é o que termina e consagra, mas o que começa, anuncia e prefigura” (Achille Mbembe)
Em que época vivemos? Como descrever nossos tempos? Algo decisivo está em jogo, para o pensamento crítico, nesta questão dos nomes. Os nomes da época. O mapa de nomes orienta estratégias, indica os movimentos do adversário, revela possíveis resistências.
O que estamos enfrentando hoje? Se não sabemos como se chama, como vamos combatê-lo?
O pensador camaronês Achille Mbembe propõe o termo “brutalismo”. Vindo do mundo da arquitetura, onde se refere a um estilo de construção massivo, industrial e altamente poluente, o brutalismo como imagem do mundo contemporâneo nomeia um processo de guerra total contra a matéria.
O diagnóstico de Mbembe não é simplesmente político ou econômico, cultural ou mesmo antropológico, mas civilizacional, cósmico, cosmopolítico. Designa a relação dominante com o que existe. Uma relação de força e extração, de exploração intensiva e predação.
O mundo se tornou uma gigantesca mina a céu aberto. O papel dos poderes contemporâneos, diz Mbembe, é “tornar a extração possível”. Existe uma versão de direita do brutalismo e uma versão progressista, mas ambas administram a mesma empresa de perfuração com intensidades e modalidades diferentes. Dos corpos e territórios, passando pela linguagem e pelo simbólico.
Um novo imperialismo? Sim, mas não mais instaura ou constrói uma civilização de valores, uma nova ideia de Bem ou uma cultura superior, mas sim fratura e fissura os corpos – individuais, coletivos, terrestres – para extrair deles todo tipo de energias até a exaustão, ameaçando assim a “combustão do mundo”.
Mbembe identifica tendências globais que afetam a humanidade como um todo. Mas ele pensa a partir de um lugar específico: a África, sua história, suas feridas e suas resistências. O mundo inteiro está hoje vivenciando um “tornar-se obscuro” no qual a distinção entre seres humanos, coisas e mercadorias tende a desaparecer. O escravo negro prefigura uma tendência global. Estamos todos em perigo.
Que tipo de ser humano, subjetividades e desejos o brutalismo contemporâneo quer produzir?
De um lado, há o projeto louco de erradicação do inconsciente, “essa imensa reserva de noite com a qual a psicanálise tentava nos reconciliar”. O corpo humano não é apenas um corpo biológico, neuroquímico, mas também uma “matéria onírica” (León Rozitchner) que anseia, fantasia e utopia. O inconsciente é uma casca de banana em todos os planos de controle, inclusive sobre si mesmo. Ela desvia, distorce e complica tudo.
Precisamos erradicar essa dimensão ingovernável, capturar todas as forças e potenciais humanos em redes de dados, mapear toda a matéria até que o mapa substitua o território. O brutalismo visa a digitalização completa do mundo, dissolvendo o inconsciente (que nos torna únicos e irrepetíveis) no algoritmo, no número, no domínio do quantitativo. Abole o mistério que somos, branqueie a noite.
Mas tudo o que isso consegue é dar rédea solta aos impulsos mais obscuros e destrutivos. Por quê? A racionalização geral – digitalização, algoritmização, protocolização – bloqueia as energias afetivas e amorosas, esse poder de Eros que segundo Freud é o único contrapeso possível a Thanatos. O projeto de erradicação do inconsciente leva a uma dessensibilização geral.
A indiferença à dor dos outros, o prazer de ferir e matar, de ver o sofrimento. Crueldade e sadismo são características-chave dos poderes contemporâneos. Num capítulo particularmente arrepiante, Mbembe fala do “virilismo” contemporâneo. A economia libidinal do brutalismo não envolve mais repressão ou contenção de pulsões, mas sim desenfreamento, desinibição, dessublimação e ausência de limites. Diga tudo, faça tudo, mostre tudo e aproveite.
O virilismo cria uma zona frenética, diz Mbembe, sem nenhum vestígio dos antigos sentimentos de culpa, vergonha ou inibição. Uma figura talvez expresse isso melhor do que qualquer outra: o triunfo da imagem do pai incestuoso nas páginas pornográficas. De volta ao passado: se o assassinato do pai despótico pelas mãos dos filhos significou para Freud a passagem para a civilização, os limites e a lei, o fantasma do pai abusador volta a povoar os desejos mais obscuros da atualidade.
Ontem, o princípio de realidade (o mandato paterno) nos obrigava a renunciar ou adiar o prazer, para substituí-lo por uma compensação sublimatória. Hoje, exige exatamente o oposto: não adiar, atrasar ou substituir nada, mas acessar o prazer diretamente, literalmente e sem mediação. Consumir (objetos, corpos, experiências, relacionamentos). Da repressão à pressão. Da dessexualização à hipersexualização. Do pai da proibição ao pai do abuso. A culpa hoje é não ter aproveitado o suficiente.
Colonizar sempre significou brutalizar. A plantação e a colônia são, segundo Mbembe, prefigurações do brutalismo. Sem contenção ou mediação simbólica, pode-se e deve-se absolutamente desfrutar dos outros, convertidos em um mero “harém de objetos” (Franz Fanon). Podemos então entender, libidinalmente, uma chave para a ascensão da nova direita? Eles se apresentam como defensores de uma “liberdade” que é apenas o direito dos fortes de usufruir dos fracos como se fossem objetos descartáveis.
No fundo, como efeito derivado do virilismo, o medo da castração, o pânico genital e o horror ao feminino se espalharam por toda parte. O brutalismo aspira até mesmo a se livrar completamente das mulheres. Onanismo generalizado, sexualidade sem contato, tecnossexualidade, com o cérebro substituindo o falo como órgão privilegiado. O virilismo não seria a última palavra do patriarcado.
No fim de seu livro As origens do totalitarismo, mais de seiscentas páginas dedicadas ao estudo das condições históricas e sociais que tornaram o nazismo e o stalinismo possíveis, Hannah Arendt surpreendentemente afirma que a única certeza a que chegou é que o totalitarismo nasce em um mundo onde toda a população se tornou supérflua. Os campos de concentração (e mais tarde os campos de extermínio) foram o único lugar que os poderosos encontraram para abrigar os que sobraram.
Como lemos isso hoje, quando nossa era é atravessada pelo mesmo fenômeno de massas errantes? A guerra sempre foi um possível dispositivo para regular o excesso populacional indesejado e o totalitarismo um regime de guerra permanente. O brutalismo contemporâneo, diferentemente do nazismo ou do stalinismo, herda, no entanto, a mesma função. Diante do medo de compartilhar e do pânico da “multiplicação dos outros”, a gestão brutal das migrações.
A guerra sempre foi um possível dispositivo de regulação para o excesso populacional indesejado.
Mbembe chama os seres humanos excedentes de “corpos fronteiriços”. O que é feito com eles? Isolar e confinar, trancar e deportar, deixar morrer. A biopolítica (que cuida da vida para explorá-la) se sobrepõe à necropolítica (que produz e cuida da população supérflua).
(moda, design, publicidade), mas também métodos de guerra. Hoje, em todos os lugares, os controles, prisões e confinamentos estão se tornando mais rigorosos. Os espaços são divididos e é decidido com autoridade quem pode se mover e quem não pode. Não só a mobilidade dos sujeitos é promovida (de casa, do trabalho, da função), mas também é apoiada, controlada e fixada. Gaza como paradigma de governo.
Enquanto os líderes europeus celebraram recentemente oitenta anos desde a libertação de Auschwitz, os campos estão retornando à sua antiga glória. Campos de internamento, detenção, rebaixamento e separação. Para migrantes, refugiados e requerentes de asilo. Campos, em suma, para estrangeiros. Samos, Quios, Lesbos, Idomeni, Lampedusa, Ventimiglia, Sicília, Subotica. As rotas migratórias mais mortais do mundo são as europeias: 10.000 pessoas perderam a vida tentando entrar na Espanha no ano passado.
A sangria e a predação também operam na gestão das complexas circulações dos corpos fronteiriços, explica Mbembe, através do controle de conexões, mobilidades e trocas. A guerra contra os migrantes (que importam em movimento) também é um negócio lucrativo e um fator econômico.
Os impulsos imperialistas combinam-se hoje com nostalgia e melancolia. Os antigos conquistadores, envelhecidos e cansados, sentem-se invadidos pelas “raças enérgicas” cheias de vitalidade. O mundo está se tornando pequeno e ameaçado. Essa é a percepção que a extrema direita europeia explora. A pátria não deve mais ser expandida, mas defendida. O estilo afirmativo e entusiasmado de José Antonio se transforma em puro medo e vitimização em Vox.
Como resistir ao brutalismo? Mbembe não se deixa levar por um exercício de catastrofismo, mas ousa utopizar. O que isto significa?
O pensador camaronês encontra inspiração em Ernst Bloch, o grande pensador da utopia e da esperança do século XX. O que é utopia para Bloch? Nada a ver com o que normalmente pensamos estar associado a esse termo: especulação sobre o futuro, projeção de cenários, modelos perfeitos. Não, a utopia é poder, latência e possibilidade já inscritos no presente.
Diferentemente da crítica convencional, a crítica utópica não apenas traça uma cartografia crítica dos poderes contemporâneos, mas também aponta potencialidades para resistência, para mudança, para outros mundos possíveis. Ela não apenas denuncia, julga ou anula, mas enuncia novas possibilidades, convidando quem escuta a fazê-las nascer, a desdobrá-las. Ela coloca em tensão o que é e o que poderia ser, sendo este último não uma possibilidade abstrata, mas uma força em processo.
Se hoje assistimos a um “devir-negro” do mundo, não poderíamos inspirar-nos na resistência que as culturas africanas sempre opuseram ao seu devir-coisa? O particular se torna universal e a utopia, como queria Walter Benjamin, não está mais no futuro, mas no “salto do tigre para o passado”.
Essas resistências passam, como eu as leio, por outra concepção e outra relação com a matéria. De acordo com as culturas africanas pré-coloniais, a matéria é um tecido de relações, é diferença, é mudança. O animismo expressaria isso em um nível espiritual: o mundo é povoado por uma multidão de seres vivos, sujeitos ativos, múltiplas divindades, ancestrais, intercessores.
Ou reparos ou funerais, diz Mbembe. O desafio não é indignar-se nem bater no peito, mas regenerar a matéria ferida. Por exemplo, no caso do debate sobre a descolonização dos museus, não se trata simplesmente de “devolver” objetos roubados aos seus lugares de origem, mas de entender que esses objetos não eram “coisas” (nem ferramentas, nem obras de arte), mas veículos e canais de energia, forças vitais e virtualidades que possibilitavam a metamorfose da matéria. Recria um relacionamento ativo com a memória.
Se a matéria não é um objeto a ser explorado, mas um ecossistema participativo, uma reserva de potenciais, um conjunto de subjetividades, que formas políticas lhe poderiam ser adequadas?
Além da democracia liberal e do nacionalismo vitalista, do solo e do sangue, Mbembe propõe uma “democracia dos vivos” que praticaria o cuidado com todos os habitantes da Terra, humanos e não humanos. Uma economia de “bens comuns” que nos forçaria a abandonar nossas obsessões com apropriação exclusiva. E uma “desfronteiração” do mundo capaz de proteger o direito de todos de sair, de se deslocar e de estar em trânsito. Ser estrangeiro, para si mesmo e para os outros.
A própria matéria utopia, disse Ernst Bloch. Não é uma massa passiva que aguarda sua forma vinda de fora, mas tem dentro de si seu próprio movimento, seu próprio princípio ativo e está grávida de futuro. É por isso que o brutalismo declara guerra a ela? O que ela exige de nós é que sejamos “como o fogo na fornalha” que amadurece e realiza seu potencial. Não para forçá-lo ou violá-lo, mas para ouvir e prolongar sua criação.
