O genocídio israelense contra o povo árabe
# Assista: A tragédia em Gaza numa das imagens mais sentidas sobre os crimes de Israel contra os palestinos (YouTb)
Gaza: a bárbarie filmada
Documentário da Al Jazeera - legendado em português - exibe o terror genocida que Israel impõe aos palestinos na faixa de Gaza. Não há uma norma bíblica ou um preceito moral qualquer que justifique o crime contra a humanidade que está sendo cometido impunemente por Tel Aviv.
# Nunca se viu numa guerra algozes que celebram seus crimes". Além de assistir do filme, vale a pena ler aqui a matéria sobre ele publicada na revista piauí
Por culpa de Israel, paz mundial está por um fio
Defesa anti-aérea de Israel falha e Irã faz chover mísseis sobre Telavive
# Hamas celebra ataque heroico sobre Israel (Opera Mundi) # ONU faz reunião de emergência (Uol) # Guarda Revolucionária do Irã ameaça novos bombardeios sobre Israel (Carta Capital) # Ataques terrestres de Israel violam direito internacional, diz Itamaraty (CC)
O que Israel quer com banho de sangue no Líbano
Maior ataque nos últimos 20 anos mata centenas de civis e joga toda a região do Oriente Médio na guerra dos sionistas contra o povo árabe (# leia mais no Intercept).
# Brasileiras relatam fuga (Folha) # Invasão tem apoio aéreo e Hezbollah reage com foguetes (G1)
Por que os israelenses não se rebelam?
Somos poços de preconceitos, que nada mais são do que pré-conceitos. Ou seja, julgamentos açodados, precários, carentes dos elementos minimamente necessários para uma correta avaliação. Vivemos um reviver de xenofobias, contra latino-americanos, russos... # Leia Milton Rodó, em Carta Capital
Hezbollah promete vingar morte de seu líder e Irã apoia jihad contra Israel
Leia na Folha e no Uol: Igor Gielow, Jamil Chade e Fernanda Magnotta
Estado terrorista amplia genocídio contra árabes e ameaça a paz mundial
# O que Israel quer com o banho de sangue no Líbano (Intercept)
# Palestinização do mundo (Boitempo)
Israel é o laboratório da morte, mas há o movimento inspirado na resistência palestina
Hamas, Fatah e outros grupos palestinos assinam acordo de união nacional
Em Pequim, 14 organizações palestinas, incluindo o Hamas e Fatah, assinaram um acordo de “união nacional” nesta terça-feira (23/07) com intuito de incluir todas as forças dentro da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e formar um governo conjunto na Faixa de Gaza após o fim da guerra de Israel no enclave (# leia no Opera Mundi)
Agressão contra Gaza aumenta e Israel fica isolado no mundo todo na guerra genocida contra palestinos
# Israel bombardeia Gaza após fracasso de negociações por trégua (Opera Mundi)
# Estudantes se unem a protestos mundiais contra Israel e acampam na USP em apoio a palestinos (G1)
Acompanhe na Folha e no Opera Mundi
Gaza 3
# Indícios de pessoas enterradas vivas em valas comuns (Opera Mundi)
Vídeo mostra soldado de Israel segurando calcinha de uma palestina sobre a boca de colega (leia mais)
Soldados israelenses debocham com roupas íntimas de mulheres palestinas e postam vídeo nas redes
O sionismo é um sistema ideológico: artigos de Bernardo Kocher sobre a guerra em Gaza (Opera Mundi)
Os judeus devem entender que o 'território' é um tema a ser superado ou vira 'rapinagem'
(Outras Palavras)
Brasil chama ação de Israel de 'imoral' / Brasil mantém ajuda à ONU / Lula é nomeado membro honorário da Fundação Yasser Arafat (Jamil Chade, Folha)
Reinaldo Azevedo (Uol)
Jamil Chade (Uol)
Lula: "O que Israel está fazendo em Gaza é genocídio"
Amputações sem anestesia estão sendo feitas em crianças em Gaza. As vítimas, apesar da idade, dizem que preferem morrer
# Jamil Chade, Uol (expandir)
Amputações sem anestesia estão sendo feitas em crianças na Faixa de Gaza e, ainda que tenham apenas cinco anos de idade, elas falam que preferem morrer.
A constatação faz parte do discurso feito ao Conselho de Segurança pelo secretário-geral da entidade Médicos Sem Fronteiras, Christopher Lockyear. Nele, o representante da organização médica apresentou um raio-x dramático da situação de saúde de Gaza e alertou, em especial, para a situação das crianças.
Segundo ele, a dimensão da destruição e das mortes de civis levaram as equipes médicas a acrescentar uma nova sigla ao seu vocabulário: WCNSF. Ou seja, Criança Ferida, Sem Família Sobrevivente, em inglês.? ?"As crianças que sobrevivem a essa guerra não apenas carregam as feridas visíveis dos ferimentos traumáticos, mas também as invisíveis - as do deslocamento repetido, do medo constante e de testemunhar membros da família literalmente desmembrados diante de seus olhos", disse o representante médico.
"Essas lesões psicológicas levaram crianças de apenas cinco anos de idade a nos dizer que prefeririam morrer", constatou.
Os dados oficiais do Ministério da Saúde palestino apontam que dois terços dos cerca de 30 mil mortos em Gaza desde 7 de outubro são compostos por mulheres e crianças. Não há como verificar de forma independente o número, mas tanto a OMS como a ONU usam esses dados em seus informes oficiais.
"Essas lesões psicológicas levaram crianças de apenas cinco anos de idade a nos dizer que prefeririam morrer", constatou.
Os dados oficiais do Ministério da Saúde palestino apontam que dois terços dos cerca de 30 mil mortos em Gaza desde 7 de outubro são compostos por mulheres e crianças. Não há como verificar de forma independente o número, mas tanto a OMS como a ONU usam esses dados em seus informes oficiais.
Nesta semana, enquanto uma família se sentava à mesa da cozinha em uma casa que abrigava a equipe da entidade Médicos Sem Fronteiras e suas famílias em Khan Younis, um projétil de tanque de 120 mm explodiu através das paredes, provocando um incêndio, matando duas pessoas e queimando gravemente outras seis. Cinco dos seis feridos são mulheres e crianças (Christopher Lockyear, chefe da MSF)
De acordo com Lockyear, a destruição promovida pelos ataques israelenses contra hospitais têm impedido que parte do trabalho de socorro às vítimas seja realizado. O governo de Benjamin Netanyahu justifica as ações, alegando que esses centros de saúde abrigam membros do Hamas. As vítimas, porém, são civil, destaca a ONU.
"Nossos pacientes têm lesões catastróficas, amputações, membros esmagados e queimaduras graves. Eles precisam de cuidados sofisticados. Precisam de reabilitação longa e intensiva", disse o representante da Médicos Sem Fronteiras.
"Os médicos não podem tratar esses ferimentos em um campo de batalha ou nas cinzas de hospitais destruídos", disse. "Não há leitos hospitalares suficientes, medicamentos suficientes e suprimentos suficientes", alertou.
"Os cirurgiões não tiveram outra opção a não ser realizar amputações sem anestesia em crianças", afirmou aos demais membros do Conselho de Segurança.
"Nossos cirurgiões estão ficando sem a gaze básica para impedir que seus pacientes sangrem. Eles a usam uma vez, espremem o sangue, lavam-na, esterilizam-na e a reutilizam para o próximo paciente", explica.
Leitura imperdível
O Holocausto e seus usos
É preciso discernimento para saber em que sentido o Holocausto não pode ser comparado a outros eventos, em que sentido pode ser comparado, e em que sentido deve ser comparado
Antônio David, A Terra é redonda (expandir)
Como quer que se nomeie os acontecimentos atualmente em curso em Israel e na Palestina, tendo como epicentro a Faixa de Gaza e desdobramentos na Cisjordânia e no sul do Líbano, e repercussões na região e globalmente, trata-se de uma ocasião oportuna para examinar mais de perto a percepção do Holocausto como um “evento inacreditável” e os efeitos dessa percepção. A expressão foi empregada pelo historiador Christopher Browning, que em suas pesquisas notou tratar-se de “um tema recorrente das testemunhas” do Holocausto, inclusive entre os sobreviventes (Browning, 1992, p. 25). Ela se liga ao debate mais amplo, renovado exatamente pelo campo dos estudos sobre o Holocausto, dos “limites da representação”: de certa ótica, o Holocausto seria um evento “irrepresentável”.[1]
Não é demais notar que esse debate ecoa a crise aberta pelo chamado “pós-modernismo” nas Ciências Humanas a partir dos anos 1960, em particular na história.[2] Também por isso, é o caso de perguntar: que tipo de memória histórica e de relação com a história (saber acadêmico) deriva da ênfase no caráter inacreditável, indizível, impensável e irrepresentável do histórico? E quais são os desdobramentos práticos, sobretudo sociais e políticos, dessa relação?
De evento mítico a doutrina e discurso normativo e prescritivo
Oferecer respostas a essas perguntas obviamente não é tarefa simples, e não pretendo fazê-lo aqui. Meu objetivo é estabelecer algumas hipóteses, apontar alguns caminhos, para os quais Theodor W. Adorno oferece subsídios inestimáveis, em Educação após Auschwitz (1965/1967) e em outros trabalhos, não obstante ele próprio não ter tomado parte no debate, que é posterior à sua morte.
Se acompanharmos com atenção o argumento de Theodor Adorno, compreende-se que o essencial na percepção em questão não está em chamar a atenção para a singularidade histórica do acontecimento (ou conjunto de acontecimentos) que se convencionou chamar de “Holocausto” – uma percepção sem dúvida alimentada pelo emprego de uma palavra específica, distinção que não se faz quando se fala de outros genocídios contemporâneos. Na verdade, a ideia de que até o momentonada se compara ao extermínio planejado de judeus praticado pelos nazistas e seus aliados na Segunda Guerra Mundial não é sem ambiguidade.
Pode-se considerar que nada se compara a esse evento não pela contabilidade dos mortos e sobreviventes – como diz Theodor Adorno, “o simples fato de citar números já é humanamente indigno, quanto mais discutir quantidades” (Adorno, 1995, p. 120) –, embora muitos o façam, mas pelo fato de que, nos genocídios que tiveram lugar antes e depois da Segunda Guerra Mundial, provavelmente não houve nada que se comparasse ao efetivo emprego dos campos de extermínio como máquina de matar em escala industrial. Se houve ou não, essa é uma questão difícil de ser respondida e depende de cuidadosa e longa investigação histórica, coletiva, não se reduzindo a um dilema de sim ou não – e não é certo que algum dia se possa chegar a uma conclusão amplamente aceita.
O essencial na visão de um “evento inacreditável” não está, portanto, na escala do evento, mas na expulsão deste acontecimento para fora do tempo histórico por meio de sua conversão em “evento mítico” (Adorno & Horkheimer, 1985, p. 39), pois é disso que se trata quando se o toma na chave do inacreditável e do irrepresentável, pela qual uma certa recusa do realismo histórico passa pelo seu oposto. Note-se que o mítico, aqui, é inverso daquele examinado pelos autores da Dialética do Esclarecimento, focados na conversão do esclarecimento em mito, mas nem por isso seu emprego seja menos pertinente. Ainda que, pelo uso, a palavra soe pejorativa, ela na verdade indica que algo está ao mesmo tempo presente e ausente do tempo histórico.
O mítico, no caso, designa a forma pela qual uma parte dos sobreviventes pôde lidar com o trauma, a dor e o sofrimento. Por essa razão, a conversão do acontecimento histórico em evento mítico não é por princípio boa ou ruim, correta ou equivocada; ela é apenas o caminho que o psiquismo trilhou para suportar a dor, e o habitat possível da memória e do testemunho. Mas é o caso de nos perguntarmos o que ocorre quando essa percepção, ou afeto, é reconvertida em doutrina e em discursos normativos e prescritivos. Pois uma coisa é a memória, o testemunho e, em última instância, o psiquismo dos sobreviventes e daqueles que lhes são próximos, outra, bem diferente, é o discurso que toma a experiência mítica como única possibilidade de se pensar, falar e escrever sobre esse acontecimento.
Uma tal operação não é sem consequências. Uma delas é a dissociação entre o ato propriamente – o extermínio de milhões de judeus – e as condições objetivas e subjetivas que o tornaram possível. Corre-se o risco de que o pensamento sobre tais condições acabe por ser bloqueado, ofuscado que é pelo inacreditável. Se isso ocorre, tornam-se supérfluas as questões levantadas por Adorno, focadas exatamente nos pressupostos ou mecanismos que permitiram que Auschwtiz acontecesse, e que possuem dimensões bastante concretas. Todavia, a condição para que Auschwitz não se repita é que tais mecanismos sejam investigados e conhecidos.
Uma segunda consequência, intimamente ligada a essa primeira, é que qualquer comparação entre o extermínio de judeus pelos nazistas e outros eventos de violência extrema contra grupos ou conjuntos serializados de indivíduos é sumariamente recusada, mesmo que tais eventos se deem sob os mesmos pressupostos, as mesmas condições, os mesmos mecanismos. Com isso, bloqueia-se o pensamento sobre a possibilidade não de que o evento se repita – pois, por definição, nenhum evento histórico se repete –, mas de que algo do mesmo tipo se repita: em outras palavras, não de que se repita essa experiência terrível que teve lugar no passado, na qual foram assassinadas pessoas reais que tinham nome e sobrenome, e que se convencionou chamar “Holocausto”, mas de que se repita o assassinato em massa favorecido por determinadas condições sociais e psíquicas, praticado pelo Estado ou por grupos armados, de que o campo de extermínio de Auschwitz é historicamente emblemático.