O que vem depois do neoliberalismo? Grandes gestores de tecnologia e ativos como novos rentistas
“Os servidores da nuvem produzem capital com seu trabalho gratuito”. Entrevista com Yanis Varoufakis
“O capitalismo matou o capitalismo”. Entrevista com Yanis Varoufakis
A dívida é para o capitalismo o que o inferno é para o cristianismo. Artigo de Yanis Varoufakis
O tecnofeudalismo está dominando. Artigo de Yanis Varoufakis
Crise multidimensional: reprodução social, ecologia e geopolítica. Entrevista com Nancy Fraser
O clima do capital: por um ecossocialismo transambiental. Artigo de Nancy Fraser
“O tecnofeudalismo é uma espécie de capitalismo canibal”. Entrevista com Cédric Durand
A esquerda, o capitalismo e o mercado. Artigo de Alberto Leiss
“Para o capitalismo, a vida humana é um efeito colateral”. Entrevista com Yayo Herrero
Capitalismo de vigilância. Artigo de Antônio Sales Rios Neto
Capitalismo de vigilância e o novo ser-patriarcal. Artigo de Antônio Sales Rios Neto
# Bolsonaro deve pedir asilo político (Elio Gaspari)
Para articulista da Folha, ex-presidente (tão logo seja conhecida a pena pelos crimes que cometeu) deve correr para uma embaixada em busca de refúgio
# Da denúncia da PGR aos argumentos mentirosos dos envolvidos no 8/1 (clipping do site)
Conjunto de provas que constituem a peça da Procuradoria Geral da República é documento histórico que fortalece a vida democrática brasileira e dificilmente será enfraquecido pelas artimanhas da defesa dos golpistas
# A mutação identitária do regime americano (Muniz Sodré)
Clippings: # As escolhas de Trump # Seminário GIZ: Geopolítica da destruição e da mentira
# PIB brasileiro cresce 3,4% em 2024 (Uol)
# Crescimento do PIB brasileiro é o melhor em 13 anos (GGN) e # Faria Lima erra feio (247)
# O avanço do conservadorismo e erosão da democracia no Brasil
Livro compara lideranças conservadoras ligadas à crise democrática global (Jornal de Brasília)
Na imagem da Pública, o movimento para além do Carnaval
# A marcha na Paulista (Folha) # O Dia das Mulheres (247) # O desconforto das mulheres que desafiaram a história (Le Monde) # O feminismo perdido entre o sexo e o poder. Lygia Maria (Folha)
uUma clivagem política de gênero: mulheres assumem posições e votos claramente mais à esquerda. O machismo reage com rancor. Possível contra-ataque: ir além do doméstico e ocupar mais espaços de poder
A emancipação não é uma luta colorida; ela é sobretudo social
Pesquisadora norte-americana faz uma “fábula crítica”, recriando de forma instigante as experiências de jovens negras no pós-escravidão nos EUA – protagonistas de uma revolução comportamental. Raísa Araújo Pacheco, Outros Quinhentos
Seus filhos / Erravam cegos pelo continente / Levavam pedras feito penitentes / Erguendo estranhas catedrais / E um dia, afinal / Tinham direito a uma alegria fugaz / Uma ofegante epidemia / Que se chamava carnaval
(Vai Passar: Chico Buarque, Francis Hime, 1984 - ouça aqui)
O que a história não conta o samba canta. Entrevista com Cláudia Alexandre (Pública)
Os festejos conhecidos como entrudos, que aconteciam no Império Romano, no Egito antigo e na Mesopotâmia, ganharam novas roupagens durante a colonização do Brasil. No país, as pessoas negras escravizadas incorporaram o samba e fizeram nascer uma das maiores festas populares do mundo, o Carnaval brasileiro.
A pesquisadora e cientista da religião Cláudia Alexandre diz que os cantos, expressões e gestos das pessoas escravizadas, trazidos para a folia, foram, por muitos anos, formas de comunicação e resistência. “A festa, que muitas vezes foi lida como mero entretenimento, para os negros era composta por códigos e símbolos muito elaborados, que significaram – e ainda significam – um grito pela liberdade”, explica (# continue a leitura)
Efeito fura-bolha de "Ainda estou aqui", agora com a conquista do Oscar, exige recordar o discurso de Ulysses Guimarães e rechaçar anistia a torturadores
➥ Sylvia Moretzshon (Come Ananás)
Também de Moretzshon: # Sem anistia: nem para os golpistas de hoje nem para os agentes da ditadura
Militar revela detalhes de como o exército deu fim ao corpo de Rubens Paiva e outros crimes secretos da ditadura
# Leia Alessandra Monterastelli (Folha)
# O nascimento do neoliberalismo. Antonio Martins (Outras Palavras)
# Trump acabou com o neoliberalismo? David McNally (A Terra é redonda)
# O Oscar e a demanda por orgulho nacional brasileiro. Luis Nassif (GGN)
Na aparência, eleições selaram a derrota de uma social-democracia acovardada. Mas declina, também, um país que foi incapaz de enfrentar os dogmas neoliberais e a política de guerra de Washington. Com Trump – e agora Merz – tudo pode piorar (# Michael Roberts, Eurocentrismo em cheque via Outras Palavras)
A nova lei da proibição dos celulares em ambientes escolares apenas estabelece parâmetros para que menores de idade não se tornem reféns das plataformas, preservando, assim, a dimensão humana da escola.
A posse de qualquer um diploma universitário deixou de ser um diferencial tão forte que profissões exigentes de maior escolaridade passaram a enfrentar maior competição.
Mundo começa a experimentar os efeitos da política externa neonazista de Donald Trump - e insegurança toma conta das chancelarias de todos os países
# Leia aqui o clipping do site com matérias do G1, do DW e da Pública
# A democracia na Roleta Russa. Pedro Lange Machado (Piauí)
# Atualizações sobre as consequências da eleição de Trump
# Refém israelense revela que Hamas permitiu culto judaico em Gaza (Opera Mundi)
# David Harvey nega o imperialismo (uma réplica). John Smith, (Nuestra America via LavraPalavra)
Alta dos alimentos é sintomática: com olhos na macroeconomia, governo esquece a realidade do povo. Se não imprimir sua marca, país corre o risco de retorno da ultradireita, como nos EUA. Ainda há tempo – e frear o “ajuste fiscal” é o começo.
# Brasil: ditadura nunca mais: O velho golpismo e a velha tentativa de anistia. Gabriel Vilardi (IHU)
# Causar o caos: o plano dos militares para matar Alexandre de Moraes. Caio de Freitas (Pública)
# Não, as Forças Armadas não salvaram o Brasil da tentativa de golpe de Bolsonaro. Laís Martins (Intercept)
# 1,2 mil equipamentos apreendidos e 255 milhões de mensagens de áidio e vídeo trocadas entre os golpistas (matéria exibida no Fantástico)
# Leia Luis Francisco Carvalho Filho (Folha)
# Ranier Bragon (Folha)
# João Filho (Intercept)
Desde 1925, a New Yorker mantém a mistura única de cultura pop e literatura, humor e poesia, crítica e reportagem. Paulo Roberto Pires (451)
Engana-se quem imagina que a denúncia apresentada pela PGR contra os crimes cometidos pelo ex-presidente é suficiente para colocar um ponto final na sua influência e do movimento que ele articula na política brasileira. Em primeiro lugar porque a contundência das provas apresentadas se dá num cenário de fragilização da esquerda - que não emerge como a alternativa hegemônica capaz de oferecer direção para a conjuntura de dispersão que marca esta etapa dos movimentos sociais. Nesse sentido, o "vazio" pode levar a uma articulação fascitóide de roupagem nova que se apresente como um bolsonarismo repaginado. Em segundo lugar porque Bolsonaro não sai de cena - se é que sai - com as mãos vazias e desprovido de apoio. Ao contrário: basta a leitura dos editoriais recentes da velha mídia para que se perceba como está carregado de contemplação e leniência o efeito que a denúncia da PGR teve sobre as narrativas da direita.
Esse estado de 'consentimento' com a aventura golpista - que alimenta a campanha pela anistia aos envolvidos no golpe - goza de simpatia no conservadorismo da classe média e do empresariado. Com Lula enfraquecido, eis aí um prato cheio para uma mobilização massiva em defesa do ex-presidente. Por último: o espólio tem pretendentes à gestão do seu capital eleitoral, alguns mais canalhas que outros, mas candidatos à herança de uma suposta massa falida todos eles e com discurso afiadísismo que vai ao encontro dessa vaga conservadora que se espalha pelo mundo. Em matéria de cinismo, vale a pena observar as pegadas de Tarcísio, Zema, Caiado para um flash da sem-vergonhice erigida em mérito.
Tem razão Lula quando evita a retórica viceral anti-Bolsonaro (embora ele próprio não consiga se conter); mas não têm razão os pretendentes ao espólio do capitão quando proclamam solidariedade aos golpistas sem repudiar a natureza criminosa de sua conspiração. Seja como for, tudo isso é espaço de disputa política em narrativas diversas. Penso que o resultado final do desdobramento da denúncia da PGR será mesmo a prisão de vários dos envolvidos, a começar por Bolsonaro - mas as imagens e os discursos que isso vai gerar são simbolicamente mais potentes do que se pode imaginar.
Talvez a histórica peça produzida por Gonet possa ser vista como uma 'convocação' ao radicalismo que retire das mãos da extrema direita a iniciativa da incitação às ruas. Pode ser que a denúncia seja um sinal para uma virada social-democrata para valer, mais do que uma reprimenda jurídica contra o bando que tentou o golpe (J.S.Faro).
A íntegra da denúncia da PGR e as repercussões provocadas pelo documento: acesse aqui
# "Caguei para a prisão". Diógenes Feitosa (Gazeta do Povo)
# Manipular, vigiar e matar: o papel dos kid. Caio de Freitas (Pública)
Armadihas
# Bolsonaristas e Trump manipulam armadilha contra Moraes. Jamil Chade (Uol)
# Extrema direita francesa deixa evento depois de gesto nazista de Bannon. Jamil Chade (Uol)
# Com as denúncias contra Bolsonaro, Tarcísio pisa em ovos. Toledo e Bilenky (Uol)
# Trump, o Estado e a Revolução. Artigo de Branko Milanovic (Unisinos)
# O Brasil no labirinto de Trump. Pedro Marin (Opera Mundi)
# Anti-imperialismo na periferia do capitalismo. Bresser-Pereira (A Terra é redonda)
# Acordos MEC-Usaid: EUA e militares contra a educação brasileira. Estevam Silva (Opera Mundi)
Como permitimos que uma impostura dessas chegasse à Presidência da República?
Relatório da Procuradoria Geral da República exibe fartura de provas que incriminam Bolsonaro e vários de seus cúmplices com a mais grave tentativa de ruptura institucional da história brasileira. O documento vai mais longe: aponta planos de execução de personalidades que pudessem resistir ao golpe, como o próprio Lula e Alexandre de Moraes. O relatório assemelha-se a ao roteiro de algum seriado de streaming, mas não há nada nele de ficcional; ao contrário: a trama é a de um realismo sujo e calculista - e nenhum dos envolvidos na conspiração (todos com tarefas executivas de gravidade) pode continuar solto, a começar pelo maior de todos os bandidos e vértice do movimento: Jair Bolsonaro.
# Acompanhe aqui o clipping do noticiário que deve intranquilizar a opinião pública brasileira até que a denúncia gere os efeitos punitivos que atestem a resistência democrática da sociedade.
# Pena pode chegar a 43 anos de prisão. Fausto Macedo (Estadão)
# Os próximos passos depois da denúncia da PGR. (Carta Capital)
# PGR vê Bolsonaro na cena do crime. Reinaldo Azevedo (Uol)
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Duas antologias: 1. do blog da 1a geração; 2. deste site
A costa do estado do Amapá, no extremo norte do Brasil, está na mira da indústria petrolífera internacional. O local congrega ecossistemas variados, como mangues, florestas tropicais e o Grande Sistema de Recifes da Amazônia. Leia mais: © Victor Moriyama / Greenpeace
# Comissão debate exploração de petróleo na foz do Amazonas (Câmara dos Deputados)
# Como a Meta silencia notícias incômodas. Natália Viana (Pública)
# Pós-verdade, desconfiança e crise de autoridade. Oscar Medeiros Filho (Folha)
# Os donos do mundo: o fascismo e a desinformação digital em rede. Marco Schneider (L21)
Um livro merece leitura atenta em toda a universidade brasileira. Penso sobretudo nos setores das humanidades. O volume foi traduzido pela Editora Perspectiva. O mais aparente nele surge como dupla biografia amorosa de intelectuais às voltas com o mundo político, ideológico e religioso alemão durante as duas grandes guerras europeias Artigo de Roberto Romano publicado no Jornal da UNICAMP em janeiro de 2020 (continue a leitura)
Como a "sedução" fascista atravessou a vida pessoal e amorosa de intelectuais europeus?
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, deve apresentar a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, afirma Tales Faria em matéria no Uol. A denúncia poderá ser apresentada até mesmo [hoje] segunda-feira (17), apurou o colunista (leia aqui).
Confronto com resultados positivos obtidos pelo presidente não consegue evitar a construção negativa da imagem de Lula pela mídia; um fenômeno que opõe o imaginário à realidade. Mas não é fortuito; é um bem pensado movimento de articulação política que mobiliza todos os interesses contrariados pelos projetos do governo no terreno social e econômico. Tudo será feito para que Lula não fique no cargo... talvez até mesmo antes do fim do seu mandato. Essa gente não vale nada (leia mais).
Um idiota a serviço do que há de pior na cena política global
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Joseph Goebels: "Uma mentira contada mil vezes torna-se uma verdade"
Na história recente do Brasil o termo “liberdade” se tornou, mais que um bordão e menos que um conceito, um significante vazio. Não porque não representa nada, mas justamente porque ao reduzir sua polissemia a um projeto político e ideológico, transformou-se em algo que no fundo é uma palavra de ordem em favor da extrema-direita. Um autor do pós-Guerra, Isaiah Berlin, nos ajuda a compreender as origens e os sentidos do conceito de liberdade, que passa, ao menos, por duas chaves de leitura importantes: liberdade positiva e liberdade negativa. IHU (continue a leitura)
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“Os efeitos de liberdade negativa são aquelas liberdades individuais conquistadas no decorrer da história, geralmente classificadas como liberdade de alguma coisa. A liberdade positiva é caracterizada em geral como uma liberdade para fazer algo, a liberdade para se realizar, para efetivar o fim desejado. São essas as diferenças entre liberdade negativa e positiva”, explica o professor e pesquisador, Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros, em entrevista por áudios enviados ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Há um pressuposto geral que deve ser observado quando falamos de liberdade, que é, precisamente, uma certa racionalização do indivíduo sobre o que é liberdade. Isso é tudo o contrário do que defende uma moral de manada fanatizada politicamente.
“Para Berlin, na origem dos regimes autoritários está essa ideia de liberdade positiva, que é um ideal do passado, das sociedades fechadas do mundo antigo e que deve ser completamente abandonada em favor da concepção negativa de liberdade. Porque a concepção positiva passa pelo pressuposto de um monismo físico e ontológico. Berlin alega que as finalidades da vida humana são múltiplas e os valores são diversos e nem todos são compatíveis entre si, por isso temos sempre um inevitável conflito entre valores, que são igualmente defensáveis, entre finalidades igualmente válidas”, situa o entrevistado sobre a problemática em torno da aplicação social do conceito de liberdade.
“O que a extrema-direita faz é deformar o sentido da liberdade negativa e tomar essas liberdades individuais – de ir e vir, de expressar a opinião e a crença e de reunião – como sendo liberdades absolutas, liberdades que não conhecem limites. Claramente, a liberdade de ir e vir, por exemplo, em uma crise sanitária como foi a pandemia de coronavírus, essa liberdade de ir e vir, diante da saúde pública, conhece um limite, daí a justificativa para o isolamento social. A liberdade de expressão também tem um limite. Não se pode exprimir opinião pessoal ou a crença se essa opinião, por exemplo, atenta contra a dignidade da pessoa humana, se ela suscita o ódio e a violência contra a determinados grupos. Então, toda a liberdade tem limites”, complementa.
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros é professor Associado do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo. Possui graduação em Administração (1984) e em Filosofia (1988), Mestrado (1992), Doutorado (1999) e Livre-Docência (2013) em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Desenvolveu pesquisa de pós-doutorado no Royal Holloway College - University of London (2009), no Institute of Historical Research - University of London (2013) e na Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne (2019). É autor, entre outros, de Liberdade Política (São Paulo: Editora Almedina/Discurso Editorial,2020) e O Conceito de Soberania na Filosofia Moderna (São Paulo: Editora Almedina/Discurso Editorial, 2019).
IHU – O que é, em termos políticos, a “liberdade”? Como o tema passou a ocupar o interesse intelectual no pós-guerra do século XX?
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros – O conceito de liberdade é polissêmico, ou seja, tem diferentes significados e é utilizado em diferentes domínios da realidade humana. Por exemplo, posso falar da liberdade da vontade, aquilo que tradicionalmente, na história da filosofia, ficou conhecido como o problema do livre arbítrio ou posso tratar do problema da relação liberdade e necessidade. Enfim, posso tratar a liberdade em vários domínios da realidade humana e um desses domínios é no campo político. Então, quando falo em liberdade em termos políticos, eu quero entender como as pessoas são livres vivendo em uma sociedade política.
O tema da liberdade política passou a ocupar um lugar de destaque no debate intelectual do pós-guerra principalmente em razão da tentativa de alguns autores de compreender o fenômeno, até então desconhecido, do totalitarismo. Esses autores se debruçaram sobre o problema do que é ser livre em uma sociedade política.
IHU – Há uma polissemia em torno do sentido do termo “liberdade”. No entanto, quais são as principais compreensões em torno dele?
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros – Entre os escritos publicados nesse período do pós-guerra, que procuraram compreender o que vem a ser então a liberdade política, destaca-se, sem dúvida, o ensaio de Isaiah Berlin, intitulado Dois conceitos de liberdade, publicado em 1958. Nesse ensaio, Berlin reconhece que o conceito de liberdade tem vários significados, mas ele destaca dois sentidos historicamente atribuídos ao conceito de liberdade: o sentido negativo, que procurava responder à pergunta sobre qual deve ser a área que um agente deve realizar o que é capaz de realizar sem sofrer a interferência sobre outros agentes; e o sentido positivo, que procurava responder à pergunta sobre qual é a fonte de controle da ação do agente.
Ele vincula então o sentido negativo à tradição liberal, em particular aos autores liberais que afirmaram a necessidade de uma esfera de ação individual independente do controle social, livre de qualquer ingerência ou coerção para que os indivíduos pudessem desenvolver plenamente suas faculdades. Já o sentido positivo, ele vincula a autores que postularam a existência de um valor social supremo, ao qual todos os demais valores deveriam estar subordinados, que postularam a existência de um fim último para o qual todos os meios da sociedade deveriam se dirigir. E ele associa esse sentido positivo de liberdade à tradição socialista, comunista, que teria sua origem na Antiguidade e que teria sido retomada na Modernidade por autores como Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant e Friedrich Hegel, e que depois estaria nessa tradição socialista e marxista.
IHU – O que é liberdade positiva e liberdade negativa? Que exemplos nos ajudam a pensar essas diferenças?
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros – Berlin caracteriza a liberdade no sentido negativo como a ausência de obstáculos externos às possíveis escolhas e ações de um agente. Então, o agente é livre, quanto maior for seu campo de escolhas e de ações que não sofram a interferência de outros agentes, quando ele não é impedido ou coagido por outros agentes. Claramente a perda da liberdade nesse sentido é marcada pela por uma intervenção, interferência deliberada de outros agentes, impedindo ou tornando inelegível a escolha ou a ação.
Já a liberdade no sentido positivo, Berlin exprimiria a determinação do agente em ser senhor de si mesmo, de agir de acordo com seus propósitos sem ser determinado por forças exteriores. Ela é justamente classificada como positiva porque não designa a ausência de algo, como a liberdade negativa, mas a presença de um atributo específico do querer, enfatizando a capacidade do agente de agir conforme sua determinação. Desse modo, nesse sentido, ela requer que o agente tome parte ativa no controle de si mesmo e das suas ações a fim de realizar o que considera necessário para seu próprio bem.
Os efeitos de liberdade negativa são aquelas liberdades individuais conquistadas no decorrer da história, geralmente classificadas como liberdade de alguma coisa. Como a liberdade de ir e vir sem ser coagido, a liberdade de expressar a própria opinião ou crença sem ser impedido, a liberdade de se associar com outros agentes e de se reunir com esses outros agentes sem ser impedido. São sempre caracterizados como liberdades de alguma coisa. A liberdade positiva é caracterizada em geral como uma liberdade para fazer algo, a liberdade para se realizar, para efetivar o fim desejado. São essas as diferenças entre liberdade negativa e positiva.
IHU – Por que a liberdade positiva é associada por Berlin à emergência de regimes totalitários?
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros – De acordo com Berlin, os dois aspectos mais relevantes que têm sido atribuídos ao ideal de liberdade positiva, são a autoabnegação e a autorrealização. Como a autoabnegação é um ideal frequentemente associado à retirada do indivíduo para uma cidadela interior na qual é possível sua emancipação, é deixada de lado porque ela não é considerada uma expressão da liberdade da vida social, Berlin então se concentra nesse ideal de autorrealização. Esse ideal de autorrealização é sintetizado pela ideia de que compreender o mundo é libertar-se do que é contingente. O seu pressuposto é que ao compreender a necessidade racional de algo, o indivíduo não pode desejar outra coisa, pois seria pura ignorância ou irracionalidade desejar o que não é necessário. O indivíduo é livre se, e somente se, impor a si mesmo ou pelo menos aceitar o que é necessário, isto é, racional. A liberdade então é fruto de um autogoverno racional.
O problema para Berlin está na aplicação deste autogoverno racional do indivíduo à sociedade, ou seja, quando há uma transposição da autodeterminação individual para o campo social. Isso acontece em geral quando uma instituição social, partido político ou igreja arroga ser portadora da razão. Aí, supostamente ao encarnar a razão, essa instituição acaba impondo suas diretrizes sem pedir permissão ou mesmo sem ter consentimento dos seus membros, reprimindo inclusive aqueles que não cumprirem com suas determinações. O grande perigo, para Berlin, é quando essa instituição é o Estado, porque quando as lieis são impostas pela autoridade política, elas acabam sendo promulgadas pelos próprios indivíduos, caso estivessem consultado a própria razão. Portanto, aqueles que não percebem a racionalidade intrínseca das leis do Estado e nem a compreendem, podem ser forçados a obedecer a sua própria razão e a liberdade então se transforma em defesa da autoridade e da opressão.
Para Berlin, na origem dos regimes autoritários está essa ideia de liberdade positiva, que é um ideal do passado, das sociedades fechadas do mundo antigo e que deve ser completamente abandonada em favor da concepção negativa de liberdade. Porque a concepção positiva passa pelo pressuposto de um monismo físico e ontológico. Berlin alega que as finalidades da vida humana são múltiplas e os valores são diversos e nem todos são compatíveis entre si, por isso temos sempre um inevitável conflito entre valores, que são igualmente defensáveis, entre finalidades igualmente válidas. Por isso, para ele, a opção entre os dois sentidos de liberdade é evidente: seria preciso abandonar o sentido positivo, porque ele traz prejuízos à independência individual quando sujeita os indivíduos ao social, e ficar com o sentido negativo, que respeita a diversidade de valores e de fins, que é o único sentido adequado ao pluralismo das sociedades modernas.
IHU – Por que a extrema-direita é tão apegada a repetição de um discurso em favor da “liberdade”?
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros – Essa é uma questão extremamente interessante e difícil de ser respondida, não tenho uma resposta muito clara e precisa. A minha hipótese – e apostaria nela – é de que a extrema-direita retomou um discurso ideológico muito utilizado no período do pós-Segunda Guerra Mundial que opunha dois campos. Nós sabemos que o pós-Segunda Guerra, no século passado, foi caracterizado por um Guerra Fria, de um lado as chamadas democracias liberais do Ocidente e do outro os regimes socialistas do Leste Europeu.
E, muito autores, incluindo o Isaiah Berlin, entraram nesse debate defendendo as democracias ocidentais com o argumento que só nas democracias ocidentais a liberdade dos indivíduos era respeitada. Nos regimes socialistas do Leste Europeu a liberdade era sacrificada em nome de uma suposta igualdade, uma igualdade que era nivelada por baixo na extrema miséria da população nesses países socialistas. Então, a defesa à liberdade seria a defesa das democracias ocidentais, porque liberdade e igualdade seriam antagônicos: para que eu possa ter liberdade não posso sacrificar essa liberdade em nome de maior igualdade social.
A extrema-direita parece que se apropria desse discurso ideológico e acaba associando governos, supostamente de esquerda, governos que supostamente por serem de esquerda querem implementar o socialismo e depois o comunismo, seguindo o modelo da experiência dos países do Leste Europeu no século passado. A extrema-direita acaba se apresentando como a defensora das liberdades individuais contra esse projeto socialista, comunista dos supostos partidos de esquerda. O que na verdade acontece é uma apropriação de uma concepção de liberdade que veio da tradição liberal, uma apropriação de um conceito de liberdade negativa, mas esta apropriação acontece com uma deformação do que vem a ser a liberdade negativa.
IHU – Em que sentido a liberdade se transformou em uma plataforma ideológica?
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros – O interessante é que a extrema-direita se apropria dessa concepção negativa de liberdade e muda o seu significado. Na tradição liberal, a liberdade é sempre condicionada, a liberdade, por maior que seja, é sempre limitada. Os autores liberais, seja John Stuart Mill ou o próprio Berlin, reconhecem que não há uma liberdade absoluta. Toda e qualquer liberdade tem o seu limite. E o limite, em geral, é dado pela ordem, pelo bem público, pela segurança pública e assim por diante.
O que a extrema-direita faz é deformar o sentido da liberdade negativa e tomar essas liberdades individuais – de ir e vir, de expressar a opinião e a crença e de reunião – como sendo liberdades absolutas, liberdades que não conhecem limites. Claramente, a liberdade de ir e vir, por exemplo, em uma crise sanitária como foi a pandemia de coronavírus, essa liberdade de ir e vir, diante da saúde pública, conhece um limite, daí a justificativa para o isolamento social. A liberdade de expressão também tem um limite. Não se pode exprimir opinião pessoal ou a crença se essa opinião, por exemplo, atenta contra a dignidade da pessoa humana, se ela suscita o ódio e a violência contra a determinados grupos. Então, toda a liberdade tem limites.
O que a extrema-direita faz é se apresentar como defensora das liberdades individuais, sendo que essas liberdades seriam absolutas. Portanto, a extrema-direita distorce o sentido negativo de liberdade tal como está presente na tradição liberal. É nesse sentido que a liberdade se transforma em uma plataforma ideológica: defende-se a liberdade naquilo que interessa, no caso da extrema-direita, ao seu projeto autoritário. Em nome desse projeto autoritário, que é claramente identificado na extrema-direita, se tem a defesa daquelas liberdades que são convenientes. Defende-se a liberdade de expressão absoluta, porque é conveniente poder diminuir, atacar, suscitar e despertar nas pessoas a violência e o ódio. Assim, defende-se a liberdade plena e absoluta de expressão, de modo que há um uso ideológico do sentido de liberdade por parte da extrema-direita.
IHU – Por outro lado, qual o papel e o conceito de liberdade em regimes autocráticos de esquerda?
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros – Os regimes autocráticos de esquerda, podemos citar como exemplo na atualidade Cuba e Venezuela, adotam, na terminologia proposta por de Berlin, um conceito de liberdade positiva na medida em que enfatizam que ser livre é se autodeterminar. Daí a ênfase que esses regimes dão à ideia de soberania e autodeterminação dos povos e assim por diante.
O problema, que Berlin já admitia em seu ensaio, é que esses regimes acabam impondo um único fim para todos os membros da comunidade política, determinam quais são os meios para se alcançar esse fim. Esses regimes, em geral por meio de um partido ou uma figura carismática ou outra instituição qualquer, arrogam ser os portadores da razão. Portanto, aqueles que sabem qual é o caminho a ser seguido, qual é a maneira de se alcançar o fim que deve ser alcançado.