Não é de menor importância notar que a palavra “Holocausto”, que em tese poderia figurar no título no lugar de “Auschwitz”, sequer é empregada no mencionado texto de Theodor Adorno. Penso que essa opção tem diretamente a ver com essa preocupação, manifesta na afirmação com a qual o texto é aberto: “A exigência [de] que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação”.
Dessa ótica, a doutrina ou discurso que fomenta a ilusória percepção de um evento a tal ponto singular que nenhuma forma de pensamento realista ou referencial o alcança, como se sua ocorrência fosse uma disrupção no tempo histórico, uma anomalia, tem aqui o sentido inverso daquele flagrado na Dialética do Esclarecimento por Theodor Adorno e Max Horkheimer, pelo qual o mítico é cíclico, sendo sua repetição no futuro inevitável. Aqui, ao contrário, é a total impossibilidade de se pensar algo semelhante o efeito mais nocivo do discurso normativo que pretende aprisionar o Holocausto como evento mítico.
Uma terceira consequência dessa operação mental, e ligada às duas anteriores, é que ela favorece uma das condições que, segundo Theodor Adorno, concorreram para que Auschwtiz acontecesse, qual seja, a “incapacidade para a identificação” com os demais seres humanos e a “indiferença frente ao destino do outro”, que “foi sem dúvida a condição psicológica mais importante para tornar possível algo como Auschwitz em meio a pessoas mais ou menos civilizadas e inofensivas”. Segundo Theodor Adorno, “se as pessoas não fossem profundamente indiferentes em relação ao que acontece com todas as outras, excetuando o punhado com que mantêm vínculos estreitos e possivelmente por intermédio de alguns interesses concretos, então Auschwitz não teria sido possível, as pessoas não teriam aceito” (Adorno, 1995, p. 134).
Nesses termos, a frabricação doutrinária e discursiva de uma memória histórica que insiste no caráter inacreditável e irrepresentável do Holocausto, e que não discerne entre, de um lado, a História, e, de outro, a memória e o testemunho dos sobreviventes, produz o avesso do salto dialético de que falou Walter Benjamin: não porque tal memória bloqueie a solução, no presente, para as injustiças praticadas no passado e que se reproduzem ainda hoje, mas, antes até, porque é o próprio reconhecimento dessas injustiças, e das condições que atuam hoje em sua reprodução e que no passado atuaram na produção de Auschwitz, que fica bloqueado.
Theodor Adorno tinha plena consciência disso: tratando das “possibilidades de conscientização dos mecanismos subjetivos em geral” sem os quais Auschwitz “dificilmente aconteceria”, ele afirma que, ao lado do necessário conhecimento desses mecanismos, é também uma necessidade “o conhecimento da defesa estereotipada que bloqueia uma tal consciência” (Adorno, 1995, p. 136).
É oportuno notar que, em outro de seus escritos, intitulado O que significa elaborar o passado (1963), logo em seguida da afirmação de que “[…] o passado de que se quer escapar ainda permanece muito vivo. O nazismo sobrevive”, Theodor Adorno complemente: “e continuamos sem saber se o faz apenas como fantasma daquilo que foi tão monstruoso a ponto de não sucumbir à própria morte, ou se a disposição pelo indizível continua presente nos homens bem como nas condições que os cercam” (Adorno, 1995, p. 29). O “indizível”, que entre os sobreviventes opera como sintoma de um trauma terrível, e como tal deve ser respeitado, é também, todavia, uma prática dos algozes, que nomeiam seus atos através de codinomes que funcionam como eufemismos (como “Solução Final”). Práticas como essa são normalizadas e favorecidas quando o pensamento se torna avesso a outras dimensões da história além daquela que se observa no testemunho, ou seja, no psiquismo dos sobreviventes, ao menos daquele capturado por Browning.
É preciso discernimento para saber em que sentido o Holocausto não pode ser comparado a outros eventos, em que sentido pode ser comparado, e em que sentido deve ser comparado. Dito isso, é possível discriminar pelo menos quatro maneiras de responder à pergunta sobre se o Holocausto é comparável a outros eventos históricos.
Uma primeira é aquela que acentua o caráter singular e único desse acontecimento. Mas essa é uma acepção trivial, ligada ao que E. P. Thompson chamou de “status ontológico” do passado.[3] Por definição, todo acontecimento histórico é única e singular, de modo que há sempre uma dimensão do acontecimento que o torna incomparável a qualquer outro.
Uma segunda, pela qual o Holocausto é igualmente incomparável a outros acontecimentos históricos, já essa nada trivial, consiste no que chamei de evento mítico, isto é, em sua apreensão pelo psiquismo dos sobreviventes e de outras pessoas, atravessado pelo trauma, pela dor e pelo sofrimento. Mesmo que o acontecimento seja racionalizado – e é bom que o seja –, ainda assim é compreensível que essas pessoas sejam afetadas pela memória desse terrível acontecimento numa chave que o retira do tempo histórico, produzindo o efeito psíquico flagrado por Browning. Estamos aqui no terreno da experiência. Nessa acepção, é para o sujeito de uma experiência traumática que o Holocausto é incomparável, tanto quanto são incomparáveis para outros sujeitos outros eventos de violência extrema. Experiências como essas merecem ser reconhecidas e respeitadas.
Uma terceira maneira de responder à questão deriva do exame histórico minucioso e exaustivo do acontecimento em si, de suas etapas ou fases, de como se deu, de quais foram suas características, o que permite sugerir paralelos entre esse acontecimento e outros genocídios. Nessa acepção, o Holocausto pode ser comparado a outros eventos históricos, não para fins de contabilidade – ainda que seja lícito oferecer hipóteses e se chegar a conclusões sobre escalas, não com o objetivo de se dizer que ambos são iguais, ou que um é maior e mais grave e o outro menor e menos grave, o que seria uma banalização –, mas para oferecer ganhos de compreensão sobre eventos desse tipo. Essa é uma acepção própria do saber histórico ou historiográfico, comumente associado à pesquisa acadêmica, e que exige métodos e técnicas bastante sofisticados.
Uma quarta e última maneira de responder à questão é aquela proposta por Theodor Adorno, e que recoloca a primeira acepção em outros termos: se todo acontecimento histórico é, por definição, singular e único, em contrapartida nenhum acontecimento histórico se dá no vazio, mas sob determinadas condições, que o tornam possível, que o favorecem, as quais podem e devem ser conhecidas. Nessa acepção, o Holocausto é comparável a outros acontecimentos históricos, atuais ou virtuais, no sentido muito específico de que é possível comparar os mecanismos que tornaram possível o Holocausto, e que estão ainda hoje presentes, tornando possível que eventos de tipo semelhante se repitam no presente e no futuro. Tais eventos não só podem como devem ser comparados ao Holocausto e a outros eventos de violência extrema, porque a comparação nos permite tomar consciência não apenas dos riscos, das ameaças, dos perigos, mas da realidade atual – ou, como disse certa vez Foucault, para tornar visível o que é visível.
Nacionalismo, razão de Estado e necropoder
A conversão do Holocausto como evento mítico em doutrina e em discurso normativo e prescritivo tem sérias consequências políticas, para além de seus efeitos sobre o psiquismo. Uma dessas consequências, talvez a mais grave, é que uma tal doutrina ou discurso presta-se bem a instrumento político em favor de uma das condições que, segundo Adorno, tornam possível um novo Auschwitz, a saber, o nacionalismo: “Além disso, seria necessário esclarecer quanto à possibilidade de haver um outro direcionamento para a fúria ocorrida em Auschwitz. Amanhã pode ser a vez de um outro grupo que não os judeus, por exemplo os idosos, que escaparam por pouco do Terceiro Reich, ou os intelectuais, ou simplesmente alguns grupos divergentes. O clima – e quero enfatizar essa questão – mais favorável a um tal ressurgimento é o nacionalismo ressurgente. Ele é tão raivoso justamente porque nesta época de comunicações internacionais e de blocos supranacionais já não é mais tão convicto, obrigando-se ao exagero desmesurado para convencer a si e aos outros que ainda [tem] substância” (Adorno, 1995, p. 136).
Vale aqui associar essa passagem a outra, de O que significa elaborar o passado, na qual Adorno caracterizara o orgulho nacional dos alemães no contexto da ascensão do nazismo como um “narcisismo coletivo”, certamente um narcisismo adoecido (Adorno, 1995, p. 39-40).
Como sabemos, essa instrumentalização opera segundo a lógica da razão de Estado. Não por acaso, ao reiterar que “o centro de toda educação política deveria ser que Auschwitz não se repita”, Theodor Adorno acrescenta: “Seria preciso tratar criticamente um conceito tão respeitável como o da razão de Estado, para citar apenas um modelo; na medida em que colocamos o direito do Estado acima do de seus integrantes, o terror já passa a estar potencialmente presente” (Adorno, 1995, p. 137).
As ponderações de Adorno sobre o nacionalismo e a razão de Estado podem ser enriquecidas pela leitura, proposta por Achille Mbembe, do poder de regular e distribuir as funções assassinas do Estado na modernidade, e que ele designou de necropoder. Contra a tese de que “a fusão completa de guerra e política (racismo, homicídio e suicídio), até o ponto de se tornarem indistinguíveis uns dos outros, é algo exclusivo ao Estado nazista”, Achille Mbembe sustenta que tal fusão encontra raízes mais antigas: “as premissas materiais do extermínio nazista podem ser encontradas no imperialismo colonial, por um lado, e, por outro, na serialização de mecanismos técnicos para conduzir as pessoas à morte – mecanismos desenvolvidos entre a Revolução Industrial e a Primeira Guerra Mundial” (Mbembe, 2018, p. 19-21). Apesar de sua ênfase ao colonialismo, Achille Mbembe recua ainda mais no tempo, procurando, numa perspectiva de longa duração, a genealogia das técnicas e tecnologias do terror de Estado.
Achille Mbembe não deixa de fazer menção à Palestina nos dias atuais (Mbembe, 2018, p. 47-8, 61). A menção é justa pelos efeitos de ações do Estado de Israel sobre as condições de vida dos palestinos, objetivas e subjetivas, mas também pelos discursos que pregam sua morte física e cultural como povo, ou, como li em algum lugar, de todos com mais de 4 anos de idade, bem como pelos discursos que se calam e se omitem diante desses discursos assassinos, possivelmente – e há indícios claros disso – porque as mentes daqueles que assim o fazem foram colonizadas pelo nacionalismo.
Justificar a ação em curso em Gaza é um ato de “defesa” de Israel é um insulto, e apenas replica o argumento, presente em todas as Ditaduras, de que determinadas ações (criminosas) são necessárias para se evitar determinado mal. A defesa da população israelense não depende do assassinato de milhares de pessoas, inclusive crianças. E, no fim, sob o pretexto de que é preciso “defender Israel”, pelo qual se justifica tudo, defende-se não Israel, mas indivíduos e grupos que têm a posse e o exercício do poder de Estado em Israel, sua cosmovisão, seus projetos, sua prática. É desnecessário oferecer aqui exemplos de discursos que pregam a morte de todos os palestinos, os quais são conhecidos e vêm se multiplicando.
Tal sanha assassina em nada se distingue daquela que prega a morte física e cultural dos judeus e/ou israelenses – propósito declarado do Hamas –, diante da qual não poucos se omitem ou “passam pano”, incorrendo igualmente no negacionismo mais grosseiro e descarado que se pode imaginar. É no mínimo lamentável, para dar apenas um exemplo, ler em um artigo de Salém Nasser de 30 de outubro: “Tenho visto referências, feitas por Scott Ritter, a testemunhas oculares do fato de muitos [dos israelenses mortos] terem sido vítimas de disparos das próprias forças israelenses. Tudo isso ainda precisa ser verificado”. Tal negacionismo dissimulado não é menos vergonhoso do que aquele que recusa reconhecer as mortes em Gaza sob o pretexto de que “os número do Hamas não são confiáveis”.
Isso não quer dizer que não haja assimetrias no conflito e efeitos destas nas condições de vida entre israelenses e palestinos: estas são claras e evidentes, a ponto de não haver exagero no emprego de termos como “colonização”, “apartheid” (ou “etnocracia”, como propôs Oren Yiftachel) e “genocídio”, sendo suficiente para sua caracterização a ação justificada ou motivada pela ideia de que todo um povo é matável. Quer dizer, sim, que as assimetrias não servem para justificar discursos e práticas fascistas, venham de onde vierem.
Uma das atitude que mereceriam ser examinadas seriamente, e que ressoa a indiferença de que falava Adorno, é o cínico esquecimento de que todas as vítimas do conflito, sejam as vítimas da ação do Hamas no dia 7 de outubro de 2023 e nos dias seguintes, sejam as vítimas da ação das Forças Armadas de Israel em Gaza e em outras regiões, sejam as vítimas de colonos israelenses na Cisjordânea, sejam os reféns israelenses, todas essas vítimas são pessoas, seres humanos, que têm nome e sobrenome.
O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino
Muito já se falou sobre o fato de o conflito Israel-Palestina ser produto de um processo histórico, de modo que é supérfluo perguntar “De quem é a culpa?” ou “Quem começou?” – o que não leva a outro lugar senão numa tosca redução do complexo ao simples –, o que não significa que não haja culpados por ações específicas. Podemos flagrar esse embate entre um discurso histórico complexificador e um discurso histórico simplificador na polêmica aberta com a declaração do secretário-geral da ONU, Antônio Guterrez, em 24 de outubro de 2023, por ocasião da ofensiva militar do Estado de Israel na Faixa de Gaza, e na reação a ela: “É importante ainda reconhecer que os ataques do Hamas não ocorreram no vazio” (“It is important to also recognize the attacks by Hamas did not happen in a vacuum”).