Esses regimes autocráticos acabam sufocando as liberdades individuais, que em geral são associadas ao conceito de liberdade negativa. Isso é feito em nome dessa liberdade positiva, que acaba sendo distorcida, porque não são as pessoas que se autodeterminam, mas o regime que estabelece a maneira de se autodeterminar. Então, é preciso restringir uma série de liberdades em nome desse bem maior, desse fim último, superior, ao qual todos devem se dirigir. Esses regimes autocráticos se arrogam com a capacidade de determinar, de saber qual este fim e para onde a sociedade política deve se dirigir
IHU – Como a restauração do pânico moral em torno do fantasma do comunismo está associada ao debate contemporâneo sobre a liberdade?
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros – Como disse anteriormente, a minha hipótese é que os partidos de extrema-direita e seus porta-vozes retomam este debate ideológico do período pós-Segunda Guerra Mundial, onde há uma oposição entre as democracias ocidentais livres e os regimes socialistas e comunistas do Leste Europeu, que suprimem as liberdades individuais, e atualizam este debate para hoje, fazendo uso desse fantasma que paira – não sei explicar a razão – do comunismo. No sentido de que eles conseguiram fazer que esta ideia de que, se os partidos associados à esquerda assumirem o poder, implementariam regimes comunistas ou socialistas. Quando nós sabemos que nenhum desses partidos associados à esquerda que têm ocupado o poder têm no seu horizonte o estabelecimento de um regime socialista ou comunista.
Mas eles conseguiram difundir essa ideia na sociedade, resgatar este pânico no sentido de que “se esses partidos chegarem ao poder vão instaurar um regime no qual as liberdades serão sufocadas, no qual, em nome da igualdade social, as liberdades serão comprometidas”. E conseguem disseminar essa imagem, fazendo com que de fato muitas pessoas acabem se vinculando a partidos de extrema-direita em razão desse fantasma. De novo, que não sabemos como e porque foi estabelecido. E está muito claro na sociedade brasileira o fantasma do comunismo. Isso influencia o debate contemporâneo sobre liberdade porque, justamente, a extrema-direita acaba assumindo esse papel de defensora da liberdade, contra a suposta intenção dos partidos vinculados à esquerda estabelecerem regimes em que essas liberdades não são respeitadas.
IHU – De que maneira podemos compreender a contradição na qual, historicamente, os únicos agentes de perseguição política e das liberdades individuais no Brasil, os militares e apoiadores da ditadura civil-militar, são hoje os porta-vozes da liberdade?
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros – Essa pergunta é bastante interessante, porque se formos ver a história do Brasil mais recente, vamos constatar que com o estabelecimento da ditadura civil-militar nos anos 1960 foram, de fato, os movimentos e partidos, em geral associados à esquerda, que foram às ruas defender as liberdades individuais e políticas que foram cerceadas pela ditadura. Com o processo de redemocratização e finalmente o estabelecimento de uma nova Constituição em 1988, essas liberdades individuais e políticas foram consagradas no texto constitucional e dessa maneira asseguradas juridicamente. Quando isso acontece, os partidos e movimentos sociais vinculados à esquerda passam a ter outra bandeira, a bandeira da igualdade social. Porque esses partidos e movimentos sabem que não adianta ter liberdades asseguradas no texto constitucional sem que elas possam ser realmente efetivadas. Ou seja, as liberdades formais estabelecidas no texto, se não têm condições materiais para se estabelecer, ficam somente na letra do texto.
Esses partidos e movimentos começaram a defender a bandeira do combate à fome e da igualdade social. Quando esses partidos, eu estou falando claramente aqui do PT que assume o governo federal por três mandatos consecutivos, procura implementar então essas políticas sociais mais vinculadas ao estabelecimento de uma maior justiça social. Isto é, a bandeira das liberdades individuais e políticas, uma vez assegurada no texto constitucional, fica um pouco deixada de lado.
Quando tem essas liberdades individuais e políticas asseguradas no texto constitucional, garantidas pelo ordenamento jurídico, os governos associados à esquerda procuram implementar políticas sociais, para que essas liberdades não sejam apenas formais, mas que possam de fato se materializar com as condições materiais que são necessárias. A oposição a esses governos de esquerda, em particular aquilo que vai surgindo, essa nova direita, que chamamos de extrema-direita ou direita radical, percebe que essa bandeira da liberdade ficou meio de lado. De forma que eles aproveitam e tomam essa bandeira tentando argumentar e mostrar que essas políticas públicas, que procuram estabelecer uma maior justiça social, colocam em risco as liberdades – eles sempre retomam esse debate ideológico do período após a Segunda guerra. É nesse sentido que esses apoiadores da ditadura civil-militar hoje se tornam porta-vozes da liberdade, claro que distorcendo o sentido de liberdade e não entendo que essa liberdade formal, para que possa se concretizar, necessita das condições materiais necessárias.
Assim, ela arroga ser defensora da liberdade porque essas políticas públicas que têm como objetivo estabelecer maior igualdade, para que se realizem, atentam contra as liberdades. Com isso, opõe liberdade e igualdade, ou seja, não se pode, em nome da igualdade social, abrir mão de determinadas liberdades. Então, eles se tornam porta-vozes da defesa da liberdade.
IHU – Que tipo de distorção semântica faz com que em uma mesma frase caiba a defesa pela liberdade e o repúdio ao aborto, à pluralidade de gênero, a legalização das drogas, etc.?
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros – A distorção semântica é aquela que já tentei apontar anteriormente. A extrema-direita toma uma concepção claramente identificada na tradição liberal, mas distorce seu sentido. E distorce o sentido tentando retirar tudo aquilo que os autores liberais colocavam como limites à liberdade e passam a defender a necessidade de uma liberdade absoluta, sem limites. É claro que essa liberdade absoluta e sem limite é utilizada de maneira ideológica para alcançar o objetivo claro desses porta-vozes da extrema-direita, que é o estabelecimento de regimes autoritários. Eles querem defender liberdades individuais de ir e vir, de expressão sem qualquer tipo de limite no sentido que se possa expressar a opinião individual mesmo que isso vai ferir a dignidade humana ou mesmo que isso atente contra a dignidade de determinados grupos ou incite o ódio ou a violência, a liberdade de portar armas etc. Eles defendem essa liberdade como se não tivesse limites e, ao mesmo tempo, acabam repudiando determinadas liberdades que associam àquilo que é contrário aos chamados “bons-costumes”.
Os regimes de extrema-direita se anunciam como liberais na economia, no sentido da defesa das liberdades individuais, mas, ao mesmo tempo conservadores nos usos e nos costumes. Então, tudo o que atenta contra esses usos e costumes de uma sociedade cristã mais tradicional, como o caso do aborto, da pluralidade de gênero e da legalização das drogas, acabam sendo atacadas. Porque, para eles, não seriam liberdades, mas libertinagens, atentados contra os valores que eles desejam conservar. É nesse sentido que distorção semântica funciona, que acaba gerando frases completamente contraditórias, onde ao mesmo tempo se defende liberdades individuais e repudia o aborto ou a legalização das drogas.
IHU – Até que ponto o liberalismo e o neoliberalismo transformaram a noção de liberdade em uma coisa anódina e esteio do extremismo político contemporâneo?
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros – Inicialmente é preciso observar que não existe um liberalismo. Do meu ponto de vista, o liberalismo, assim como outras doutrinas políticas como o comunismo, o socialismo e o republicanismo sempre devem ser ditos no plural: liberalismos. O que quer dizer é que existem várias vertentes dentro do pensamento liberal. Para ficar apenas no exemplo da nossa contemporaneidade, o liberalismo libertário de autores como Robert Nozick, opõe-se ao liberalismo igualitário de autores como John Rawls. Embora Nozick e Rawls sejam autores liberais, os seus programas político e econômico são muito distintos. É importante ter essa dimensão de que existem várias vertentes dentro da tradição liberal.
O que se convencionou a chamar de neoliberalismo é esse movimento de alguns autores depois da Segunda Guerra, que procuram radicalizar o neoliberalismo, em particular no seu aspecto econômico. Nós podemos dizer que, mais do que o liberalismo, o neoliberalismo acaba não transformando propriamente a noção de liberdade, mas acaba acentuando essa ideia das liberdades individuais. O que acontece é justamente o fato de uma extrema-direita que se apropria dessa condição de radicalização das liberdades individuais, distorce seu sentido e passa a defender um tipo de liberdade que não está nem na tradição liberal e nem nos defensores do neoliberalismo. É uma apropriação indevida que a extrema-direita faz do conceito de liberdade.
IHU – Deseja acrescentar algo?
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros – É preciso observar que a oposição entre a liberdade negativa, em geral associada à tradição liberal, e liberdade positiva, em geral associada aos regimes socialistas, foi gerada dentro de um contexto da Guerra fria. Portanto, serviu de maneira ideológica para a defesa das chamadas democracias ocidentais, contra os regimes socialistas do Leste Europeu. É possível pensar a liberdade de outra maneira sem recorrer a esses conceitos de liberdade positiva ou negativa e sem me aprender apenas à tradição liberal ou à tradição socialista.
Nas últimas décadas por exemplo, vários historiadores do pensamento político e teóricos políticos têm tratado de uma outra concepção de liberdade, que está presente em outra tradição política, que não a liberal ou a socialista. Esse conceito de liberdade não seria definido pela ausência de interferência, como na tradição liberal, nem seria definido pela autodeterminação da tradição socialista. Esse outro conceito de liberdade, que estaria presente na tradição republicana, se definiria pela ausência de dominação.
O conceito de liberdade republicano teria uma riqueza maior na medida que não basta apenas ter uma ausência de interferência para ser livre, pode não ter a interferência, mas ela pode ter a possibilidade de existir. Basta alguém estar sujeito ou vulnerável a esta possibilidade para que este não seja mais livre. Então, precisa de um conceito mais robusto de liberdade. Da mesma maneira, a autodeterminação necessita que haja essa ausência de dominação. Então, temos essa outra forma de pensar o conceito de liberdade que talvez seja mais rica do que esta dicotomia, esta oposição entre liberdade negativa e liberdade positiva.
# Assista ao trailer (Youtube) e ouça a trilha (Spotfy)
Trilha sonora para um golpe de estado, documentário magistral do holandes Johan Grimonprez, estuda as relações complexas entre o jazz negro dos EUA, a Guerra Fria e a difícil luta do Congo por sua independência. # Leia mais em Café História
Leia também Milton Rondó: A relação do doc com a trilha sonora (Carta Capital)
Um dos mais respeitados intérpretes do Brasil, o cineasta, produtor e escritor Cacá Diegues traduziu em filmes a identidade social, política e cultural do povo brasileiro. Alagoano que mora no Rio de Janeiro desde criança, e um dos fundadores do Cinema Novo, Diegues foi indicado três vezes à Palma de Ouro do Festival de Cannes, à qual concorreu com Bye bye Brasil (1980), Quilombo (1984) e Um trem para as estrelas (1987).
# Continue a leitura em Cobogó. # Leia também a matéria do G1 sobre Cacá Diegues # E ainda o clipping do site sobre Cacá
# Alemanha, 1934; EUA, 2025.
Musk fala em impeachnent de juízes e Casa Branca os acusa de abuso de poder (Folha)
# Para o fascismo, todo mundo é a mesma coisa
Google remove datas ligadas à desidade nos EUA (Uol)
# Delírio
Musk diz que EUA ajudaram Lula a derrotar Bolsonaro em 2022 (247)
# O Demiurgo
Trump e a ordem do caos: os destinos do mundo ligados a um só homem (IHU)
# Liderado pelo Brasil, Brics manda recado de união frente as emeaças de Trump. Letícia Casado (Uol)
# A China zomba dos ajustes fiscais
Financiamento da infraestrutura e bem-estar. Agora, a mesma coisa pela tecnologia de ponta. Elias Jabbour (Outras Palavras)
A taxa de inflação nos EUA sobe em janeiro e abre especulações no mercado sobre a capacidade de Donald Trump de aplicar medidas protecionistas, diante de suas promessas de reduzir o custo de vida para os americanos…
# Leia Jamil Chade (Uol)
A utopia reacionária do Estado mínimo voltou ao centro da cena política do Cone Sul com a ascensão do ultraliberal Javier Milei à presidência da Argentina. João Quartim de Moraes, A Terra é redonda (acesse)
1.
A burguesia é espontaneamente privatista: sua posição de classe se determina pela propriedade privada dos meios de produção, grandes, médios e pequenos. O Estado é público. Como a República. As modalidades mais mesquinhas e filisteias da mentalidade burguesa preconizam reduzir a função do Estado à manutenção da ordem pública, que elas identificam à defesa da propriedade. O peso político dessa mentalidade reacionária tende a crescer com os avanços da direita, embora nem toda a direita seja “anarco-capitalista”.
A utopia reacionária do Estado mínimo voltou ao centro da cena política do Cone Sul com a ascensão do ultraliberal Javier Milei à presidência da Argentina. Demagogo agressivo, sem medo de proclamar chavões mofados, ele se dispôs a desmantelar tudo que na esfera pública excedia as funções repressivas da máquina estatal, mostrando para que serve a retórica “anti-autoritária”e anti-estatal da vulgata ideológica burguesa.