Duramente criticado, Guterrez justificou em seguida sua declaração, dizendo: “Estou chocado com as deturpações feitas por alguns sobre minha declaração […] como se eu estivesse justificando os atos de terror do Hamas. Isso é falso. Foi o contrário”. A propósito do que Antônio Gueterrez falou, das reações contra sua fala e de sua justificativa, não é um mero detalhe que muitos veículos de imprensa no Brasil (e, até onde vi, no exterior) tenham traduzido a expressão “in a vacuum” pela locução “por acaso” – cujo sentido é, graças ao uso, bem distinto de “no vazio” –, deslocando-a do registro histórico (focado na contextualização histórica) para o registro moral (focado nas intenções e na justeza ou não da ação), traindo, com isso, o que Antônio Guterrez efetivamente falou.
Na exata contramão de Antônio Guterrez, criticando a posição do governo brasileiro em relação ao conflito, o jurista Celso Lafer, da Faculdade de Direito da USP, declarou, em entrevista ao Jornal da Cultura em 16 de novembro de 2023: “É preciso levar em conta que quem iniciou esse processo todo foi o Hamas”[4]. Um historiador poderia dizer o mesmo sem trair seu ofício?
Dito isso, como encarar a declaração do presidente Lula dada à imprensa internacional em 19 de fevereiro deste ano? “O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus”. Lula tem sido repreendido por ter feito essa afirmação, e não apenas pelo governo israelense e organizações de direita, mas também por indivíduos e grupos da esquerda judaica. Já outros, também à esquerda, o defenderam.
O que quase não tem sido notado, todavia, é que Lula não se limitou a comparar a atual ação militar israelense em Gaza com o Holocausto – razão pela qual ele tem sido criticado; na comparação efetuada, essa ação teria sido o único evento histórico comparável ao Holocausto[5]. Em outras palavras, Lula se apropriou do Holocausto não como um acontecimento histórico, que se deu sob determinadas condições que se pode conhecer e que é pertinente evocar no debate público, inclusive para efetuar comparações, mas como evento mítico, disruptivo, inacreditável, em suma, como evento que habita o imaginário dos sobreviventes.
Nesse sentido, não há como a comparação não ferir a memória das vítimas e a dor dos sobreviventes e de outras pessoas, e não apenas judeus. A irrefletida fala de Lula foi provocadora e desrespeitosa porque banalizou o Holocausto como experiência traumática, não menos do que o uso, pela equipe de diplomatas de Israel na ONU no dia 30 de outubro, da estrela de Davi durante uma sessão do Conselho de Segurança.
Em contrapartida, o que muitos dos críticos de Lula ignoram, ou oportunamente almejam fazer crer, é que, como evento histórico, a ação militar do Estado de Israel em Gaza, capitaneada por um determinado governo e seus aliados, não se compara ao assassinato de judeus na Segunda Guerra em uma série de aspectos, mas se compara em outros, sobretudo porque em ambos, e em uma série de outros atos de violência que tiveram lugar historicamente no mundo após a Segunda Guerra Mundial, observam-se em operação os mesmos mecanismos e as mesmas condições que produziram Auschwitz.
Reitero: comparações como essas são não só possíveis, como necessárias. Quem visita o Museu Judaico em São Paulo tem a oportunidade de ver referências a crimes contra os Direitos Humanos no Brasil ao lado de referências do Holocausto. Trata-se de um exemplo instrutivo do que Adorno chamou de elaboração séria do passado, “rompendo seu encanto por meio de uma consciência clara” (Adorno, 1995, p. 29).
Um desses aspectos comuns está no fato de que a ação em Gaza realiza o desejo, que não é sequer ocultado, mas manifesto em falas públicas de importantes figuras da vida pública israelense, de matar indiscriminadamente indivíduas apenas pelo fato de pertencerem a um determinado povo – o palestino. Desejo esse que, vale reiterar, alimenta-se do e alimenta o mesmo desejo em parte dos palestinos.
O fato de o desejo de matar vivido na chave da necropolítica ser restritivamente recíproco não justifica a hipocrisia de Nicole Deitelhoff, Rainer Forst, Klaus Günther e Jürgen Habermas, que, no contexto de proibições do Estado alemão de manifestações contra a ação do Estado de Israel em Gaza ainda no final de 2023, e que foram tomadas sob o pretexto de se combater o antissemitismo – que deve ser combatido –, assinaram um manifesto, lançado em 13 de novembro, no qual argumentam: “apesar de toda a preocupação com o destino da população palestiniana, os padrões de julgamento escorregam completamente quando são atribuídas intenções genocidas às ações de Israel”. Israel não tem nem pode ter intenções genocidas pelo simples fato de que “Israel” designa um país, cuja sociedade é dividida; mas certos israelenses em posição de poder têm, e muitos destes sequer o escondem, e isso os quatro proeminentes autores convenientemente ignoraram.
Ao evocar o argumento de que as ações do Estado de Israel não justificam de forma alguma reações antissemitas “especialmente na Alemanha”, que “o ethos democrático” da Alemanha está ligado a uma cultura política para a qual “a vida judaica e o direito de Israel à existência são elementos centrais dignos de proteção especial à luz dos crimes em massa da era nazista”, e que enfatizar que esse compromisso é “fundamental para a nossa vida política”, o manifesto ecoa o complexo de “culpa coletiva dos alemães” que Adorno critica em O que significa elaborar o passado. Trata-se de uma culpa “altamente fictícia” e doentia, que, no plano da vida subjetiva comum, cumpria a função de bloquear a elaboração do passado, isto é, o reforço da autoconsciência contra o “narcisismo coletivo” fixado no orgulho nacional, e de, no plano prático, subtrair dos algozes a culpa que tinham pelos crimes cometidos durante a Guerra, uma vez que a culpa fora diluída.
Não se trata aqui de negar tal compromisso, que é fundamental, mas de questionar a razão sua seletividade, ou seja, sua não universalidade: se, como dizem os signatários do manifesto, o dito ethos democrático é “orientado para a obrigação de respeitar a dignidade humana”, essa orientação deveria valer para a dignidade humana de todos os seres humanos, sem exceção.
Contra o nacionalismo, de volta ao universalismo
Não vejo outro caminho para se lidar satisfatoriamente com esse e outros conflitos de monta contemporâneos sem que se restabeleça, nos discursos, nas práticas e nas mentes, a proeminência da semântica universalista e igualitarista que marcou os escritos dos fundadores da chamada Escola de Frankfurt, um restabelecimento que sem dúvida exige todo um esforço organizativo e educacional de longo prazo. Emblemática de valores universalistas encontra-se, para dar apenas um exemplo, em um texto de Horkheimer intitulado Filosofia e Teoria Crítica (1937): “A teoria crítica que visa à felicidade de todos os indivíduos, ao contrário dos servidores dos Estados autoritários, não aceita a continuação da miséria. […] o fim de uma sociedade racional, que hoje parece estar preservada apenas na imaginação, pertence efetivamente a todos os homens” (Horkheimer, 1980, p. 158, 160).
Com Adorno, penso que é urgente que se dê ênfase nas condições e nos mecanismos que permitiram que Auschwitz acontecesse e na perseverança, posteriormente e no presente, dessas mesmas condições e mecanismos, objetivos e subjetivos, e de outros que se somaram a estes. Se uma dessas condições é o nacionalismo, como Adorno chama a atenção, talvez não haja tarefa mais urgente para aqueles e aquelas que defendem ideais universalistas e igualitaristas do que a crítica do nacionalismo e suas armadilhas. É preciso descolonizar as mentes do nacionalismo que as colonizou, caso contrário é o fascismo que tende a ganhar força.
Nesse sentido, e no que concerne a Israel e Palestina, é imperativo observar: (i) que os sujeitos da história não são países, mas indivíduos e grupos, e que “Israel” e “Palestina” nomeiam países, cujas sociedades são divididas, (ii) que tanto na Palestina quanto em Israel há indivíduos e grupos que vão da extrema-direita à extrema-esquerda, defensores da democracia e inimigos da democracia, defensores dos Direitos Humanos e inimigos dos Direitos Humanos etc., (iii) que “sinonismo” é uma palavra inventada para designar o nacionalismo judaico, que, como todos os nacionalismos no mundo, é complexo e plural, havendo até mesmo sinonismo de esquerda (o qual é, todavia, muito minoritário, seguindo uma tendência global de enfraquecimento dos nacionalismos de esquerda), (iv) que tanto na Palestina como em Israel foi o nacionalismo de extrema-direita que se fortaleceu extraordinariamente nos últimos anos, (v) e que figuras como Benjamin Netanyahu e Ismail Haniya podem ser colocados lado a lado de figuras como Donald Trump, Viktor Orbán, Björn Höcke, Valdimir Putin, Recep Erdoğan, Ali Khamenei, Javier Milei, Jair Bolsonaro e toda uma multidão cada vez maior de fascistas e protofascistas que disputam o poder em nível global, entre si e com liberais-conservadores (que, quando não se aproveitam do fascismo a seu favor, em geral se omitem).
*Antônio David é doutor em filosofia pela USP e doutorando em história social pela mesma instituição.
Referências
Adorno, Theodor. “Educação após Auschwitz”. Tradução: Wolfgang Leo Maar. In: Idem. Educação e Emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 1995, pp. 119-38.
Adorno, Theodor. “O que significa elaborar o passado”. Tradução: Wolfgang Leo Maar. In: Idem. Educação e Emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 1995, pp. 29-49.
Adorno, Theodor & Horkheimer, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução: Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
Browling, Chrostopher. “German Memory, Judicial Interrogation, Historical Reconstruction”. In: Friedlander, Saul (ed.). Probing the Limits of Representation: Nazism and the Final Solution. Cambridge: Harvard University Press, 1992.
Horkheimer, Marx. “Filosofia e Teoria Crítica”. Tradução de Edgard Afonso Malagodi e Ronaldo Pereira Cunha. In: Benjamin, Adorno, Horkheimer, Habermas (Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1980, pp. 155-61.
Mbembe, Achile. Necropolítica. Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Tradução: Renata Santini. São Paulo: n-1 edições, 2018.
Notas
[1] Ao lado do próprio Borwing, um exemplo desse debate é o livro de Michael Bernard-Donals e Richard Glejzer, Between Witness and Testimony: The Holocaust and the Limits of Representation (State University of New York Press, 2001).
[2] Não por acaso, o tema entrou no debate historiográfico em parte por iniciativa de Hayden White, um dos nomes mais importantes do pós-modernismo historiográfico. A partir dos anos 1980, como parte do esforço de resposta a seus críticos, ou ao que Carlo Giznburg chamou de “dilema moral” e “embaraço evidente” decorrentes dos argumentos antirrealistas que White lançara ainda nos anos 1960, este passou a dedicar alguns trabalhos ao tratamento historiográfico do Holocausto – exemplo frequentemente evocado por seus críticos. Em um desses trabalhos, White chegou a escrever: “A ideia de que o Holocausto nunca aconteceu é simplesmente absurda. Nós temos mais do que suficiente evidência para obrigar a crença em sua ocorrência”. White, Hayden. “The public relevance of historical studies: A reply to Dirk Moses”. History and Theory, v. 44, n. 3, pp. 333-338 (citação: p. 337); Ginzburg, Carlo. “Unus Testis. O extermínio dos judeus e o princípio de realidade”, Fronteiras. Revista de História, Florianópolis, n. 7, 1999, pp. 7-28 (citação: p. 17). Em “The Modernist Event” (publicado originalmente em 1996), ele cita nominalemente Browing. Esse texto foi republicado ao lado de outros trabalhos nos quais aborda o mesmo assunto na coletânea Figural Realism: Studies in the Mimesis Effect (Johns Hopkins University Press, 2000).
[3] “Os processos acabados da mudança histórica, com sua complicada causação, realmente ocorreram, e a historiografia pode falsificar ou não entender, mas não pode modificar, em nenhum grau, o status ontológico do passado”. Thompson. Edward Palmer. Miséria da teoria, ou um planetário de erros. Uma crítica ao pensamento de Althusser. Tradução: Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, pp. 50, 54.
[4] Sobre as declarações de Guterrez: “Fala do chefe da ONU escala crise diplomática com Israel” (DW, 25 out. 2023), disponível em <https://www.dw.com/pt-br/fala-do-chefe-da-onu-escala-crise-diplom%C3%A1tica-com-israel/a-67213883>. Sobre a declaração de Lafer: “Ex-ministro das Relações Exteriores CRITICA diplomacia do presidente Lula” (Jornalismo TV Cultura, 16 nov. 2023), disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=MYwkrzILqso>.
[5] Essa relação foi destacada por Michel Gherman em entrevista à BBC Brasil. “A reação de Israel às declarações de Lula comparando guerra em Gaza ao Holocausto”, 19 fev. 2024. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Ha2x2VbDEjU>.
A replicação do mal
O fato em si tem um significado tremendo, pouco destacado, acho, pela mídia em geral: Israel levado ao banco dos réus da Corte Internacional de Justiça em Haia acusado de genocídio.
Halley Margon, Terapia Política
O fato em si tem um significado tremendo, pouco destacado, acho, pela mídia em geral: Israel levado ao banco dos réus da Corte Internacional de Justiça em Haia acusado de genocídio. É verdade que aqui e ali lembraram que a palavra foi criada justamente por um judeu polonês para definir o morticínio organizado pelos nazistas para fazer o povo hebreu desaparecer do território Europa. Terminada a matança, e a guerra, e antes que a década chegasse ao fim, finalmente estava fundado o Estado de Israel, o país destinado a acolher e proteger todos os judeus, fossem de onde fossem. Atraindo a solidariedade mundial, o Estado judeu tratou de fincar as bases de sua permanência naquela terra tão antiga quanto conturbada. Ninguém disse que seria fácil. Os poderosos aliados do outro lado do Atlântico, além do profundo amor e empatia humana pelas vítimas do holocausto, tinham lá também uns tantos outros valores a defender por ali. Israel poderia lucrar, tanto com o amor sincero, quanto com os vastos interesses do Império e seus vassalos europeus. A aliança tinha tudo para ser profícua, duradoura e muito vantajosa – para eles.