Evidentemente, seu antiestatismo não vai a ponto de prescindir da polícia e de tropas de choque para dissolver manifestações de protesto. Declarou pretender dolarizar a Argentina, como já tentara seu predecessor Carlos Menem, de infausta memória. Conseguiu fazer baixar a inflação de 211,4% em 2023 a 111,87% em 2024, mas com um custo econômico e social elevadíssimo. Mais da metade da população argentina se encontra abaixo da linha da pobreza; 18% está reduzida à indigência. Mais uma vez confirma-se: Estado mínimo= pobreza máxima.
2.
Como assinalamos no artigo anterior desta série “A ditadura e a estatização capitalista” a expectativa de que a ditadura militar desencadeasse uma privatização em larga escala das empresas estatais não se concretizou. Ao contrário. No suplemento anual intitulado “Quem é quem” (na economia brasileira), relativo a 1975, a revista econômica Visão apresentou uma classificação das 100 maiores empresas do Brasil durante o período 1968-1974, segundo a propriedade do capital.
Neste período, as estrangeiras baixaram de 37 a 27; as nacionais ficaram entre 26 e 28 e as estatais avançaram de 37 a 45. Não foi, pois, em detrimento das empresas nacionais, mas das estrangeiras, que o capitalismo estatal avançou. Não obstante, como também mencionamos em “A ditadura e a estatização capitalista”, o ideólogo ultraliberal Eugenio Gudin lançou, no final de 1974, uma campanha contra a estatização da economia que teve forte apoio da alta burguesia paulista.
Quatro anos antes de Eugenio Gudin, os banqueiros já haviam desencadeado protestos contra o avanço da “estatização” do crédito. Otávio Gouvea de Bulhões, outro liberal reacionário, que tinha sido ministro da Fazenda do ditador Castelo Branco, declarou à revista Visão de 6 de junho de 1970 que os bancos privados não podiam mais contar com depósitos a prazo “por causa da ingerência dos bancos estatais”.
Daí a multiplicação de agências privadas para recolher depósitos de pequenos poupadores. O número dessas agências passou de 2.411 em 1950 a 5.820 em 1969. Isso explicaria, segundo Bulhões, o aumento do custo dos serviços bancários. Logo em seguida, Mundo Econômico (de julho-agosto 1970) publicou um grande estudo sobre “o avanço da estatização”, analisando sob múltiplos aspectos esse “fato inquietante”, particularmente a respeito da “estatização do crédito”. Com efeito, nada mais inquietante para os banqueiros e seus prepostos do que perder os ganhos de financiamentos à atividade econômica.
Os industriais não manifestaram apoio ao protesto dos banqueiros por uma razão muito simples. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), fundado em 20 de junho de 1952, quando Getúlio Vargas era presidente, financiava as empresas nacionais com juros bem inferiores aos do mercado de capitais. Em 1962, o BNDES financiava cerca de 2,2% da formação bruta do capital fixo no Brasil. No final de 1974, quando começava a campanha privatista, a participação do BNDES no financiamento do capital fixo passara a 8%.
Só um estudo acurado do financiamento da indústria no momento em que Eugenio Gudin lançou seu grito de guerra contra a estatização pode mostrar se os grandes industriais tinham ou não motivos econômicos para se juntar ao movimento. Parece-nos que foram sobretudo as dificuldades da balança comercial e do endividamento externo (legado de Delfim Neto, vale insistir), bem como a queda da taxa de crescimento da economia, que juntaram os setores de mais peso da burguesia na campanha privatista.
Reforçando a campanha liberal, o jornal O Estado de São Paulo lançou uma série de onze grandes artigos sobre os “caminhos da estatização”, publicados de 16 de fevereiro a 2 de março de 1975. Os artigos examinam a presença do Estado nos diferentes setores da economia: sistema bancário, comunicações, transportes, mineração, siderurgia etc. Em campanha muito bem orquestrada, o jornal multiplicou as reportagens, entrevistas, investigações, artigos de fundo, editorias, documentos e tomadas de posição do governo e do patronato.
Os círculos dirigentes da grande indústria aderiram à campanha: a FIESP difundiu um comunicado, na comemoração de 7 de setembro de 1975, lamentando que o Estado estava intervindo “em setores tradicionalmente deixados à iniciativa privada”. O Estado de São Paulo, com sua tenacidade reacionária, retomou a campanha publicando mais uma série de artigos de 4 a 7 de março de 1976.
Os títulos dispensam comentários: “Maior que a Petrobrás, só o Brasil” (5/3); “Os tecnocratas no poder” (7/3). Além de Geisel, o principal “tecnocrata no poder” era o ministro da Planificação Reis Veloso. Este respondeu às críticas observando que as empresas estatais, embora dispusessem de 49,5 dos ativos em uma amostragem de 1.000 empresas grandes e médias, tinham um faturamento de apenas 23% do total, porque operavam em setores que exigiam fortes investimentos fixos com lenta maturação do capital investido.
A importância, ontem e hoje, do debate sobre a estatização no capitalismo parece-nos suficientemente evidente para dispensar argumentos comprobatórios. Ainda assim, não deixa de ser interessante assinalar que Werner Baer, um dos mais prestigiosos “brasilianistas” estadunidenses, consultor da Ford Foundation e, portanto, insuspeito de qualquer simpatia pelo estatismo, publicou em Visão (42),4, 26 de fevereiro de 1973, o artigo “Uma visão de fora: como e porque houve o ‘boom’ econômico de 1968”.
Ele ali declara categoricamente que os investimentos do setor estatal em energia elétrica, siderurgia, petroquímica, rodovias e construção “constituíram os principais fatores do ‘boom’ econômico (de 1968-1972)”, acrescentando que “o comportamento eficaz e agressivo das empresas governamentais […] constitui a chave do ‘boom’ ” .
*João Quartim de Moraes é professor titular aposentado do Departamento de Filosofia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Lênin: uma introdução (Boitempo). [https://amzn.to/4fErZPX]
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O procurador-geral da República, Paulo Gonet, deve apresentar nos próximos dias a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo informações publicadas pela jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo. De acordo com a colunista, Gonet sinalizou a interlocutores nesta semana que o documento está praticamente finalizado e pronto para ser oficializado (leia mais no 247)
O maior canalha da nossa história na prisão - e que Deus nos ouça
Leia também: # Morte de JK vai ter nova investigação # Conselho recomenda que militares que mataram Rubens Paiva sejam declarados indignos # Reinaldo Azevedo e a direita (Wilson Gomes, Cult)
Paradoxo: na era das plataformas, a produção científica revive relações medievais. As Big Techs são os novos suseranos; os pesquisadores sujeitam-se a obrigações típicas dos servos. Tudo pode piorar com Trump e a manipulação da IA. Sabine Pompeia e Luis Marques (acesse)
Título original:
Como a ciência, em trabalho análogo à servidão, serve às Big Techs
Já na primeira semana de seu novo governo, Donald Trump tomou múltiplas medidas para assegurar um aumento da concentração da riqueza nas mãos de bilionários cibernéticos. Isto incluiu a nomeação de magnatas do setor de inteligência artificial (IA) para comandar vários setores do governo dos Estados Unidos, bem como para integrar o Conselho do Presidente para a Ciência e Tecnologia (President’s Council of Advisors on Science and Technology, PCAST)i. Muito se tem alertado sobre como as Big Techs manipulam a política, os mercados e a sociedade, com consequências desastrosas para a manutenção da democracia. Isso é evidentemente verdade, mas não é o foco deste artigo.. O que não tem recebido a devida atenção é como essa engrenagem se associa ao controle das Big Techs sobre os meios de produção e disseminação de conteúdo intelectual gerado com recursos públicos, pois conhecimentos científicos e tecnológicos formam a própria base de domínio generalizado da plutocracia do Vale do Silício, com graves consequências para a humanidade. Esse poderio cibernético assemelha-se ao exercido por senhores feudais na Idade média, razão pela qual a versão atual da estrutura social de nossos dias tem sido chamada de neomedievalismo, neofeudalismo, refeudalização, ou mesmo feudalismo pós-capitalista, moderno, corporativo, informacional, cognitivo, cibernético, de dados, algorítmico, de vigilância e/ou plataformizado.
Com efeito, enquanto nos últimos anos mais de 50% da população mundial ficou mais pobre, dobrou a fortuna das cinco pessoas mais ricas do planeta, quatro das quais são controladores de tecnologia digitalii. Embora a distância entre ricos e pobres na pirâmide da riqueza e renda atual não tenha precedentes na história, a imobilidade social observada hoje assemelha-se à da era medievaliii. Tal como, outrora, os senhores feudais controlavam a política, os valores e crenças da sociedade por deterem terras e infraestrutura agrícola, por cujo uso cobravam tributos – assim também nossa sociedade é dominada pela minúscula elite que detém a assim chamada “nuvem”, ou infraestrutura digital. Esta analogia tem, como todas, seus limites evidentes, mas não é escopo deste texto analisá-los. O que se propõe a fazer aqui é discutir os paralelos entre o domínio e apropriação do produto do trabalho e dos serviços dos servos da gleba pelos senhores feudais e o que tem ocorrido na ciência: a apropriação de conteúdo intelectual gerado na comunidade científica por empresas do ramo digital (um oligopólio de empresas envolvidas na produção e disseminação de conhecimentos científicos e as Big Techs), bem como suas causas e consequências.
Para traçar um paralelo entre o feudalismo medieval e o cibernético aplicado à ciência e suas consequências, é preciso recapitular, de forma muito esquemática, os mecanismos pelos quais o excedente produzido pelos camponeses era apropriado pelos senhores de terras na Idade Média. Obviamente, este paralelo tem apenas um caráter didático e não pretende sequer tangenciar a complexidade imensa da diversidade histórico-geográfica e do debate historiográfico atual sobre o feudalismoiv.
Desde os anos 1970, historiadores como George Duby e Jacques Le Goff, entre muitos outros, aplicaram à sociedade feudal europeia o esquema ideal e simbólico proposto por Georges Dumézil das três funções indo-europeias, que podem ser assumidas, sociologicamente, também por três estamentos ou grupos sociais fundamentaisv. O primeiro assume o poder político, o uso da força e da potência guerreira (o senhor feudal, no âmbito de um sistema nobiliárquico fortemente hierarquizado entre vassalos e suseranos). O segundo diz respeito ao domínio do sagrado e do simbólico (o poder eclesiástico, secular e regular) e o terceiro refere-se ao corpo social majoritário situado na base dessa triangulação, que assume as funções de fecundidade e de alimentação (o camponês ou servo da gleba).
Suseranos (imperadores e alta nobreza) detinham controle sobre terras, estradas e pontes, bem como sobre a infraestrutura agrícola (moinhos, arados) e podiam ceder a seus vassalos o direito de explorar esses bens. Suseranos e vassalos eram ligados por laços e ritos de homenagem e fidelidade recíproca (econômica, política, militar, pessoal e simbólica). Este poder fundiário articulava-se ao poder eclesiástico, que o legitimava e sacralizava. O poder eclesiástico detinha controle sobre a esfera do simbólico e do religioso, ou seja, sobre a transmissão do saber consignado nos textos, bem como sobre a ortodoxia religiosa, ritos litúrgicos, o calendário de festas sacras, as crenças, valores espirituais, costumes e normas que regiam a sociedade e lhe conferia um senso de identidade. Seu dirigente máximo, o Papa, também podia agir como suserano e alocar terras e bens da igreja a cardeais e a bispos vassalos, de origem igualmente nobiliárquica. Esses dois estamentos sociais, frequentemente oriundos das mesmas famílias, exploravam em conjunto a base da sociedade feudal, responsável pela produção de riqueza agropecuária e artesanal, isto é, os servos da gleba, os quais, em contrapartida, recebiam moradia, segurança e acesso a pequenas porções de terras que podiam cultivar por conta própria (mansos servis) para assegurar sua sobrevivência.
Hoje, as Big Techs agem como suseranos por deterem o equivalente a terras e infraestrutura nos tempos medievais, isto é, a “nuvem”, central a todas as atividades informacionais, político-econômicas e sociais da atualidade. As Big Techs são hoje principalmente sete companhias estadunidenses, chamadas as “Sete Magníficas” (Magnificent Seven): Amazon, Alphabet (proprietária do Google e do Youtube), Microsoft, Meta (proprietária do Facebook, Instagram e Whatsapp), Apple, Nvidia e Tesla. Além delas, há quatro corporações chinesas: Baidu, Alibaba, Tencent e a Xiaomi (BATX). Estas onze megacorporações desfrutam do status de Titãs do ramo da tecnologia da informação por oferecerem quatro tipos de serviços pelos quais cobram de diversas formasvi: (a) infraestrutura (para o processamento de dados/informações, como a Amazon Web Services, o Google Cloud Space e o Microsoft Azure), (b) software/aplicativos, (c) dados (como de saúde, localização, histórico de buscas e compras etc.) e (d) plataformas de vários tipos: de busca de informações (Google), repositórios (Youtube), comunicação (Whatsapp), socialização online (Facebook), pagamentos (Paypal) e vendas (Amazon Marketplace). Estes serviços são empregados por toda sorte de empresas que operam ou têm presença online. Por exemplo, somente três dessas empresas (Amazon, Google e Microsoft), concentram hoje 64% de todo o mercado de serviços de infraestrutura na nuvemvii.
Ao usar esses serviços, empresas e Estados que os alugam tornam-se “parceiros” das Big Techs. Trata-se, obviamente, de um eufemismo. Os contratos envolvidos têm cláusulas leoninas6 que determinam, por exemplo, quanto cada empresa pode cobrar por seus produtos ou serviços. Além disso, esses contratos, via de regra, exigem o compartilhamento com as Big Techs dos dados que seus clientes coletam. Tais informações, que incluem dados pessoais, preferências, valores e hábitos dos usuários, são usadas por ferramentas de inteligência artificial (algoritmos) de empresas que operam na nuvem para “aperfeiçoar” seus serviços, outro eufemismo. Aperfeiçoar significa, neste contexto, aumentar rendimentos dessas empresas apresentando a cada internauta (pessoa física ou jurídica) o que ele ou ela terá maior chance de consumir. Quanto mais dados são coletados, melhor são treinados tais algoritmos que, por sua vez, influenciam as escolhas subsequentes dos usuários de forma cada vez mais individualizada.
Este mecanismo, portanto, viabiliza um tipo de domínio social, político e econômico jamais experimentado pela humanidade que se dá por meio de cobrança por serviços e produtos, cobranças não monetizadas por meio de usurpação de dados pessoais de internautas, bem como manipulação comportamental customizada. Tem-se usado o termo tecnofeudalismo para descrever este sistema em livros (ainda indisponíveis em português) como “Tecnofeudalismo: Crítica de uma Economia Digital” viii, de Cédric Durand, da Universidade de Genebra e “Tecnofeudalismo: o que Matou o Capitalismo”ix, do economista, político e acadêmico grego Yanis Varoufakis. Não é nosso ponto discutir se o capitalismo foi superado, como argumenta Varoufakis, ou se continuamos a viver sob um sistema capitalista, ideia defendida, entre outros, por Eleutério Prado, da Universidade de São Paulox. Independentemente disso, a analogia entre o feudalismo medieval e o sistema atual de apropriação de conhecimentos científicos é notável e não costuma ser discutida, embora seja parte do motor desta nova ordem social. Como já bem o intuía o conhecido aforisma de Francis Baconxi, o conhecimento é, ele próprio, poder (ipsa scientia potestas est). Isso é tanto mais verdadeiro em nossos dias, pois o fato de deter dados, conhecimento e tecnologia digital significa, mais do que nunca, ter poder.
Convém explicitar que a nuvem não se vale apenas de tecnologia imaterial (softwares, aplicativos e algoritmos), pois pressupõe a existência de hardware de natureza física e não etérea: terminais empregados pelos usuários (telefones e relógios smart, computadores, laptops etc.), todos os cabos de internet, roteadores, antenas e afins, equipamentos necessários para a produção e transmissão de energia elétrica (incluindo turbinas eólicas e parques fotovoltaicos para geração de energia “renovável”) e os servidores que processam, armazenam e transmitem dados. Estima-sexii que a produção e uso de tecnologias de comunicação de informações consomem entre 6% e 12% de toda a eletricidade gerada no planeta e são responsáveis por emissões globais de carbono que quase equivalem à emitida por países como a Rússia. Além disso, essa infraestrutura12 não é renovável, envolve queima de combustíveis fosseis, mineração e produção de plásticos em altíssima escala e gera, consequentemente, vastas quantidades de resíduos não recicláveis e tóxicos, além de consumir água para a refrigeração dos servidores de modo absolutamente insustentável.
Todos estes graves danos ambientais, assim como a importância da centralização de dados e conhecimentos científicos e tecnológicos acima mencionados, aplicam-se não somente aos serviços informacionais ofertados pelas Big Techs; estendem-se também a outros produtos que comercializam, pois estas empresas têm participação tentacular em muitos setores econômicosxiii, como nas áreas de financeirização, medicina (notadamente no ramo farmacêutico), engenharia e física (como a indústria automobilística e de satélites), para dar apenas alguns exemplos.
O paralelo entre o sistema de funções tripartites da sociedade feudal com a produção científica no mundo contemporâneo salta aos olhos, de onde a possibilidade de designá-la como uma espécie de feudalismo científico-digital ou, para brevidade, um cientofeudalismo digital. As Big Techs operam como suseranos que têm como vassalos um grupo de empresas que controlam toda a cadeia de produção e divulgação de ciência de forma digital. Essas empresas formam um oligopólioxiv que inclui, preponderantemente, a Elsevier, a Springer Nature, a John Wiley & Sons, a Taylor & Francis e a SAGE Publications. Estas companhias começaram como editoras que detinham revistas/periódicos onde artigos científicos eram publicados. Porém, desde o lançamento da internet, elas passaram a integrar subsidiárias e/ou ofertar serviços que não apenas permitem a publicação de artigos, mas também a coleta, análise e arquivamento de dados de pesquisa, a busca por artigos, a avaliação de mérito científico de suas próprias revistas e dos cientistas, entre outros. Isso foi possível graças a integrações horizontais (fusões com e/ou compra de editoras menores) e verticais (controle sobre todo os níveis do processo de produção de conhecimento científico e tecnológico)xv. A ciência hoje é toda plataformizadaxvi e, em geral, envolve esse tipo de domínio empresarial.
Por sua vez, servem como servos da gleba a este oligopólio e às Big Techs os cientistas e os Estados que os financiam, diretamente por meio de salários e infraestrutura física, e indiretamente através de agências de fomento à pesquisa. Esse bloco de poder, ligado por uma relação de suserania e vassalagem, detém controle ciber-espacial sobre feudos digitais capazes de inviabilizar qualquer tentativa de fazer ciência em formatos alternativos. Ele lucra cobrando pelo uso das ferramentas nuviosas que controla, usadas na produção e disseminação de conhecimentos. Não participa do processo de produção deste conhecimento, tal como outrora os senhores feudais dominavam a riqueza produzida por servos da gleba. A servidão dos cientistas neste cenário se dá por meio de pagamentos de vários tipos de tributos cobrados por essas megaempresas, cujos paralelos no universo medieval serão exemplificados abaixo. Embora o mesmo se aplique a outros setores de produção intelectual e artística (jornalismo, literatura, música etc.), estes não serão aqui exploradas, pois têm diferentes consequências.
Revistas científicas existem há mais de 350 anos e o processo de publicação de artigos nestes periódicos permanece essencialmente o mesmo desde então, com algumas exceções13. Hoje, textos científicos estão disponíveis na nuvem (e não mais exclusivamente em papel) e incluem obras que ainda não foram chanceladas com um selo de qualidade científica (aprovadas pela revisão por pares), como é o caso de preprints (postagens online de textos antes de serem publicados como artigo) e artigos que aparecem em revistas que só visam lucros em publicar (revistas predatórias). Estes tipos de textos científicos não serão aqui tratados. Focaremos somente em artigos que atendem a padrões de rigor de avaliação científica, atualmente disponíveis online em um de dois modelos alternativos de publicação13:
(a) a forma tradicional, em que os cientistas não pagam para publicar, mas pagam para ler artigos científicos, forma predominante até o final do século XX;
(b) uma forma emergente, particularmente na última década, em que os cientistas não pagam para ler artigos, mas pagam para publicar, isto é, para que suas obras sejam disponibilizadas de forma livre, gratuita (open access).
Ambos os modelos, explicados em detalhe adiante, garantem às empresas do oligopólio editorial taxas de lucro que chegam a beirar 40%, como é o caso da Elsevierxvii. Estamos falando de taxas de lucro maiores até mesmo do que as taxas auferidas por megaempresas digitais como o Google e a Apple. Essas taxas são obtidas graças ao controle desse setor editorial sobre o empreendimento científico, o que lhe permite cobrar cada vez mais caro para que se possa ler os artigos que publicam (em média cerca de US$ 40 por artigo), bem como para publicá-los (chegando a mais de US$ 12 mil por artigo), com considerável ônus para países do Sul Globalxviii.
Examinemos, agora, as diversas formas de apropriação do trabalho científico de parte deste oligopólio, abaixo consideradas em paralelo com o sistema feudal de apropriação do trabalho e dos frutos do trabalho dos servos da gleba. Em seguida, trataremos do papel das Big Techs nesta equação. De tais comparações, desponta que o servilismo imposto a cientistas é, por vezes, até pior do que os tributos impostos aos servos da gleba.
A Talha
A talha era um tributo cobrado dos servos pelos senhores feudais que correspondia a uma porcentagem da colheita cultivada pelos próprios servos nas pequenas porções de terras (mansos) a eles concedidas por estes senhores. Diferentemente, a depender do modelo de publicação de artigos, a talha imposta por empresas digitais a pesquisadores equivale à totalidade do que os cientistas produzem ou até mais, por mais irreal que isso possa parecer.
Na forma tradicional de publicações, o conteúdo dos artigos é acessível ao cientista apenas sob pagamento às editoras, que controlam o acesso online por meio de paywall. Embora, nesse modelo, essas editoras não cobrem os autores para publicar seus artigos, elas exigem que os pesquisadores transfiram-lhes os direitos autorais das obras, o que lhes permite auferir 100% dos rendimentos da venda do acesso a estes trabalhos, incluindo uso secundário deste conhecimento, como qualquer divulgação de gráficos ou ilustrações contidos nesses artigos. Esse oligopólio se apropria da totalidade desses rendimentos por possuir as plataformas digitais em que são produzidos, submetidos, avaliados e depositados os artigos científicos, embora não financiem as pesquisas e nem participem da produção intelectual do que vendem.
Atenção: disto decorre que os direitos autorais do conteúdo intelectual (científico e tecnológico) de todos os artigos publicados sob este modelo pertence a companhias privadas. Isso inclui praticamente todos os artigos publicados até o fim do século XX e boa parte dos publicados desde então, embora tenham sido produzidos com recursos advindos de impostos.
O papel das editoras científicas é meramente intermediar e reger a relação entre autores que querem publicar e aqueles encarregados do árduo trabalho de examinar a qualidade científica desses trabalhos, isto é, os editores científicos (editors), que decidem o que será publicado, e outros especialistas que fazem a revisão de sua qualidade (revisão por pares). Uma vez concluídas todas as etapas desse longo processo, os custos dessas empresas são, portanto, baixos18: além dessa intermediação, elas apenas diagramam os artigos e os postam em suas plataformas digitais.
Em contraste, os gastos da produção de ciência são altos e majoritariamente arcados pela receita fiscal dos Estados da maior parte das nações. Por exemplo, no caso do Brasil, segundo o relatório da Clarivate Analyticsxix, 90% dos artigos científicos publicados entre 2011 e 2016 são obras de cientistas que trabalham e/ou estudam em 20 universidades públicas. Isto significa que recursos públicos são usados para pagar os salários e bolsas dos pesquisadores e pessoal técnico envolvidos em pesquisa, assim como para manter as instalações e laboratórios para este fim. Os parcos recursos para custear cada pesquisa advêm também de órgãos ou fundações de fomento à pesquisa governamentais, Federais e/ou Estaduais, para o usufruto dos quais há crescente competição na comunidade científica. Além destes gastos, para que os pesquisadores brasileiros possam ler estes artigos são investidos cerca de R$550 milhõesxx anuais de verbas públicas para pagar assinaturas de revistas científicas (juntamente com alguns outros serviços), nas quais há muitos artigos que foram financiados por nosso próprio Estado.
Examinemos agora o correspondente à talha no caso de publicações que seguem o segundo modelo de publicação de artigos, no qual não se paga para ler, mas para publicar, uma forma de publicação que tem crescido substancialmente nos últimos anos18. Esse pagamento é feito sob a rubrica taxas de processamento de artigos, ou article processing charges (APCs). Há estimativas de que o Estado brasileiro esteja desembolsando para isso mais de US$$ 37 milhões por anoxxi. Isto se justifica pelo fato de que acesso aberto e livre a conteúdo científico está de acordo com os preceitos do movimento de ciência abertaxxii, que visa aumentar o impacto de produções científicas, democratizar a ciência, e permitir o cumprimento da Agenda 2030 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
A despeito disso, pagar APCs corresponde a uma talha maior do que doar a totalidade do conhecimento produzido, como ocorre no caso de publicações tradicionais, cujos direitos autorais pertencem às revistas. Seria como fazer com que os servos da gleba tivessem que pagar para que os senhores feudais doassem toda a parte da colheita que pertence aos servos e foi gerada por seu próprio trabalho. Isto é ainda mais grave se for considerado que o financiamento da produção científica é assegurado por recursos públicos, que cobrem também os custos de uso da infraestrutura digital plataformizada pertencente ao oligopólio de publicações (ou a empresas parceiras) para produzir e armazenar conteúdo científico.
Mais ainda, embora nesse segundo modelo de publicação as editoras não recebam pagamentos pela leitura dos artigos que publicam, os autores destas obras e seus financiadores não recebem remuneração financeira pelo fruto de seu trabalho e pelos recursos estatais envolvidos. Isto acontece porque tais publicações são geralmente condicionadas a serem publicadas com licenças de direitos autorais do tipo Creative Commons By (CC By). Neste modelo, os autores detêm os direitos autorais, mas é permitido que outras pessoas distribuam, remixem, adaptem e criem a partir do conteúdo licenciado, mesmo para fins comerciais, desde que o crédito da autoria seja reconhecido. Em outras palavras, qualquer um – inclusive as megaempresas que ofertam serviços de produção e disseminação de ciência e Big Techs, cujos serviços são alugados por este oligopólio – pode lucrar com produtos derivados destes trabalhos pelos quais as editoras já cobraram APCs.