II
Houve os que lamentaram a ambiguidade ou a franca leveza da sentença ditada pela CJI. Ainda que quase todo mundo tenha celebrado o ditame exigindo que Israel tome “todas as medidas que estão em seu poder para evitar atos tipificados no Convênio para a Prevenção e o Castigo do Genocídio” como uma vitória dos demandantes no sentido de inibir o massacre que está sendo levado a cabo em Gaza, o mais alto tribunal da ONU não teve a bravura necessária para impor o cessar-fogo na Faixa, como também pedia a África do Sul – menos de 24 horas após ditada a sentença, Israel voltou a bombardear Gaza, matando mais 174 gazenses e deixando 310 novos feridos. Com tudo isso, resta o seguinte fato: no final de janeiro de 2024, um quarto de século antes que se celebre o centenário da fundação de Israel, o Estado tão justamente almejado pelo povo judeu é levado à mais importante corte internacional de justiça, acusado de genocídio. Não é pouca coisa. O significado e a dimensão dessa reviravolta deveriam ser razão mais que suficiente para nos perguntarmos o que está acontecendo. Ou, nas sempre dramáticas palavras de uma querida amiga argentina: que mundo é esse… o que se passou para chegarmos a esse ponto?! Será que a trajetória percorrida por Israel desde a sua fundação, essa trajetória que nas últimas décadas parece se acercar do francamente insano e perverso e conduzir a um inédito nível de isolamento das forças humanistas que um dia apoiaram sua criação, ao abismo do terror e da guerra descontrolada acima de qualquer outra alternativa, será, enfim, que essa trajetória é mesmo um caso isolado e circunscrito às especificidades do Oriente Médio e do conflito judeu-palestino? Claro, essas especificidades são consideráveis. Mas em todos os cantos, lá estão e sempre estarão elas, à espreita, prontas para nos dificultar a laboriosa faina de enxergar para além unicamente delas.
III
Antes, um pequeno parêntesis para falar das palavras. Porque o uso delas ligeiramente deslocadas do seu contexto, às vezes acaba por nos contar mais do emissor da frase que a construção inteira da própria frase – que muitas vezes muito mais esconde que revela. Essa, por exemplo, diz ao final: “uma marca de vergonha que não se apagará durante gerações”. De que marca de vergonha está tratando o orador? Porque agora e desde o 7 de outubro passado, que acontecimentos tão acachapantemente vergonhosos estão arrastando nossa atenção? Quem é e ao que está se referindo, então, o portador da mensagem? Quando recorremos à frase completa é que nos damos conta do ardil no qual ele pretende nos envolver: “A simples afirmação de que Israel esteja cometendo um genocídio contra os palestinos não apenas é falsa, como é indignante, e a vontade do tribunal de discutir isso é uma marca de vergonha que se não se apagará durante gerações”. O discurso do primeiro-ministro está na linha da política de comunicação do seu governo, por óbvio, e se os acusam de criminosos de guerra eles retrucam acusando as vítimas terroristas ou o que bem lhes convier – lembram que não faz mais que um dia ou dois que Israel acusou o secretário-geral da ONU, o simpático português Antônio Guterres de, por exemplo, respaldar “o sequestro de crianças e a violação de mulheres”. O que talvez nos recorde, de novo, a novilíngua do 1984. Mas outras vezes inovam e daí o que nos traz à memória é outra coisa. Assim, a primeira resposta de Israel a Haia, como qualificou um jornalista espanhol, foi simplesmente “desafiante”, i.e., extremadamente arrogante, assegurando que “o governo israelense seguirá adiante com sua ofensiva em Gaza até a vitória absoluta”. Aqui, o porta-voz deverá ter extraído suas lições não de Orwell mas da lingua tertii imperii, que o filólogo Victor Klemperer esmiuçou no genial LTI – a linguagem do Terceiro Reich (Contraponto, 2009.)
IV
Já paralisado pelos efeitos da esclerose lateral amiotrófica (ELA) que, embora mantivesse intacta sua capacidade intelectual, foi lentamente degenerando seu sistema nervoso, Tony Judt pôde ainda ditar um apaixonado alegato em defesa do Estado de bem-estar. Em espanhol foi publicado com o título de Algo Va Mal (Ill fales the Land). A nota de agradecimento assinada por ele está datada de fevereiro de 2010. Judt faleceu cinco meses depois, em agosto do mesmo ano. Ninguém precisa ser um apaixonado pelas teses da social-democracia europeia para se deixar pelo menos comover pelo ânimo daquela argumentação, a análise dos dados e dos processos sociais mais recentes e pela capacidade de síntese histórica e de convencimento. É evidente que valeria a pena tomar tempo para elencar meia dúzia de assuntos que o livro toma como seus. Mas outros já o terão feito a seu tempo e com muito mais competência. Aqui me interessa apenas um pequeno comentário que se encontra no capítulo 3, cujo título é A insuportável leveza da política.
O que ali diz o pensador inglês é basicamente que as forças políticas conservadoras europeias, “para não falar da direita ideológica”, saíram debilitadas e eram “uma preferência minoritária nas décadas que se seguiram à II Guerra Mundial”. A razão é muito simples: sua “conivência (e pior) com as potências ocupantes”. Com o passar do tempo, porém, “à medida que as pessoas iam deixando para trás os traumas das décadas de 1930 e 1940, e estavam abertas às vozes conservadoras tradicionais”, o trabalho da direita foi se pondo mais fácil.
V
Tony Judt, nesses seus comentários de Algo Va Mal, em nenhum momento se refere à ultradireita, e sim às forças conservadoras e à “direita ideológica”. Mas o raciocínio que cabe a esses, com muito mais vigor caberá aos que, passada a guerra, jamais teriam a mínima chance de saírem às ruas para dizer o que, a partir já de princípios da década de 1990, passaram a dizer os de Jean-Marie Le Pen e o que bradam agora, 30 anos depois, os ultradireitistas ou abertamente neonazistas em praticamente todos os países da Europa. À medida que a vergonha pelos crimes do passado vai ficando fora do alcance da memória, eles, de novo, podem voltar a dar as caras. Os traumas foram deixados para trás, i.e., a desordem e os crimes e a barbárie a que arrastaram a Europa e o mundo foram remetidos àquela confortável zona da desmemória e do recalque. E, com isso, o rancor, o ódio e a arca inteira de miséria que subexiste no lodaçal da alma perderam a vergonha de ser e podem então voltar a se manifestar.
VI
Assim, não parece que se possa isolar a agressiva política do ultradireitista primeiro-ministro israelense do apoio que recebe, em primeiro lugar, do seu irmão de ultramar, o Império e os fiéis seguidores europeus (são raras as exceções), nem tampouco do renascimento e crescimento aparentemente imparável dessa corrente política que não muito tempo atrás quis exterminar da Europa o povo judeu – o que, no final das contas e apenas para voltar ao início do círculo, deu origem ao Estado judeu.
VII
Entre os dias 6 e 9 de junho haverá eleições para a renovação do Parlamento Europeu. Uma das primeiras pesquisas que, segundo dizem os analistas, está longe de parecer fora da realidade, aponta para um quadro no qual:
1) o Partido Popular Europeu (direita tradicional) continuaria sendo o mais votado, embora perdendo algumas cadeiras, de 178 passaria a 173,
2) os socialdemocratas continuariam como a segunda força, mas baixando de 141 para 131 eurodeputados,
3) os liberais cairiam de 101 para apenas 86 deputados e perderiam a terceira posição,
4) para essa posição subiria o Identidade e Democracia, que poderia crescer de 58 para 98, e ECR (sigla em inglês do Partido dos Conservadores e Reformistas Europeus) com um crescimento de 67 para 85 eurodeputados. Esses dois grupos parlamentares, ID e ECR, aglomeram tudo o que se pode caracterizar como a atual ultradireita europeia, que vai do Vox na Espanha ao Lei e Justiça da Polônia, do Fratelli de Itália ao Fidesz na Hungria. Significa dizer que a extrema direita, junta, somaria 183 eurodeputados, 10 a mais que os 173 da direita tradicional e 52 a mais que os 131 da socialdemocracia. Essa é a aritmética da coisa.
Em termos políticos, esses resultados, a se confirmarem, podem significar, simplesmente, uma mudança nos rumos da Europa com uma aliança, em muitas questões importantes (relativas à imigração, por exemplo, ou à guerra e às alianças internacionais), da direita não mais com a socialdemocracia e a esquerda e os verdes, mas com a ultradireita. Mais os senhores do Império (nesse caso, tanto faz) + Netanyahu +. Definitivamente, não estamos no melhor dos mundos.
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História
O acordo que selou o destino da Palestina
Assinado em 1933 entre sionistas e nazistas, Acordo de Haavara permitiu que cerca de 60 mil judeus dessem início à ocupação de territórios palestinos
Tatiane Correia, GGN
A Segunda Guerra Mundial não só culminou com o extermínio de milhões de judeus na Europa, mas também foi o primeiro passo para a longa guerra entre judeus e palestinos no Oriente Médio por conta da assinatura do Acordo de Haavara.
Assinado em 25 de agosto de 1933 pela Agência Judaica para a Palestina e o governo alemão nazista, o Acordo de Haavara viabilizou a migração de judeus da Alemanha para a Palestina, então controlada pelo Reino Unido, levando parte de seus bens, em especial produtos alemães.
Como lembra o jornal britânico The Independent, o Acordo de Haavara foi o único contrato formal assinado entre a Alemanha nazista e uma organização sionista. Os signatários foram o Ministério da Economia do Reich, a Zionistische Vereinigung für Deutschland (Federação Sionista da Alemanha) e o Banco Anglo-Palestino (então sob a diretriz da Agência Judaica para a Palestina).
Em linhas gerais, o Acordo de Haavara tinha a seguinte proposição:
– Transferência de Bens: O acordo permitia que judeus emigrantes transferissem parte de seus ativos para a Palestina em forma de mercadorias produzidas na Alemanha. Isso significava que os judeus que estavam deixando a Alemanha podiam converter seus ativos em produtos alemães, que seriam então vendidos na Palestina.
– Compensação: As autoridades alemãs emitiam uma garantia de que os bens exportados para a Palestina seriam pagos aos judeus emigrantes ou a uma entidade sionista na Palestina. Essa garantia era crucial, pois havia preocupações sobre a confiabilidade do governo alemão em relação ao pagamento.
– Empresa de Colonização: A Haavara Ltd., empresa de colonização sionista, era responsável por receber os fundos e convertê-los em investimentos na Palestina;
– Importação de Produtos Alemães: Os investimentos financiavam a compra de produtos alemães, que eram exportados para a Palestina;
– Capital Inicial: O acordo exigia um capital inicial de 1.000 libras esterlinas por emigrante, o que limitava o acesso a judeus mais ricos.
O acordo foi bom para ambas as partes: para os judeus, foi a oportunidade de escapar da perseguição do governo de Adolf Hitler, levando consigo parte de sua riqueza.
Para a Alemanha nazista, o acordo proporcionou uma saída para seus produtos em um momento de crise econômica global, além de reduzir o número de judeus dentro do país.
O acordo entre sionistas e nazistas funcionou de forma regular pelo menos até 1938, e favoreceu cerca de 60 mil judeus Alemães e austríacos que, ao emigrar, levaram consigo 100 milhões de dólares (em torno de $ 1,7 bilhões, em valores de 2009), recursos que serviram para lançar as bases da infraestrutura do futuro estado de Israel.
Restrições britânicas
A Palestina era controlada pelos britânicos, que tentaram estabelecer restrições à imigração de judeus e a entrada de bens. Entretanto, o Acordo de Haavara driblou tais regras, uma vez que os produtos alemães não eram contados nas quotas de imigração judaica.
O acordo teve severas implicações para os palestinos, principalmente quando se considera o contexto da época. Entre os pontos, podemos destacar:
Concorrência Econômica: A chegada dos produtos alemães à Palestina através do Acordo de Haavara representou uma concorrência para os produtores e comerciantes locais. Isso poderia afetar negativamente a economia local, especialmente se os produtos alemães fossem vendidos a preços mais baixos.
Tensões Políticas: O aumento da imigração judaica para a Palestina, facilitada em parte pelo Acordo de Haavara, exacerbou as tensões entre a população judaica e árabe na região. Os palestinos já estavam preocupados com a crescente presença judaica e temiam a perda de terras e recursos.
Impacto Demográfico: A imigração judaica incentivada pelo Acordo de Haavara contribuiu para mudanças demográficas na Palestina, aumentando a população judaica em relação à árabe. Isso alimentou ainda mais as tensões étnicas e religiosas na região.
Consequências a Longo Prazo: O Acordo de Haavara pode ser visto como um dos muitos fatores que moldaram o conflito entre judeus e palestinos na região. As tensões resultantes desse conflito continuam a ter repercussões até os dias de hoje.
Cenário atual
A pressão dos judeus em torno da Palestina tem sido vista até hoje, com o governo de Benjamin Netanyahu retendo e enviando sua receita em impostos para um fundo na Noruega, reduzindo a capacidade do governo em pagar salários do funcionalismo público e fazer os investimentos necessários para tentar conter os efeitos da guerra na Faixa de Gaza.
Em artigo publicado no Jornal GGN, a professora aposentada Maria Luiza Alencar Mayer Feitosa lembra que a resolução das Nações Unidas “instalou Israel como entreposto dos EUA, ali no Oriente Médio, pertinho dos grandes interesses energéticos que movem o mundo. Desde 1948, a Palestina tem vivido em situação de conflito endêmico, porque uma guerra teve início no dia seguinte à criação desse novo Estado. E depois outra e outra e outra, todas vencidas por Israel”.
“Israel foi, pouco a pouco, usurpando mais e mais terras e acuando os palestinos. Restaram Gaza e Cisjordânia, onde fica Jerusalém oriental, capital da Palestina, distantes uma da outra, sem fronteira mesmo. Gaza é uma faixa parecida com a praia de Cabo Branco (maior, claro), espremida entre Israel e o Mar Mediterrâneo. Ali, na zona de maior conflito, cresceu o Hamas, partido político, hoje, grupo terrorista”.
Em 2018, o líder da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, afirmou publicamente que os judeus na Europa foram massacrados durante séculos devido ao seu “papel social relacionado com a usura e os bancos”.
Durante reunião do Conselho Nacional Palestino, Abbas discutiu a sua perspectiva sobre a história judaica e sionista, argumentando que Israel é um “projeto colonial sem qualquer relação com o judaísmo”.
“Desde o século XI até ao Holocausto que teve lugar na Alemanha, os judeus – que se mudaram para a Europa Ocidental e Oriental – foram submetidos a um massacre a cada 10 a 15 anos. Mas por que isso aconteceu?” Abbas disse: “A questão judaica que foi generalizada em todos os países europeus… não foi por causa da sua religião, mas sim do seu papel social relacionado com a usura e os bancos”, pontuou, segundo artigo publicado no jornal The Jerusalem Post.
Em suma, o Acordo de Haavara não apenas teve impactos econômicos imediatos na Palestina, mas também contribuiu para a ebulição de décadas de tensões políticas e étnicas na região, incluindo os recentes massacres na região de Gaza.
Tatiane Correia Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
Quando eles voltarão?
Isolamento de Israel reacende uma hipótese-tabu. E se os palestinos tiverem direito a um Estado, e puderem retornar às terras roubadas a partir de 1948? Tel-Aviv busca caminho oposto: completar o genocídio, despejando-os no Egito
Glauco Faria, Outras Palavras (leia aqui)
Por um novo tribunal de Nuremberg
Respeitada a natureza atemporal de um genocídio, Netanyahu não deveria estar sentado aí?
Genocídio israelense em Gaza - atualizações
# Israel conclamou líderes do mundo inteiro a criticarem a fala de Lula. Não aconteceu nada (Intercept) # As palavras apodrecem (Luiz Eduardo Soares, Boitempo) # Israel mitifica o "holocausto" para que possa praticá-lo com os palestinos: a tragédia injustificável sofrida pelos judeus sob o nazismo não pode servir como cortina de fumaça para a tragédia em Gaza (adapt Intercept) # Beatrix von Storch, lider da extrema direita alemã, confraterniza com Bolsonaro (Correio Braziliense) # Omar Aziz: Bolsonaro festejar nazista no Planalto não gerou a mesma histeria que a fala de Lula (Uol) # # Estou orgulhosa das ruínas em Gaza, diz ministra israelense da Igualdade (Uol)
Leitura imperdível:
A metáfora de Lula
O antissemitismo vem sendo usado como pretexto para defender o atual governo de extrema direita de Israel. O antissionismo e o antissemitismo são colocados no mesmo saco
Liszt Vieira, A Terra é redonda (expandir)
O Governo de Israel matou mais de 30 mil civis na Palestina. Bombardeou 34 hospitais e 104 escolas e universidades. Milhões de pessoas estão sem condições mínimas de sobrevivência: sem comida, remédios, condições sanitárias e abrigo.
O nome desse extermínio é genocídio. Mas a mídia ignora isso e prefere criticar a denúncia de Lula que usou uma comparação que pode ser chamada de metáfora. O Holocausto foi um massacre de seis milhões de judeus. O extermínio de palestinos é um massacre de, até agora, 30 mil civis, dos quais mais de 10 mil crianças.
O Governo de Israel não é proprietário da palavra Holocausto. Essa palavra pode ser usada por qualquer um, como metáfora de extermínio, embora seja diferente o extermínio de judeus – e também de socialistas, comunistas, homossexuais, portadores de necessidades especiais e ciganos – pela Alemanha nazista e o extermínio atual de palestinos pelo governo neofascista de Israel. As condições são muito diferentes no que se refere à quantidade de pessoas assassinadas, situação histórica, condições políticas etc.
É verdade que, mudando a quantidade, muda a qualidade, mas a metáfora não é uma imitação. Uma comparação metafórica de X com Y não significa que X seja igual a Y. Significa que ambos têm algo em comum. Por definição, “metáfora” é uma figura de linguagem utilizada para fazer comparações por semelhança. É o uso de uma palavra com o significado de outra. No caso, o que existe em comum é o extermínio em massa de pessoas inocentes.
Lula só foi criticado pelo governo de Israel e pela mídia brasileira. Nenhum governo, de nenhum país, criticou Lula, que se tornou uma referência importante para a opinião pública mundial, escandalizada com o genocídio dos palestinos. Lula colocou o dedo na ferida e penetrou no coração das trevas. A mídia brasileira, porém, prioriza a decisão de Israel de considerar Lula como persona non grata. O embaixador brasileiro, humilhado em Israel, foi chamado de volta ao Brasil. Uma pequena crise diplomática que está sendo usada como vã tentativa de tapar o sol com a peneira e ignorar o genocídio dos palestinos.
Na realidade, o atual governo de Israel sempre apoiou o governo de Jair Bolsonaro, e autorizou a venda de equipamento de espionagem para Jair Bolsonaro espionar seus adversários políticos. A extrema direita no Brasil conta agora com uma nova base de apoio: o desenvolvimento atual do chamado sionismo cristão, bandeira dos neopentecostais com seu apoio irrestrito a Israel.
Manifestações de massa, em todo o mundo, protestaram nas ruas contra o massacre de palestinos. Organizações de judeus progressistas condenaram com veemência a guerra de extermínio levada a cabo pelo governo de Benjamin Netanyahu. Mas isso vem de longe. Logo após a criação do Estado de Israel pela ONU em 1948, o novo governo decidiu que “a fronteira será definida pela guerra”. Assim, Israel rapidamente tornou-se um país colonialista que invadiu terras da Palestina, expulsou seus moradores e, muitas vezes, violou mulheres e matou civis nas aldeias, conforme depoimento de antigos soldados do Exército de Israel.
O antissemitismo vem sendo usado como pretexto para defender o atual governo de extrema direita de Israel. O antissionismo e o antissemitismo são colocados no mesmo saco. O Holocausto é usado como um argumento passe partout para justificar a invasão da Palestina e o extermínio de seus habitantes. No Brasil, quem criticava o governo de Jair Bolsonaro era chamado de antipatriota pela direita. Da mesma forma, quem critica o atual governo Benjamin Netanyahu é chamado de antissemita.
Em 20 de fevereiro último, o Governo Norte-americano vetou pela 3ª vez o cessar-fogo em Gaza no Conselho de Segurança da ONU. Os Estados Unidos usaram seu poder de veto para rejeitar uma resolução de cessar-fogo na Faixa de Gaza proposta durante reunião no Conselho de Segurança da ONU. Por outro lado, o diplomata Celso Amorim disse que a fala de Lula “sacudiu o mundo e pode ajudar a resolver a questão da guerra”.
Em meio à crise diplomática com Israel, o governo brasileiro pediu que a Corte de Haia declare ilegal a ocupação por Israel dos territórios palestinos. A delegação brasileira defende criação de dois Estados. “A ocupação de Israel dos territórios palestinos que persiste desde 1967 em violação ao direito internacional e a várias resoluções da Assembleia-Geral da ONU e do Conselho de Segurança não pode ser aceita, muito menos normalizada”, afirmou a diplomata Maria Clara Paula de Tusco, representante do Brasil no Tribunal. Ela defendeu que a Corte declare a ocupação israelense ilegal.
Não há solução militar para o conflito de Israel com a Palestina. Mas o atual governo de Israel precisa de guerra para sobreviver. Sabe que pode cair se e quando a guerra terminar. Com o apoio dos EUA, o governo israelense conquista vitórias militares, mas perdeu a batalha política na opinião pública e se tornou inimigo da sociedade civil mundial e de seus valores humanitários. Sem apoio político, os tiranos não se sustentam muito tempo. O mundo dá voltas. No longo prazo, as vitórias de hoje podem ser uma vitória de Pirro.
*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond). [https://amzn.to/3sQ7Qn3]
Lula não citou "holocausto" e condenou o Hamas no discurso que gerou a crise diplomática
O GGN fez a checagem do discurso do presidente: frase distorcida e recortada de ampla fala tornou-se uma polêmica internacional
Patrícia Faerman, GGN (expandir)
O presidente Lula criticou e enfatizou a condenação ao grupo armado Hamas no discurso do último domingo (18). Ainda, Lula tampouco citou “holocausto”, não criticou os judeus e não invalidou a perseguição aos judeus nas críticas à violência do Estado de Israel na Faixa de Gaza.
Desinformação e interpretação de jornais brasileiros e israelenses, obtidas a partir de mínimo recorte da fala do presidente, foram responsáveis por desatinar uma crise diplomática entre o Brasil e Israel. É o que mostra a análise objetiva do que efetivamente falou o presidente.
No discurso do último domingo, o que gerou ampla polêmica foi uma frase de 5 palavras, dentro de uma longa explanação no qual o líder brasileiro criticava a inação de órgãos internacionais para interromper o conflito na região e as consequentes mortes de milhares de civis e inocentes.
Ao escutar a fala de Lula, o presidente disse: “O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus.” O presidente não criticou o povo judeu e não minimizou o holocausto.
Anteriormente, Lula explicava que o “Brasil foi o 1º país a reconhecer o Estado palestino” e que era necessária uma mobilização internacional, de mais países, junto aos órgãos para interromper o conflito. Ele respondia a uma pergunta de um repórter sobre a ajuda humanitária do Brasil aos palestinos:
“Não é possível que a gente possa colocar [como um patamar] tão pequeno, sabe, você deixar de ter ajuda humanitária. Quem vai ajudar a reconstruir aquelas casas que foram destruídas? Quem vai retribuir a vida de 30.000 pessoas que já morreram, 70.000 que estão feridos? Quem vai devolver a vida das crianças que morreram sem saber por que estavam morrendo? Isso é pouco para mexer com o senso humanitário dos dirigentes políticos do planeta?“, questionava.
E criticou os demais países, citando outras decisões do Conselho de Segurança da ONU em conflitos internacionais, não somente o caso da Faixa de Gaza:
“O que está acontecendo no mundo hoje é falta de instância de deliberação. Nós não temos governança. Eu digo todo dia: a invasão do Iraque não passou pelo Conselho de Segurança da ONU, a invasão da Líbia não passou, a invasão da Ucrânia não passou pelo Conselho e a chacina de Gaza não passou pelo Conselho de Segurança da ONU. Aliás, as decisões do Conselho não foram cumpridas. E tampouco foi cumprida a decisão penal tomada agora no processo da África do Sul.”
Ao final de sua resposta, o presidente brasileiro ainda voltou a enfatizar a condenação do Hamas pelo Brasil: “O que é que estamos esperando para humanizar o ser humano? É isso que está faltando no mundo. Então, o Brasil continua solidário ao povo palestino. O Brasil condenou o Hamas, mas o Brasil não pode deixar de condenar o que o exército de Israel está fazendo na Faixa de Gaza”.
Chanceler de Israel disseminou informações falsas de Lula
A repercussão da imprensa brasileira na fala de Lula respingou nos jornais internacionais e o próprio chanceler de Israel, Israel Katz, chegou a disseminar Fake News sobre os recortes da declaração do presidente brasileiro.
“Que vergonha. Sua comparação é promíscua, delirante. Vergonha para o Brasil e um cuspe no rosto dos judeus brasileiros. Ainda não é tarde para aprender História e pedir desculpas. Até então – continuará sendo persona non grata em Israel!”, afirmou o chanceler israelense, nesta terça (20).
O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta, teve que desmentir o chanceler e ressaltar que se tratavam de informações falsas:
“O chanceler de Israel, Israel Katz, distribui conteúdo falso atribuindo ao presidente Lula opiniões que jamais foram ditas por ele. Em nenhum momento o presidente fez críticas ao povo judeu, tampouco negou o holocausto. Lula condena o massacre da população civil de Gaza promovido pelo governo de extrema-direita de Netanyahu, que já matou mais de 30 mil palestinos, entre eles, 10 mil crianças”, disse Pimenta.
Leia a íntegra da declaração de Lula:
É muito engraçado. Quando eu vejo o mundo rico anunciar que está parando de dar contribuição para a questão humanitária aos palestinos, eu fico imaginando qual é o tamanho da consciência política dessa gente e qual é o tamanho do coração solidário dessa gente que não está vendo que na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio.
De que não é uma guerra entre soldados e soldados, é uma guerra entre soldados altamente preparados e mulheres e crianças. Olha, se houve algum erro nessa instituição que apura dinheiro, que se apure quem errou. Mas não suspenda a ajuda humanitária a um povo que está há quantas décadas tentando construir o seu Estado.
O Brasil não apenas afirmou que vai dar contribuição –eu não posso dizer quanto porque não é o presidente quem define. É preciso ver quem é que cuida disso no governo para ver quanto é que vai dar. O Brasil disse que vai defender na ONU a definição de o Estado palestino ser reconhecido definitivamente como Estado pleno e soberano.
É importante lembrar que em 2010 o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o Estado palestino. É preciso parar de ser pequeno quando a gente tem que ser grande. O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus.