A corveia
A corveia era um tributo feudal na forma de trabalho, sem vencimentos, a ser realizado pelos servos nas propriedades dos senhores (reserva senhorial), sendo que o resultado desse trabalho cabia exclusivamente aos controladores de terras. Algo parecido também ocorre na ciência, já que o controle de qualidade de artigos publicados pelas editoras, e pelos quais elas lucram, é realizado gratuitamente por outros cientistas. A revisão por pares é trabalho não pago e, se fosse, estima-se que custaria em torno de US$ 1,1-1,7 bilhão por anoxxiii. Boa parte dos editores científicos (editors)também não são pagos e os que são empregados por editoras recebem valores muito abaixo de sua qualificação, pois ganham nos EUA em média US$ 33/hora, enquanto a remuneração de cientistas com titulação de doutor (PhD), requerida para ser um editor, é de US$ 68/horaxxiv. Cientistas também trabalham de graça fazendo propaganda, isto é, promovendo os produtos destas empresas quando citam trabalhos publicados por colegas.
As banalidades e a mão-morta
As banalidades eram tributos pagos por servos a senhores feudais pela utilização de ferramentas e/ou infraestrutura sob poder dos senhores, como moinho e arado, além de pedágio pelo uso de estradas e pontes. No caso do empreendimento científico atual, os pesquisadores/Estados também devem pagar assinaturas para poder usar uma grande variedade de serviços digitais da ciência, hoje plataformizada, já que ferramentas online são usadas para publicar e ler artigos, coletar, analisar e armazenar dados de pesquisa, buscar e redigir artigos, trocar informações em redes sociais de cientistas etc.
Grande parte de tais serviços pertence às mesmas empresas do setor de publicações, formando um intricado ecossistema de serviços digitais acadêmicos mapeado pelo projeto Inovações na Comunicação Acadêmica (Innovations in Scholarly Communication), da biblioteca da Universidade de Utrechtxxv. Por exemplo, são subsidiários da Elsevier (e/ou de sua empresa mãe, a RELX): (a) o Scopus (base de dados de artigos que permite encontrar publicações), (b) o Mendeley (usado para escrever manuscritos), (c) centenas de periódicos (incluindo o repositório Social Science Research Network, SSRN, uma plataforma onde se pode postar e acessar preprints gratuitamente), (d) o CiteScore (que avalia o desempenho acadêmico de cientistas, revistas, instituições e países) e (e) o Newsflo (que perscruta citações na mídia).
Além de pagar assinaturas para usar parte da infraestrutura digital para fazer ciência (que correspondem às banalidades pagas por servos), a comunidade científica também paga, de forma não monetizada, cedendo informações acadêmicas e pessoais, sobre preferências e padrões de uso, coletadas enquanto usam estes serviços e que são empregadas para aperfeiçoá-los (melhor dizendo, aumentar lucros) por meio de algoritmização.
O mesmo tipo de pagamento por cessão de dados ocorre no que tange o correspondente científico do tributo medieval chamado mão-morta. Quando um servo chefe de família falecia, sua “identidade de servo” não era herdada. Para que o descendente que assumia a função de seu pai pudesse adquirir este status, era necessário que pagasse a seu senhor feudal este tributo. Para evitar a publicação de trabalhos de pesquisadores fantasma, cientistas também são obrigados a obter uma “identidade de pesquisador”, conferida por ferramentas digitais como o Open Researcher and Contributor ID (ORCID). É fato que não é necessário pagar o ORCID por isso, mas os dados pessoais e acadêmicos fornecidos para tanto são informações cedidas gratuitamente que podem ser empregadas para melhorar a algoritmização não só por parte desta empresa, mas também por suas parceiras (o oligopólio do setor de publicações e as Big Techs, donas da infraestrutura digital usada por ele).
4. O dízimo
O dízimo era uma porcentagem da produção pertencente aos próprios servos devida à igreja. Representava um agradecimento ao divino pelo privilégio da fé e que marcava a edificação dos princípios morais e sociais vigentes. No sistema atual de produção de ciência ocorre um paralelo, também de cunho imaterial e simbólico: a comunidade acadêmica paga caro pelo privilégio de se deixar avaliar por empresas associadas ao ramo de publicações que exploram seu trabalho, o que toma forma de métricas indicadoras de prestígio e/ou posições em rankings (índices cientométricos).
A natureza quase divina no meio acadêmico dessas métricas se explica pelo fato que elas são empregadas para direcionar as limitadas verbas públicas de pesquisa a cientistas (e/ou instituições) com “maior mérito”, sem as quais não é possível a um pesquisador permanecer em sua carreira. Exemplos dessas medidas de status acadêmico18 são o Scopus CiteScore (da Elsevier), o Journal Citation Report (JCR) e SCImago Journal Rank (SJR), ofertados por companhias parceiras ao oligopólio, e o Altmetrics, que mede citações na mídia (subsidiária de um dos dois acionistas principais do grupo Springer Nature, a Holtzbrinck Publishing Group); existem também rankings de prestígio científico, fornecidos pelas mesmas empresas, de produtividade de universidades, países e até do número de vezes que cientistas fazem revisão por pares (o que os incentiva a trabalhar de graça…).
As métricas principais usadas para avaliar a produtividade de pesquisadores e instituições acadêmicas são chamadas de índice ou fator de impacto de revistas científicas. Elas medem, essencialmente, a média de vezes que a totalidade dos artigos nelas publicados são citados em outras publicações em um dado período de tempo; ou seja, quanto os conhecimentos nelas contidas são valorizados pela comunidade acadêmica. Porém, a média de citações de artigos de uma revista (fator de impacto) não espelha as citações recebidas por cada artigo, pois há uma baixa correlação entre essas medidasxxvi. Em outras palavras, o fator/índice de impacto das revistas não reflete os méritos (qualidade, inovação etc.) de cada artigo individual nelas publicados e, portanto, tampouco os de seus autores. Assim sendo, não faz sentido que os pesquisadores sejam ranqueados segundo esse tipo de medida. Em contraste, há vantagens consideráveis para as editoras e suas parceiras de enaltecer estes indicadores simbólicos e fazer perdurar seu uso, pois quanto maior o fator de impacto de uma revista, maior é a probabilidade que ela atraia autores com resultados de ponta interessados em nela publicar. Esses artigos mais inovadores têm maior probabilidade de serem citados, o que, por sua vez, aumenta o índice de prestígio da revista.
Tal controle simbólico das métricas de mérito é reforçado com o uso de IA por parte das empresas digitais que operam neste setor, as quais continuamente coletam dados sobre crenças, valores e comportamentos dos pesquisadores por meio de dados que eles, sem perceber, concedem a estas companhias ao usar a nuvem para trabalhar. Com este círculo vicioso de autoaprendizado homem-máquina, os preceitos do que é considerado “boa ciência” são fabricados e manipulados, lucros são maximizados e o monopólio é mantido.
Quadro resumo dos paralelos entre o feudalismo medieval e o sistema feudalizado da ciência atual.
Prêmio
Moradia, proteção, acesso a terras para sustento próprio, manutenção de relação com o sistema de crenças
Obter prestígio acadêmico (imaterial), necessário para assegurar verbas para fazer pesquisa e permanecer na carreira (publicar para não perecer)
Ainda no século XVI, em seu “Discurso Sobre Servidão Voluntária”xxvii, Étienne de La Boétie já apontava que tiranos permanecem no poder enquanto seus subalternos lhes concedem este direito, deslegitimando formas alternativas de controle político. Também na Idade Média, as relações sociais entre senhores feudais e servos da gleba eram asseguradas não apenas pelo uso da força, mas também e sobretudo pelo consentimento, reforçado por valores religiosos e eclesiásticos. Observa-se um tipo comparável de consentimento na subserviência da comunidade acadêmica atual, que aceita, acredita e não faz pressão suficiente para se opor ao valor simbólico de prestígio acadêmico, isto é, índices de impacto de revistas científicas determinados por empresas a elas associadas. Hoje, essa passividade é compreensível, pois cientistas dependem de plataformas na nuvem destas companhias para trabalhar. Acontece que, mesmo antes da era digital, cientistas e Estados que financiavam a pesquisa já outorgavam a empresas privadas o direito de definir “mérito científico”.
As consequências potenciais disso são graves e não se limitam ao já mencionado controle dos direitos autorais de praticamente todo o conteúdo intelectual contido em todos os artigos publicados no modelo não aberto por empresas privadas. Tal modus operandi incentiva pesquisadores proeminentes, convidados a participar dos comitês de assessoramento responsáveis por alocar financiamentos de pesquisa a seus colegas, a perpetuar este sistema que os valoriza e empodera.
A pressão para publicar em revistas prestigiosas resulta também no aumento da crise de credibilidade da ciência. Apenas em 2023 foram retirados (retracted) mais de 10 mil artigos publicados, o que corresponde a 20% das 50 mil retratações já registradasxxviii. Segundo especialistas28, isto representa “apenas a ponta do iceberg” dos artigos fraudulentos e/ou com graves limitações (por má fé ou erros involuntários). Mais ainda, este mecanismo também exorta cientistas, instituições de pesquisa e Estados a privilegiar os temas de pesquisa que essas empresas consideram mais interessantes (para elas). Faz, ademais, com que pesquisadores tendam a dar ênfase demasiada à relevância de parte de seus achados para aumentar a probabilidade de que sejam publicados e mais citados, o que eleva o fator de impacto das revistas. Estimula também que pesquisadores evitem publicar artigos que tendam a ser menos citados. Isso inclui suprimir resultados que não se encaixam em teorias convencionais e/ou desencorajar replicações de resultados de pesquisas anteriores, um processo inerente à produção de consenso na ciência.
Estes vieses são potencialmente levados a extremos quando empresas que atuam por meio de e/ou detém controle da nuvem contratam pesquisadores que atuam em fundações públicas que fomentam pesquisa e/ou quando financiam eventos e/ou empreendimentos científicos realizados pela academia. Estas são práticas comuns que conferem a essas companhias o poder de exercer pressão para que o sistema seja mantido e para que sejam produzidos e publicados artigos com resultados favoráveis a elasxxix, além de fazer com que consigam manter para si patentes de inovações que surgem de coautorias com estas instituições6.
Movimentos acadêmicos têm há muito ressaltado a necessidade de superação destes falsos critérios de mérito e da adoção de formas mais efetivas de avaliar o que é ciência de qualidade, tal como proposto em 2012 na Declaração de São Francisco sobre Avaliação de Pesquisa (The Declaration on Research Assessment, DORA)xxx. Todavia, na prática, tais medidas não têm sido implementadas.
Até aqui, nossa análise procurou mostrar como o oligopólio corporativo de empresas que plataformizam serviços científicos domina e explora a comunidade acadêmica de diversos modos. Trata-se agora de enfatizar as diversas formas pelas quais as Big Techs asseguram seu poder, beneficiando-se desse sistema de produção, disseminação e avaliação de artigos científicos.
Eis a primeira delas. Todos os conteúdos intelectuais e dados pessoais e acadêmicos que o oligopólio do setor científico detêm e obtêm a partir do uso de seus serviços são acessíveis (na forma de parcerias) pelas Big Techs, que controlam a infraestrutura e a tecnologia alugadas por essas empresas para operar seus negócios. Por exemplo, a RELX/Elsevier usa a infraestrutura da Amazon e da Microsoftxxxi, corporações que, portanto, podem se apoderar dessas informações e usá-las para assegurar seus próprios e múltiplos interesses comerciais.
Em segundo lugar, as Big Techs disponibilizam serviços diretamente a instituições de pesquisa, sem empresas intermediárias. Por exemplo, a maioria das universidades públicas brasileirasxxxii, e grande parte das internacionais também28, adotaram o Gmail e outros serviços de educação terciária pertencentes ao Google (Google Cloud for Higher Education e Google Workspace). Embora seja necessário pagar assinatura para usar apenas alguns desses serviços, há sempre pagamento não monetário: cessão ao Google de todos os dados e conteúdos científicos (já publicados ou não), trocas de mensagens e conversas online entre pessoas do universo acadêmico, seu padrão de preferência, leitura etc., sempre aproveitados para aumentar sua renda e poder.
Em terceiro lugar, a pressão exercida sobre pesquisadores para publicar e ascender em rankings de prestígio acadêmico tem progressivamente elevado seu uso de modelos de linguagem de grande escala baseados em IAxxxiii, pertencentes a Big Techs, como o ChatGPT, da OpenAI (cujos investidores incluem a Microsoft e Elon Musk). Tal uso envolve auxílio na elaboração de projetos para a obtenção de verbas, redação de artigos científicos, revisões da literatura e até análise de dados. Tais modelos seguem a lógica estabelecida por empresas comerciais do que é considerada “boa” pesquisa (a que aumenta seus lucros e poder) e, não raro, gera publicações fraudulentas e sem nenhum nexo, já que IA comumente “alucina”xxxiv, o que explica em grande parte o aumento recente de artigos que precisam ser retirados da literatura27.
Mais ainda, o aumento progressivo da dependência de IA para produzir mais e mais rápido também pode ter outro desdobramento desfavorável ao dificultar que a próxima geração de cientistas consiga gerar hipóteses próprias, expressar suas ideias e/ou pensar criticamente sobre seus resultados, como bem fazem notar Thiago França e José Maria Monserrat em artigo a este respeito33. Sem considerar as consequências, cientistas têm também desenvolvido ferramentas de IA capazes de fazer revisão por pares e o trabalho de editoresxxxv, bem como criado novas medidas de mérito científico (“escores de “novidade”, ou novelty scoresxxxvi). As empresas do setor agradecem. Em breve, poderão prescindir da mediação de especialistas, cortando custos e facilitando a identificação de conhecimentos estratégicos, que elas poderão rapidamente adquirir e usar em proveito próprio. Tal identificação e apropriação é também generalizada no caso de inovações desenvolvidas por startups6.