Então não é possível que a gente possa colocar um tema tão pequeno, sabe, você deixar de ter ajuda humanitária. Quem vai ajudar a reconstruir aquelas casas que foram destruídas? Quem vai retribuir a vida de 30.000 pessoas que já morreram, 70.000 que estão feridos? Quem vai devolver a vida das crianças que morreram sem saber por que estavam morrendo?
Isso é pouco para mexer com o senso humanitário dos dirigentes políticos do planeta? Então, sinceramente, ou os dirigentes políticos mudam seu comportamento com relação ao ser humano, ou o ser humano vai terminar mudando a classe política.
O que está acontecendo no mundo hoje é falta de instância de deliberação. Nós não temos governança. Eu digo todo dia: a invasão do Iraque não passou pelo Conselho de Segurança da ONU, a invasão da Líbia não passou pelo Conselho de Segurança da ONU, a invasão da Ucrânia não passou pelo Conselho de Segurança da ONU e a chacina de Gaza não passou pelo Conselho de Segurança da ONU. Aliás, as decisões do Conselho não foram cumpridas. E tampouco foi cumprida a decisão penal tomada agora no processo da África do Sul.
O que é que estamos esperando para humanizar o ser humano? É isso que está faltando no mundo. Então o Brasil continua solidário ao povo palestino. O Brasil condenou o Hamas, mas o Brasil não pode deixar de condenar o que o exército de Israel está fazendo na Faixa de Gaza.
Ministro diz que ataques de Israel a Lula são página vergonhosa da diplomacia
Delis Hortiz, TV Globo (expandir)
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou na noite desta terça-feira (20) que a postura israelense após declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a guerra em Gaza é uma "vergonhosa página da diplomacia de Israel".
Lula classificou como "genocídio" e "chacina" a resposta de Israel na Faixa de Gaza aos ataques terroristas promovidos pelo Hamas no início de outubro.
Ele comparou a ação israelense ao extermínio de milhões de judeus pelos nazistas chefiados por Adolf Hitler no século passado. "O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus", disse Lula.
Em reação, Israel declarou Lula persona non grata no país. Mais cedo nesta terça, o chanceler israelense, Israel Katz, divulgou texto no qual afirmou que "milhões de judeus em todo o mundo estão à espera do seu [de Lula] pedido de desculpas. Como ousa comparar Israel a Hitler?"
"Que vergonha. Sua comparação é promíscua, delirante. Vergonha para o Brasil e um cuspe no rosto dos judeus brasileiros. Ainda não é tarde para aprender História e pedir desculpas. Até então - continuará sendo persona non grata em Israel!", continuou Katz.
Em declarações divulgadas pelo Itamaraty, dadas a duas agências de notícias internacionais (Reuters e Bloomberg), Mauro Vieira repudiou as falas das autoridades israelenses.
"Uma chancelaria dirigir-se dessa forma a um chefe de Estado, de um país amigo, o presidente Lula, é algo insólito e revoltante. Uma chancelaria recorrer sistematicamente à distorção de declarações e a mentiras é ofensivo e grave. É uma vergonhosa página da história da diplomacia de Israel, com recurso à linguagem chula e irresponsável", afirmou Vieira.
O ministro disse ainda que "Katz distorce posições do Brasil para tentar tirar proveito em política doméstica".
Cresce apoio às denúncias de Lula contra genocídio israelense em Gaza
2024? 1944?
A hipocrisia israelense
O Estado de Israel - e não os judeus - comete genocídio contra os palestinos em Gaza, em tudo semelhante às práticas nazistas nos campos de concentração. As fotos (em sequência abaixo) são suficientes para denunciar Telavive em tribunais internacionais e perante a opinião pública, tal como fez o presidente Lula em seu pronunciamento
Leia ainda: # Juristas defendem fala de Lula (GGN) # Lula não matou ninguém e os genocidas é que são personas non gratas para toda a humanidade (247) # Lula disse a verdade e o Brasil deveria retirar seu embaixador de Israel (Carta Capital) # Conib não nos representa (Fórum) # Coletivo de judeus defende Lula (Folha) # Cresce apoio à denúncia de Lula contra o genocídio israelense em Gaza (jsfaro.net) # Ataque contra Lula é parte do genocídio generalizado imposto por Israel, diz embaixador palestino (Carta Capital)
As razões de Lula ao denunciar genocídio israelense em Gaza
# Lula equipara ação de Israel em Gaza a holocausto # Breno Altman sugere que governo Lula rompa relações diplomáticas com Israel (Opera Mundi) # Leonardo Attuch: Guerra chegou ao Brasil. Lula precisa de apoio e mobilização (247) # Netanyahu é quem deveria se envergonhar dos crimes contra a Humanidade, diz Gleisi Hoffmann (247) # Lula: Netanyahu, que matou quase 30 mil e feriu 70 mil, "deveria ter vergonha de si mesmo" (247) # Kenan Malik: Acusar qualquer crítico do governo de Israel de antissemitismo é uma distorção dos fatos (Carta Capital) # Eva Llouz: "Netanyahu reforçou o supremacismo isralense" (IHU)
➥ Vozes contra o genocídio
Munir Nasser e Marcus Sokol, A Terra é redonda
Do rio Jordão ao mar Mediterrâneo – um único Estado democrático
Há dois meses é o horror em Gaza. Israel rompeu a “pausa” de sete dias, mas com honrosas exceções, a maioria dos editorialistas repete a narrativa sionista que justifica o bombardeio de civis. Há mais de 15 mil mortos, 6 mil crianças. Para nós, que aqui assinamos, de origem palestina, um, e de origem judaica, o outro, as crianças estraçalhadas na Faixa de Gaza são iguais às crianças estraçalhadas no gueto de Varsóvia.
A resistência palestina está de pé. Sucedem-se atos pelo cessar-fogo, dos judeus de Nova York aos muçulmanos de Kerala (Índia), com várias crenças e sem crença. Milhões nas capitais do mundo.
Há manifestos de intelectuais e artistas, entidades médicas e de direitos humanos. No último dia 29, 50 atos expressaram a solidariedade ao povo palestino no Brasil. No dia 30, os sindicatos de portuários europeus fizeram ações de protesto, o porto de Marselha parou por uma hora. E dia 1º de dezembro nos EUA, o poderoso sindicato UAW pediu o cessar-fogo.
Agencias da ONU já se posicionaram, mas como instituição a ONU nada fez de prático. Não obstante, ela define o genocídio como “a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso enquanto tal”. É o que repete Benjamin Netanyahu, armado por Joe Biden, inclusive na limpeza étnica na Cisjordânia.
Nós, que assinamos, perguntamos: como é possível o bombardeio de civis por dois meses? Para nós, isso é uma expressão, há outras – fome e miséria, desemprego, meio ambiente – de uma ordem internacional esgotada, que ameaça arrastar a humanidade para o caos das guerras, o abismo.
Rosa Luxemburgo, revolucionária de ascendência judaica assassinada na Alemanha em 1919, formulou o agudo dilema “socialismo ou barbárie”. Nada mais atual. Se a revolução está atrasada, traços da barbárie protuberam.
É um extermínio bárbaro, o que estamos vendo em Gaza. Ele vem de longe. A partilha da Palestina histórica começou em 1917. Lorde Balfour, ministro de Sua Majestade britânica, o ocupante militar, enviou uma carta ao banqueiro Rothschild prometendo-lhe um “lar nacional judaico”, bandeira do então minoritário sionismo.
A partilha final, na ONU em 1947, foi bancada por Harry Truman, dos EUA, e Joseph Stalin, da antiga URSS, interessados no enclave sionista para manipular os árabes e suas riquezas petrolíferas. Mas a maioria dos milhões de judeus traumatizados que saíram do leste da Europa no pós-guerra, não foram para Israel, foram para EUA, Canadá, Austrália, Europa Ocidental e América Latina.
Israel não respeitou as fronteiras da fundação, nem os “acordos de paz”. É um Estado em guerra permanente – com as detestáveis mortes de civis em todos os lados – para ampliar fronteiras “seguras”, frente à inaceitável expropriação e expulsão de 750 mil palestinos na Nakba. O Estado-apartheid de Israel nega aos palestinos o direito ao retorno, e aos do interior, os direitos civis.
Hoje, está claro que faliu a solução dos “dois Estados” – Israel e a chamada Autoridade Nacional Palestina.
Não é razoável que o governo do presidente Lula mantenha relações “normais” com um Estado-apartheid genocida. É hora de escalar o bloqueio dos contratos militares, de convênios culturais e de relações comerciais, até a ruptura das relações diplomáticas.
Nós, que aqui assinamos, começamos jovens a combater o sionismo em diferentes situações, todavia, juntos propomos esta reflexão à opinião pública. É preciso garantir direitos iguais aos dois povos que conviveram e, por trabalhoso que seja, podem voltar a conviver fraternalmente, sem racismo nem opressão, na forma soberana que decidam.
Nós nos associamos às todas as vozes contra o genocídio, em particular, ao One Democratic State Campaing, de palestinos e judeus como Haidar Eid, professor de literatura em Gaza, e Ilan Pappé, historiador israelense. Estamos juntos por ajuda humanitária, fim da colonização, liberdade para os palestinos, por um único estado democrático.
*Munir Naser é membro da Juventude Sanaúd.
*Markus Sokol é membro do Diretório Nacional do PT.
Publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo.
➥ Eu tenho lado nesta guerra
Jamil Chade, Uol
Quando o bloqueio sobre Gaza foi estabelecido, o governo de Israel convocou nutricionista para que examinassem o volume de alimentos que poderia entrar na região. Assim, evitariam que os palestinos morressem de fome. Mas, ao mesmo tempo, impediriam qualquer tipo de fartura. Ficariam no limite.
Para encobrir o massacre, traçam-se paralelos patifes. Comparar a violência do escravo, em luta ou desespero, à do colonizador que o submete é propor o silêncio resignado dos oprimidos. Reflexões no Dia de Solidariedade ao Povo Palestino
Por qual padrão de moralidade a violência usada por um escravo para quebrar suas correntes pode ser considerada igual à violência de um senhor de escravos?
Walter Rodney
Após os ataques do Hamas a Israel, em 7 de outubro, que causaram mais de 1.200 mortes, proliferaram as injunções na grande mídia e entre políticos e especialistas ocidentais, impondo que qualquer um que desejasse expressar uma opinião sobre os acontecimentos e os crimes de guerra israelenses e o genocídio que ocorreram em seguida em Gaza, primeiro deveria denunciar o Hamas antes de expressar qualquer outra opinião. A não obediência explícita a isso ou qualquer tentativa de colocar os acontecimentos no seu contexto histórico ou de enfatizar as causas profundas do conflito foram interpretadas como tolerância às ações do Hamas (ou seja, que a pessoa era um simpatizante do Hamas) e confundidas com antissemitismo.
Foi como se a história do assim chamado “conflito palestino-israelense” tivesse começado em 7 de outubro e não com a Declaração Balfour de 1917, em que o governo colonial britânico anunciava o seu apoio ao estabelecimento de um “lar nacional para o povo judeu” na Palestina. Esse anúncio culminou no que os palestinos e os árabes chamam de Nakba (a Catástrofe) em 1948, concomitante com a fundação do Estado de Israel e ocorrido por meio da limpeza étnica generalizada, dos massacres e da expulsão de centenas de milhares de palestinos. Seguiram-se mais guerras, mais violência, mais matanças e mais ocupação de novos territórios. Isto levou a ainda mais desabrigados, a mais colônias ilegais e a mais bombardeios, que custaram a vida a centenas de milhares de palestinianos e forçaram outros milhões a viver como refugiados. Não vou me alongar nesta história, pois muitas fontes maravilhosas já o fizeram de maneira brilhante. Em vez disso, o meu objetivo aqui é traçar alguns paralelos com a história da luta anticolonial argelina, para mostrar a vacuidade, a miopia e a injustiça de denunciar a violência dos oprimidos/colonizados e dos opressores/colonizadores em termos iguais. Os dilemas morais, os debates sobre a violência e as divergências sobre como as pessoas oprimidas ou colonizadas devem resistir e o que podem ou não fazer não são novos.
Quando penso na Palestina, não posso deixar de traçar paralelos com o caso do meu país natal, a Argélia, durante a era colonial (1830-1962). Não é coincidência que as classes populares e trabalhadoras argelinas apoiam fortemente a causa palestiniana, uma vez que ambos os países experimentaram/experimentam o colonialismo violento e racista. Para entender o porquê, vale a pena visitar os escritos e análises de Frantz Fanon sobre o que ele chamou de “violência revolucionária” em sua obra-prima Os condenados da terra, que escreveu com base nas suas experiências na Argélia e na África Ocidental na década de 1950 e início da década de 1960. Os condenados da terra é um texto canônico sobre a luta anticolonial e serviu como uma espécie de bíblia para as lutas de libertação da Argélia a Guiné-Bissau, da África do Sul à Palestina e ao movimento de libertação negra nos EUA.
Fanon descreveu minuciosamente os mecanismos de violência implementados pelo colonialismo para subjugar as pessoas oprimidas. “O colonialismo não é uma máquina pensante, nem um corpo dotado de faculdades de raciocínio. É a violência no seu estado natural e só cederá quando confrontada com uma violência maior”, escreveu ele. Segundo Fanon, o mundo colonial é um mundo maniqueísta que, levado à sua conclusão lógica, “desumaniza o nativo ou, para falar francamente, transforma-o num animal”. Para ele, “A libertação nacional, o renascimento nacional, a restauração da nacionalidade ao povo, a comunidade: quaisquer que sejam os títulos utilizados ou as novas fórmulas introduzidas, a descolonização é sempre um fenômeno violento”.
A luta pela independência da Argélia contra os colonialistas franceses foi uma das revoluções anti-imperialistas mais inspiradoras do século XX. Parte da onda de descolonização que começou após a Segunda Guerra Mundial (na Índia, China, Cuba, Vietnã e muitos países africanos), a Conferência de Bandung declarou estes movimentos como parte do “despertar do Sul” – um Sul que tem sido sujeito durante décadas (em alguns casos mais de um século) à dominação imperialista.
Após a declaração de guerra na Argélia, em 1º de novembro de 1954, foram cometidas atrocidades impiedosas por ambos os lados (1,5 milhão de mortes, com mais milhões de desalojados no lado argelino e dezenas de milhares de mortos no lado francês). A liderança da Frente de Libertação Nacional (FLN) fez uma avaliação realista do equilíbrio de poder militar, que pendia fortemente a favor da França, que tinha então o quarto maior exército do mundo. A estratégia da FLN foi inspirada na máxima do líder nacionalista vietnamita Ho Chi Minh: “Para cada nove de nós mortos, mataremos um – no final, vocês partirão”. A FLN queria criar um clima de violência e insegurança que acabaria por se revelar intolerável para os franceses, internacionalizar o conflito e trazer a luta da Argélia para a atenção do mundo.
Seguindo esta lógica, Abane Ramdane e Larbi Ben M’hidi decidiram levar a guerrilha às áreas urbanas e lançar a Batalha de Argel em setembro de 1956. Talvez não haja melhor maneira de apreciar este momento chave e dramático de sacrifício do que o clássico filme realista de Gillo Pontecorvo, de 1966: A Batalha de Argel. No filme, há um momento dramático em que o Coronel Mathieu, um disfarce fino para o General Massu da vida real, conduz o líder capturado da FLN, Larbi Ben M’Hidi, para uma conferência de imprensa na qual um jornalista questiona a moralidade de esconder bombas nas cestas de compras das mulheres. “Você não acha um pouco covarde usar cestos e bolsas femininas para carregar artefatos explosivos que matam tantas pessoas?” O repórter pergunta. Ben M’Hidi responde: “E não lhe parece ainda mais covarde lançar bombas de napalm sobre aldeias indefesas, para que haja mil vezes mais vítimas inocentes? Dê-nos seus bombardeiros e você poderá ficar com nossas cestas”.
Através da ampla cobertura favorável da revolução argelina na imprensa afro-americana (com muitas exibições locais de A Batalha de Argel) e também dos escritos de Fanon, a Argélia passou a ocupar um lugar seminal na iconografia, retórica e ideologia de tendências centrais do movimento afro-americano pelos direitos civis, que passou a ver a sua luta como ligada às lutas das nações africanas pela independência.
Depois de visitar a Argélia em 1964 e a Casbah, local da Batalha de Argel contra os franceses em 1956-1957, Malcom X declarou:
As mesmas condições que prevaleceram na Argélia que forçaram o povo, o nobre povo da Argélia, a recorrer eventualmente às táticas de tipo terrorista, que eram necessárias para tirar o macaco das suas costas, essas mesmas condições prevalecem hoje nos Estados Unidos em todas as comunidades negras.
Alguns meses depois, em 1965, ele prosseguiu:
Eu não sou a favor da violência. Se pudéssemos promover o reconhecimento e o respeito do nosso povo por meios pacíficos, muito bem. Todos gostariam de atingir os seus objetivos de forma pacífica. Mas também sou realista. As únicas pessoas neste país que são solicitadas a não serem violentas são os negros.
E ao ouvir sobre o assassinato de Martin Luther King Jr. em 1968, o líder do Partido dos Panteras Negras, Eldridge Cleaver, proclamou:
A guerra começou. A fase violenta da luta de libertação negra chegou e irá espalhar-se. Daquele tiro, daquele sangue. A América será pintada de vermelho. Cadáveres irão se espalhar pelas ruas e as cenas serão uma reminiscência das notícias repugnantes, aterrorizantes e de pesadelo provenientes da Argélia durante o auge da violência geral, mesmo antes do colapso final do regime colonial francês.
Nós também devemos desafiar a narrativa de culpabilização das vítimas que fixa os palestinianos como vítimas imperfeitas, que, nas palavras da estudiosa americano-palestina Noura Erakat, equivale a uma “absolvição e cumplicidade com a dominação colonial de Israel”. Ao escolher destacar a violência palestina, a nossa mensagem para eles “não é que devem resistir de forma mais pacífica, mas que não podem resistir de forma alguma à ocupação e agressão israelense”.
Denunciar e apontar a violência dos oprimidos e colonizados não é apenas imoral, mas também racista. As pessoas colonizadas têm o direito de resistir com todos os meios necessários, especialmente quando todas as vias políticas e pacíficas estiverem bloqueadas ou obstruídas. Ao longo dos últimos 75 anos, todas as tentativas palestinas de negociar um acordo de paz foram rejeitadas e minadas. Todos os meios não violentos foram bloqueados, incluindo a “Marcha do Retorno” endossada pelo Hamas em 2018 (selvagemente reprimida, com mais de 200 pessoas mortas e dezenas de milhares de feridos e mutilados), bem como a campanha internacional de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), que se tornou ilegal em vários países ocidentais sob pressão do lobby sionista.
Em meio a uma ocupação colonial bárbara e em condições de Apartheid, o apropriado seria que qualquer conversa sobre justiça e responsabilização pela violência contra civis começasse acusando o opressor. Como define a racionalidade da revolta e da rebelião de Fanon, os oprimidos revoltam-se porque simplesmente não conseguem respirar.
Optar por se concentrar na denúncia da violência palestina é o mesmo que pedir-lhes que aceitem passivamente o seu destino – morrer em silêncio e não resistir. Em vez disso, concentremo-nos em um cessar-fogo imediato, travando a segunda Nakba, e em pôr fim ao cerco e à ocupação. Ao mesmo tempo que mostramos a nossa solidariedade para com os palestinos na sua luta pela liberdade, justiça e autodeterminação.
As vidas palestinas importam!
Nenhum povo quer ter que olhar para trás e reconhecer os horrores de sua própria história
O termo árabe “al nakba”, traduzido como “a catástrofe”, traz a conotação de uma miséria profunda e refere-se à expulsão de 750 mil palestinos do território onde foi criado o Estado de Israel em maio de 1948.
Mais recentemente, os estudos da área começaram a empregar o termo “Nakba contínua”, para referir-se ao fato de que o processo de expulsão, que teve seu auge em 1948, continua até os dias de hoje. Em 1967, outros 350 mil palestinos foram deslocados da Cisjordânia. Fora dos períodos de guerra, o deslocamento forçado ocorre por outros meios, seja através de leis e dispositivos discriminatórios, seja pela invasão e roubo de casas palestinas por colonos radicais – evento recorrente em Jerusalém oriental.
O primeiro a chamar atenção para o caráter contínuo da Nakba não foi um historiador, mas o escritor libanês, ex-combatente da liberdade, ou fida’i em árabe, Elias Khoury. Ferido ao redor dos vinte anos de idade, trocou o rifle pela caneta, e passou a coletar os fragmentos de histórias palestinas e a tecer narrativas que registram o longo, ininterrupto sofrimento e resiliência, desse povo.
Se o ano de 1948 marcou o ápice da Nakba, significou também a criação do Estado de Israel. A concomitância e intrínseca relação entre os dois eventos gerou enormes disputas historiográficas. A versão dos chamados “velhos” historiadores israelenses, foi retratada pela imagem de um David israelense contra um Golias árabe. O jovem Estado de Israel, nascido das cinzas do holocausto europeu, teria enfrentado uma terrível força árabe, cujo desejo seria eliminar o país e lançar os judeus ao mar. A guerra de 1948, segundo tal narrativa, seria uma guerra de defesa. Os palestinos teriam fugido a mando de seus líderes, para dar lugar à entrada dos exércitos árabes.
Um dos primeiros historiadores palestinos, ‘Arif al-‘Arif, era na ocasião o comissário-assistente do distrito de Ramallah e foi encarregado de receber o negociador da ONU, o conde sueco Folke Bernadotte, na terceira semana de julho de 1948, pouco após a queda e o massacre de Lydd e Ramla. Sessenta mil habitantes dessas duas cidades tinham sido forçados a uma marcha da morte em que centenas deles pereceriam desidratados e exauridos antes de chegar a Ramallah. O Conde Bernadotte tinha sido informado pelos oficiais israelenses que os palestinos fugiram a mando de seus líderes.
‘Arif al-‘Arif conta que ele prontamente levou o Conde Bernadotte para encontrar alguns desses líderes nas cavernas onde tinham se refugiado, para ouvir seus relatos. Foram encontros como esse que certamente fizeram com que Bernadotte reportasse à ONU que “nenhum acordo será justo e completo se não for garantido o reconhecimento do direito dos refugiados árabes a voltarem para suas casas, de onde foram desalojados”. O Conde Bernadotte foi assassinado poucos meses depois pelo grupo extremista Lehi, comandado na época por Yitzhak Shamir, que passaria de “terrorista procurado” pelas autoridades inglesas a primeiro-ministro de Israel, em 1983.
O mito do êxodo voluntário dos palestinos perdurou por três décadas, não obstante Folke Bernadote, ‘Arif al-‘Arif, e o historiador Walid Khalidi, que na década de 1950 foi o primeiro a comprovar a sua falsidade com pesquisas em arquivo. Como a alegação era de que as altas lideranças árabes haviam emitido ordens pela rádio para que os palestinos fugissem, Walid Khalidi revirou o acervo das gravações radiofônicas árabes de 1948, mantido no Museu Nacional de Londres, onde não encontrou nenhum registro de qualquer ordem nesse sentido.
O personagem Adam, do mais recente romance de Elias Khoury publicado no Brasil (Meu nome é Adam, Editora Tabla) pergunta, muito pelo contrário, por que não fugiram?! Morreram estimados 15 mil palestinos na Nakba de 1948. Foram registrados mais de 30 massacres como o de Deir Yassin, ocorrido em 9 de abril de 1948, ou de Tantura, caso investigado por Teddy Katz, aluno do historiador israelense Ilan Pappé na Universidade de Haifa que, após defender sua tese com nota máxima, foi, na sequência, pressionado pela direção da faculdade a alterar suas conclusões.
Na década de 1980, surgiu uma onda de publicações acadêmicas, dos chamados “novos historiadores israelenses” que, mais de duas décadas após os historiadores palestinos a quem ninguém deu ouvidos, também refutaram a velha narrativa sionista do “êxodo voluntário”. Fizeram-no principalmente a partir de arquivos nacionais e militares israelenses abertos 30 anos após 1948. Um novo entendimento foi produzido pela pesquisa do historiador israelense Benny Morris, ao redor de 1987, comprovando que os aproximadamente 750 mil palestinos que se tornaram refugiados em 1948, tinham sido, de fato, expulsos.
Caía por terra, definitivamente, a versão do êxodo voluntário. Mas a discussão passou a girar em torno dos motivos por trás da expulsão. Benny Morris, após titubear, chegaria à conclusão que a expulsão foi a consequência inelutável da guerra de 1948, motivo pelo qual foi duramente criticado pelo cientista político judeu norte-americano, Norman Finkelstein que chamou a tese de Benny Morris de “o meio termo feliz”, já que reconhecia a expulsão, mas negava a motivação.
Vários autores, palestinos e israelenses, de Nur Masalha a Avi Shlaim, fizeram então importantes contribuições ao debate historiográfico e ao processo de desconstrução da mitologia sionista. Contudo, o próximo grande avanço historiográfico viria como resultado da publicação, em 2006, do principal livro de Ilan Pappé, A limpeza étnica da Palestina (Editora Sundermann).
Nele, o autor demonstrou como que na década de 1940, o Fundo Nacional Judeu financiou um projeto secreto para o mapeamento do território da Palestina, ainda sob o Mandato Britânico. O levantamento incluiu os nomes e a localização dos vilarejos, a qualidade das terras de cada aldeia, sua produção agrícola, o número de pomares, o número de árvores em cada pomar, e até de frutos em cada árvore, as fontes de água, carros e carroças, a população masculina adulta, os nomes de todo suspeito de ser um combatente do movimento de resistência do campo, nomes das lideranças e descrição do interior das casas dos mukhtars (líderes/prefeitos), indicando que os espiões judeus eram recebidos com a típica hospitalidade árabe, no interior das casas.
Os arquivos dos vilarejos, construídos de maneira completamente clandestina ao longo da década de 1940 pelos investigadores do Fundo Nacional Judeu, registraram dados extremamente detalhados e cada vez mais relativos às capacidades militares e de resistência dos residentes árabes.
Segundo Ilan Pappé, essa informação foi usada, primeiro, para entender quais terras seriam as mais cobiçadas para a formação do estado judeu quando chegasse o momento; segundo, que tipo de força de resistência poderiam encontrar em cada região e em cada aldeia. Os “arquivos dos vilarejos” teriam fornecido a base de dados para a elaboração do Plano D (Dalet, em hebraico), o plano de guerra do exército israelense em 1948, ou, na visão de Ilan Pappé, o plano para a limpeza étnica da Palestina.
O termo pode ser entendido como uma política deliberada de remoção de populações civis de seus territórios, por meio da violência e do terror, para viabilizar a ocupação por seus perpetradores. Assim, difere da ideia de genocídio, ação onde há uma comprovada intenção de eliminar grupos étnico-raciais, nacionais ou religiosos.
Os ataques aos vilarejos seriam conduzidos inicialmente pelas milícias sionistas, Haganá, Irgun, e Lehi, mais conhecido como o Bando Stern, e teriam início assim que aprovada a partilha da Palestina, em votação da Assembleia Geral da ONU em 29 de novembro de 1947. A ação da Haganá em Wadi Rushmiyya, bairro árabe de Haifa, em dezembro de 1947, foi considerada o marco inicial da limpeza étnica da Palestina. A Haganá aterrorizou os 75 mil habitantes árabes da cidade, incitou-os a fugir, e explodiu suas casas para que não tivessem para onde retornar.