Em quarto lugar, as Big Techs inviabilizam a concretização dos objetivos e preceitos do movimento de ciência aberta22 para uma maior democratização de acesso a conhecimentos. Pode até parecer que elas estão alinhadas a esses objetivos quando “ofertam” mais e mais plataformas e softwares de livre uso. Não estão. Este estratagema6 permite que se apoderem de conhecimento e da forma com que ele é produzido sem terem que pagar por isso. Um caso emblemático é o GitHub, pertencente à Microsoft, uma plataforma digital que hospeda centenas de milhões de softwares, grande parte dos quais é de código livre. Tão logo outros atores postam nessas plataformas softwares produzidos por eles próprios (protegidos ou não por direitos autorais) e/ou produzem tecnologia aberta a partir destes produtos digitais de acesso gratuito, os Titãs da tecnologia começam a explorá-los comercialmente.
Isto não quer dizer, absolutamente, que IA e ciência aberta não tenham utilidade ou importância. O acesso a e trocas livres de informações é crucial para o avanço da ciência e possível graças a artigos abertos disponibilizados, por exemplo, na plataforma brasileira Scientific Library Online (SciELO), para os quais não se paga para çer e publicar ou se paga baixas APCs. Existem também muitas ferramentas científicas digitais abertas, listadas no Open Economics Guidexxxvii. Contudo, note o leitor que estes recursos não escapam de usar infraestrutura das Big Techs para funcionar. Ademais, não se pode deixar de notar que a combinação de ciência aberta e IA, por razões diametralmente opostas, pode fazer com que sociedade pague caro pela disponibilização livre de propriedade intelectual, tal como alerta Jonathan Barnett, em seu livro de 2024 The Big Steal: Ideology, Interest, and the Undoing of Intellectual Propertyxxxviii (O Grande Roubo: Ideologia, Interesse e a Destruição da Propriedade Intelectual). Barnett aponta que está em curso uma “aliança acidental” entre, de um lado, a academia, que visa de boa-fé flexibilizar e/ou abolir direitos sobre a propriedade intelectual para aumentar a democratização de conhecimentos, e, de outro, as gigantes tecnológicas e oligopólios verticalmente integrados a elas, que se aproveitam deste discurso para fazer lobby para que APCs sejam aceitáveis, bem como para assegurar sua dominância adquirindo, sem custos, conhecimentos científicos e tecnológicos em paralelo com a parasitação de dados pessoais de internautas e cientistas sem pagar por isso.
O resultado desta junção de princípios opostos pode acabar inviabilizando que a ciência, financiada com recursos públicos, busque soluções de problemas da humanidade cada vez mais prementes, como crescentes desigualdades sociais, piora da saúde e crises ambientais em escala planetária. De resto, esses problemas são causados em crescente medida pela própria existência da infraestrutura física da nuvem2,3,6,12,13, que, como dito acima, agrava a emergência climática e ambiental, além de contribuir para a redução de empregos, manipulação de corações e mentes e para o crescente negacionismo em relação à ciência.
Mesmo só considerando o funcionamento da ciência plataformizada, sem falar de todas as demais esferas do cotidiano influenciadas pelas Big Techs (poderio econômico, político e de fabricação de consensos escusos), parece inegável que a sociedade atual é comandada por senhores feudais digitais de forma semelhante (ou ainda pior) ao que se verificava na Idade Média. Tudo indica que isso vai piorar nos próximos anos, já que Donald Trump, como já evocado, cercou-se de magnatas da IA e negacionistas para determinar o rumo da política e da ciência e tecnologia dos EUA. Preveem-se mudanças na legislação estadunidense em favor das Big Techs (redução de impostos e de direitos de privacidade), além das já tomadas contra a ciência e a preservação ambiental nos primeiros dias de seu governoxxxix. É mais que provável também que essas megacorporações estarão livres para se apropriarem mais ainda de conhecimentos gerados com recursos públicos, tal como acima discutido, incluindo agora abiscoitar em seu favor uma maior parte dos US$200 bilhõesxl de investimento federal anual em ciência e tecnologia dos EUA. Além disso, o investimento feito pelas Big Techs em pesquisas próprias, cujos direitos proprietários mantêm para si, só é superado, hoje, pelos valores dotados à ciência e tecnologia pelos EUA e pela China6. Desse modo, esses gigantes digitais acumulam e centralizam cada vez mais não só os conhecimentos gerados pela academia às custas dos Estados de todas as nações da Terra, mas também por elas próprias, retroalimentando seu poder centralizador.
Já não basta mais que a comunidade científica reaja alterando a metodologia de avaliação da qualidade da ciência, buscando produzir uma ciência mais aberta, aprendendo a usar IA de forma construtiva e/ou determinando novas formas de direcionar verbas a pesquisas necessárias para resolver as crises sociais e ambientais de nossos dias. A acelerada evolução da tecnologia da informação impõe novos desafios sombrios, pois todo o sistema de produção, arquivamento e avaliação de conteúdo intelectual depende hoje intrinsecamente da nuvem, sobre a qual os Estados que financiam pesquisas e os cientistas que as realizam não têm nenhum controle.
Notas:
iGaristo, D., & Tollefson, J. (2025). Trump’s science advisers: how they could influence his second presidency. Nature, 637(8048), 1029-1030. doi: https://doi.org/10.1038/d41586-025-00132-0https://www.nature.com/articles/d41586-025-00132-0
ii Cf. Riddell, R. e cols. (2024). Inequality Inc. How corporate power divides our world and the need for a new era of public action. Oxfam International; http://doi.org/10.21201/2024.000007; e https://www.oxfam.org/en/press-releases/richest-1-bag-nearly-twice-much-wealth-rest-world-put-together-over-past-two-years (consultado em 30/01/2025).
iii Cf. Sullivan, D., & Hickel, J. (2023). Capitalism and extreme poverty: A global analysis of real wages, human height, and mortality since the long 16th century. World development, 161, 106026. https://doi.org/10.1016/j.worlddev.2022.106026
iv Cf. Franco Jr, H. (1993). Feudalismo, 4ª. Edição, Leituras Afins.
v Cf. Georges Dumézil, L’idéologie tripartie des Indo-Europeens, Bruxelas, 1958; Georges Duby, Les trois ordres ou l’imaginaires du féodalisme, Paris, 1978; Jacques Le Goff, “Les trois fonctions indo-européennes, l’histoire et l’Europe féodales”. Annales, 1979, 34-6, pp. 1187-1215.
vi Cf. Rikap, C. (2024). Dynamics of corporate governance beyond ownership in AI. Common Wealth. https://www.common-wealth.org/publications/dynamics-of-corporate-governance-beyond-ownership-in-ai (consultado em 30/01/2025).
vii https://www.srgresearch.com/articles/cloud-market-growth-surge-continues-in-q3-growth-rate-increases-for-the-fourth-consecutive-quarter (consultado em 30/01/2025).
viii Cf. Durand, C. (2020) Technoféodalisme: Critique de l’économie numérique. La Découverte. https://www.editionsladecouverte.fr/technofeodalisme-9782355221156
ix Cf. Varoufakis, Y. (2024). Technofeudalism: What killed capitalism. Melville House.
x https://outraspalavras.net/outrasmidias/a-hipotese-do-tecnofeudalismo/ (consultado em 30/01/2025)
xi Bacon, F. (1597). Meditationes sacrae (p. 1597). Excusum impensis Humfredi Hooper. Publisher, Excusum impensis Humfredi Hooper.
xii https://www.genevaenvironmentnetwork.org/resources/updates/data-digital-technology-and-the-environment/ (consultado em 30/01/2025)
xiii Cf. Kordi, M. (2024). Surveillance Capitalism: The Transformation of Raw Online Data into Valuable Assets by High-Tech Companies—Is AI Governance a Threat or a Solution to Our Privacy Concerns?. Em: The Palgrave Handbook of Sustainable Digitalization for Business, Industry, and Society (pp. 401-416). Cham: Springer International Publishing. https://doi.org/10.1007/978-3-031-58795-5_18
xiv Cf. Larivière, V. e cols. (2015). The oligopoly of academic publishers in the digital era. PloS one, 10(6), e0127502. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0127502
xv Cf. Chen, G. e cols. (2019). Vertical integration in academic publishing. Em: Connecting the knowledge commons—From projects to sustainable infrastructure, 15-40. https://books.openedition.org/oep/8999?lang=en
xvi Cf. da Silva Neto, V. J., & Chiarini, T. (2023). The platformization of science: towards a scientific digital platform taxonomy. Minerva, 61(1), 1-29. https://doi.org/10.1007/s11024-022-09477-6
xvii Cf. Aspesi, C. & SPARC (Scholarly Publishing and Academic Resources Coalition). (2019). Research Companies: Elsevier. Landscape analysis. https://infrastructure.sparcopen.org/landscape-analysis/elsevier (consultado em 30/01/2025).
xviii https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/os-mercadores-globais-do-saber/
xix Cf. Analytics, C. (2018). Research in Brazil: A report for CAPES by Clarivate Analytics. Clarivate Analytics. https://observatoriodoconhecimento.org.br/wp-content/uploads/2019/04/04-Research-in-Brazil.pdf (consultado em 30/01/2025)
xx https://www.gov.br/capes/pt-br/assuntos/noticias/inclusao-e-investimentos-marcam-gestao-da-capes-em-2023 (consultado em 30/01/2025)
xxi Cf. do Canto, F. L. e cols. (2024). Taxas de processamento em artigos brasileiros. Ciência da Informação, 53(3). https://revista.ibict.br/ciinf/article/view/7212/6925.
xxii https://www.unesco.org/pt/fieldoffice/brasilia/expertise/open-science-brazil (consultado em 30/01/2025)
xxiii Cf. LeBlanc, A. G. e cols. (2023). Scientific sinkhole: estimating the cost of peer review based on survey data with snowball sampling. Research Integrity and Peer Review, 8(1), 3. https://doi.org/10.1186/s41073-023-00128-2
xxiv https://www.ziprecruiter.com/ (consultado em 30/01/2025).
xxv https://101innovations.wordpress.com/outcomes/ (consultado em 30/01/2025).
xxvi Cf. Abramo, G. e cols. (2023). Correlating article citedness and journal impact: an empirical investigation by field on a large-scale dataset. Scientometrics, 128(3), 1877-1894. https://doi.org/10.1007/s11192-022-04622-0
xxvii de la Béotie, É. (1922). Discours de la servitude volontaire (No. 30). Editora Bessard.
xxviii Cf. Van Noorden, R. (2023). More than 10,000 research papers were retracted in 2023 — a new record. Nature, 624(7992), 479-481. https://doi.org/10.1038/d41586-023-03974-8.
xxix Cf. Sarfi, M. e cols. (2021). Google’s University? An exploration of academic influence on the tech giant’s propaganda. Journal of Cyberspace Studies, 5(2), 181-202 <https://doi.org/10.22059/jcss.2021.93901>.
xxx https://sfdora.org/read/read-the-declaration-portugues-brasileiro/ (consultado em 30/01/2025)
xxxi https://finance.yahoo.com/news/relx-expands-globally-cloud-hosting-130600180.html?guccounter=1 (consultado em 30/01/2025).
xxxii Cf. Parra, H. e cols. (2018). Infraestruturas, economia e política informacional: o caso do Google Suite for Education. Mediações-Revista de Ciências Sociais, 63-99. https://doi.org/10.5433/2176-6665.2018v23n1p63.
xxxiii Cf. França, T. F., & Monserrat, J. M. (2024). The artificial intelligence revolution… in unethical publishing: Will AI worsen our dysfunctional publishing system?. Journal of General Physiology, 156(11). https://doi.org/10.1085/jgp.202413654.
xxxiv Cf. Sun, Y. e cols (2024). AI hallucination: towards a comprehensive classification of distorted information in artificial intelligence-generated content. Humanities and Social Sciences Communications, 11(1), 1-14. https://doi.org/10.1057/s41599-024-03811-x>.
xxxv Cf. Bharti, P. K. e cols. (2024). PEERRec: An AI-based approach to automatically generate recommendations and predict decisions in peer review. International Journal on Digital Libraries, 25(1), 55-72. https://doi.org/10.1007/s00799-023-00375-0.
xxxvi Cf. Wla, D. S. (2024) “Can novelty scores on papers shift the power dynamics in scientific publishing?”. Nature. https://doi.org/10.1038/d41586-024-04021-w.
xxxvii https://openeconomics.zbw.eu/en/knowledgebase/open-policy-finder/ (consultado em 30/01/2025)
xxxviii Cf. Barnett, J. M. (2024). The Big Steal: Ideology, Interest, and the Undoing of Intellectual Property. Oxford University Press.
xxxix Kozlov, M. (2025) ‘High anxiety moment’: Biden’s NIH chief talks Trump 2.0 and the future of US science. Nature. doi: https://doi.org/10.1038/d41586-025-00238-5https://www.nature.com/articles/d41586-025-00238-5)
xl Cf. Mervis, J. (2024). “Trump names OSTP director as part of White House tech team”. Science https://www.science.org/content/article/trump-names-ostp-director-part-white-house-tech-team (consultado em 30/01/2025).
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