Segundo Ilan Pappé, a primeira fase da limpeza étnica foi realizada de dezembro de 1947 a março de 1948, período marcado por ataques ainda esporádicos das milícias sionistas e episódios de resistência, emboscadas e contra ofensivas palestinas. Em março, foi finalizado o referido Plano Dalet, alterando e acirrando as características do conflito.
Esse plano foi elaborado com base nos dados reunidos nos arquivos dos vilarejos, e traçava as regiões que o movimento sionista deveria tentar conquistar para além das fronteiras designadas pelo ONU. Determinava também os métodos a serem empregados. Segundo Pappé, cercar e bombardear vilarejos e núcleos populacionais; atear fogo às casas, propriedades e bens; expulsar os moradores; demolir as casas; e, finalmente, plantar minas nos destroços para impedir o retorno dos moradores expulsos. Cada unidade paramilitar recebeu uma relação específica de vilarejos e bairros que seriam seu alvo.
O Plano Dalet era a quarta e última versão de planos anteriores que tinham descrito apenas vagamente como a liderança sionista pretendia lidar com a presença de tantos palestinos na terra que o movimento nacional judeu reivindicava. Nas palavras de Ilan Pappé, “o quarto e último traçado dizia clara e inconfundivelmente: os palestinos têm de sair”.
Para Walid Khalidi, o objetivo do plano foi tanto quebrar a resistência palestina, como criar um fato consumado que nem a ONU, nem os Estados Unidos, nem os países árabes, conseguiriam reverter. Isso explica, segundo Walid Khalidi, a velocidade e a virulência dos ataques aos centros populacionais árabes. Na medida em que o plano militar era executado, dezenas de milhares de palestinos seriam forçados a marchar, levando apenas as roupas do corpo, formando rios de refugiados que inundaram os países árabes fronteiriços, na esperança de em breve retornar.
Uma das principais e mais carismáticas lideranças da resistência palestina, Abd al-Qadr al-Husayni, foi morto na batalha de al-Qastal em 9 de abril de 1948. O segundo líder, Hassan Salamah, que conduziu a resistência camponesa al-jihad al-muqaddas, caiu na batalha de Ras al-Ein, em 2 de junho de 1948. A derrota palestina foi selada independentemente do ulterior ingresso dos países árabes na guerra.
Os países árabes votaram contra a resolução AG/ONU 181 que determinou a partilha da Palestina. Jamais concordaram com a instauração do Mandato Britânico da Palestina (1917-1948) e, assim como os próprios palestinos, não aceitavam que uma porção dos territórios árabes fosse entregue para o movimento sionista. Assim que declarada a fundação do Estado de Israel em 14 de maio de 1948, ingressaram na guerra. O objetivo era, alegadamente, impedir a criação do estado sionista. Na prática, boa parte das tropas enviadas eram irregulares, voluntários mal armados e mal treinados, que tinham por objetivo acudir ao apelo dos irmãos palestinos.
A exceção era a Jordânia, com pretensões de anexar as terras férteis da margem ocidental do rio Jordão. A monarquia hachemita tinha o maior exército árabe da época e, na opinião expressa por Walid Khalidi, não fosse por ela, e pela participação do Egito ao sul, os palestinos teriam perdido todas as suas terras em 1948.
Israel foi criado em 78% do território da Palestina histórica, e não nos 52% designados pela ONU. Nessa porção majoritária do território da Palestina histórica, permaneceram apenas cerca de 150 mil palestinos. A Faixa de Gaza recebeu 200 mil refugiados, cujos descendentes representam 70% da população atual. Outros 550 mil palestinos fugiram principalmente para a Cisjordânia, Jordânia, Síria e Líbano. Salman Abu Sitta, expulso de Beer Sheba aos dez anos de idade, refugiou-se com a família em Gaza e depois foi para Londres, onde se formou engenheiro civil.
Abu Sitta mapeou os 530 vilarejos palestinos esvaziados, destruídos e eliminados pelas invasões das milícias sionistas, e do exército de Israel, de finais de 1947 até os armistícios de 1949, e demonstrou que é falso o argumento de que não há espaço para o retorno dos refugiados palestinos às suas terras e cidades de origem.
Dado que os historiadores palestinos foram largamente ignorados, foi a partir da pesquisa apresentada por Ilan Pappé no seu livro A limpeza étnica da Palestina, que se formou uma nova compreensão acerca da Nakba. Não seria mais o caso de dizer que a expulsão dos palestinos existiu, mas foi consequência da guerra, nem que ela foi um objetivo sistematicamente perseguido durante a guerra, mas sim que a guerra foi iniciada no dia seguinte à aprovação da partilha da Palestina pela ONU, para realizar um plano que previa a desocupação delas para a criação de um estado étnico e majoritariamente judeu.
Desnecessário dizer que a tese de Ilan Pappé desagradou profundamente o establishment sionista. O historiador trocou a Universidade de Haifa pela de Exeter, na Inglaterra, mas não deixou de fazer enorme sucesso entre os israelenses que lutam pela conquista dos direitos palestinos e acreditam que devem encontrar formas menos segregacionistas e mais compartilhadas de viverem juntos, do rio ao mar.
Como dizia Edward Said, nenhum povo quer ter que olhar para trás e reconhecer os horrores de sua própria história. Ao mesmo tempo, dizia ele, somente o reconhecimento dos sofrimentos mútuos – dos judeus no Holocausto e dos palestinos na Nakba – poderá gerar a reparação e os elos necessários para uma vida em comum. Enquanto a Nakba continua e se agrava, o reconhecimento da catástrofe apenas começa.
*Arlene Clemesha é professora de história árabe contemporânea da Universidade de São Paulo (DLO-USP). Autora, entre outros livros, de Marxismo e judaísmo: história de uma relação difícil (Boitempo). [https://amzn.to/3GnnLwF]
Publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo.
➥ A Guerra dos Seis Dias: 1967, o início da ocupação
Rafael Gustavo de Oliveira, Le Monde
Segundo artigo da série “Limpeza Étnica” traz um panorama do que foi a Guerra dos Seis Dias e porque ela é um acontecimento chave para entender as mudanças cartográficas ocorridas na Palestina
A Guerra dos Seis Dias, ocorrida em 1967, mostrou-se um importante evento para o surgimento de novas configurações cartográficas na Palestina e da limpeza étnica ainda em curso. Como aponta Denise Jardim, no Conselho de Segurança da ONU, a chamada, até então, “Questão da Palestina” foi renomeada em 1967 para “Situação no Oriente Médio”. A forma de tratamento revela os condicionantes históricos, um determinado momento político dos conflitos no Oriente Médio, bem como a centralidade do território palestino nessas disputas, ainda que a palavra “Palestina” tenha sido subtraída.
Tanques israelenses avançando nas Colinas de Golan durante a Guerra dos Seis Dias (Assaf Kutin/Wikimedia Commons)
Assim, para entender os desdobramentos desse evento, ainda presentes nos dias atuais, devemos lançar mão de uma breve contextualização histórica. O Estado de Israel consegue expandir suas fronteiras cartográficas além do que foi definido na resolução 181 de 29 de novembro de 1947, em função de um plano orquestrado pela França, Inglaterra e o Estado sionista, visando a retomada do controle do Canal de Suez ainda em 1957. O canal encontra-se no Egito, na região da Península do Sinai e é considerado uma das principais rotas comerciais marítimas no mundo, sendo estratégica, uma vez que está localizado na rota entre o continente africano e asiático, além de sua proximidade com a Europa. Sendo um canal “artificial”, foi apresentado ao mundo em 1869, servindo de importante ponto estratégico para a expansão dos interesses econômicos das potências europeias à época. Estando em território egípcio, fora nacionalizado pelo governo de Abdel Nasser no ano de 1956, feito que desagradou as potências imperialistas europeias, servindo de escusa para uma intervenção militar que, também, servira aos interesses israelenses no que diz respeito à expansão de seus controles territoriais.
Assim, em 1957, um ano após a nacionalização do canal, segundo o plano francês, o Estado israelense invadiria o Egito, protagonizando o início das operações militares na região. Como explica Leonardo Schiocchet, a chamada “Crise do Canal de Suez” acarretou em dois resultados imediatos: uma profunda crise de legitimidade da ação frente aos próprios britânicos [participantes do plano] e a comunidade internacional; e a intensificação do conflito entre o mundo árabe de um lado, e Israel e as potências europeias de outro.
Na outra mão, os países árabes que participaram da guerra foram a Jordânia, a Síria, o Iraque, o Líbano e o Egito. Com o acirramento das tensões entre o Estado israelense e o governo nasserista (no qual uma das principais bandeiras era a “libertação da Palestina”), acontece, em 1967, o que veio a ser conhecida como a “Guerra dos Seis Dias”.
Importante notar que uma das motivações iniciais para o começo dos conflitos armados teria sido a expulsão das tropas da ONU que se encontravam na Península do Sinai (uma das margens do canal de Suez), o que justificava, segundo o governo israelense, uma invasão. Neste momento, o Estado de Israel via-se mais forte militar e politicamente do que os países árabes vizinhos. No entanto, frente a uma ameaça destes países, o Estado sionista pretendeu, antes, “mostrar sua força”. Isso poderia levar a um acordo mais estável do que o que pudera conseguir [com as potências ocidentais], mas por trás disso havia a esperança de conquistar o resto da Palestina e terminar a guerra inacabada de 1948[1].
GUERRA DE SEIS DIAS
Em 14 de junho de 1967, o Estado israelense ataca o Egito e, nos dias seguintes, domina o Canal de Suez, ocupando militarmente o Sinai no Egito e, na Palestina, Jerusalém, Cisjordânia e Faixa de Gaza, além das Colinas de Golan (território sírio, também conhecidas por Jawlan). Assim, como aponta Hourani, o que resultou de maneira mais significativa a longo prazo foi a ocupação israelense da Palestina: Jerusalém, Gaza e parte ocidental da Jordânia (mais especificamente a marge oeste do Rio Jordão, também referida como “margem ocidental”, ou, Cisjordânia). De maneira similar aos eventos ocorridos em 1948 (a Nakbah), os palestinos se referem à Guerra de Seis Dias como Al Naksa, que pode ser traduzido para o português como “revés” – ou “recaída / reincidência”.
Assim, durante e após a referida guerra, mais palestinos se tornaram refugiados, e mais caíram sob o domínio israelense. Como afirma Arlene Clemecha, na ocasião, aproximadamente 240 mil palestinos foram forçados a deixar suas terras. Com isso, alguns se tornaram refugiados pela segunda vez, e passaram a ser denominados, junto com seus descendentes, de “deslocados de 1967”. A partir da Guerra dos Seis Dias, então, tem-se início a ocupação dos chamados Territórios Palestinos Ocupados (TPO). O termo “ocupação”, neste sentido, pode ser usado para referência à presença militar e administrativa da Cisjordânia, Colinas de Golan e Faixa de Gaza (até 2005), a partir do reconhecimento formal da Comunidade Internacional, através de instituições como a ONU ou a Anistia Internacional, e da condenação constante emitida por estas.
Este termo, no entanto, pode ser expresso de maneiras divergentes àquelas estipuladas pelas diretrizes das instituições acima referidas. Grosso modo, o termo “ocupação”, enquanto uma categoria nativa possível, é também expresso de forma situacional e localizada, variando a construção de sentidos de acordo com espaços distintos. Em outras palavras, dentre as expressões locais, na Palestina, esta categoria pode se referir também à “48”, enquanto espaço.
Mapa de territórios ocupados
Aqui, note-se, o termo local “48” – cotidianamente utilizado nos jargões populares – não faz referência ao ano de 1948, mas sim ao espaço da Palestina onde foram estabelecidas as fronteiras geográficas reconhecidas pela Comunidade Internacional como pertencente ao Estado de Israel. Neste sentido, a Palestina, em termos locais, é composta por quatro espaços distintos, a Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jerusalém e 48. De todo modo, embora seja observável o uso cotidiano do termo “ocupação” em referência também ao espaço 48, neste artigo fazemos referência à ocupação da Cisjordânia, Jerusalém e Faixa de Gaza (além das colinas de Golã), em acordo com o reconhecimento da existência desta pela Comunidade Internacional.
Assim, como afirma Denise Jardim, em 1967, a ocupação da Cisjordânia, do Sinai, Gaza, Golã e do leste de Jerusalém expandiu a legislação israelense a estes territórios, voltando a utilizar um governo de administração militar nestes territórios. Nesta via, sobre o início da ocupação, segundo Rosemary Sayegh, pouco depois da conquista de 1967, o comandante militar e líder político Yigal Allon formulou o “Plano Allon”, que previa a tomada por Israel de cerca de um terço da Cisjordânia além do controle de toda a região. A recusa israelense de uma retirada total do Sinai, em fevereiro de 1971, em troca de um tratado de paz oferecido pelo Egito, levou à guerra de outubro de 1973 [também conhecida como guerra de Yom Kippur]. Com isto, os parâmetros básicos da política israelense com relação aos territórios palestinos foram estabelecidos no fim da década de 1960, na proposta de Yigal Allon, um importante membro trabalhista do governo.
O “Plano Allon”, propunha a anexação por Israel de até metade da Cisjordânia, confinando os palestinos a dois cantões separados no norte e no sul da outra metade[2]. Ainda, como demonstra Hourani: “Os israelenses começaram a administrar as terras conquistadas praticamente como partes de Israel. O Conselho das Nações Unidas finalmente conseguiu, em novembro, chegar a um acordo sobre a Resolução 242, por cujos termos haveria paz dentro de fronteiras seguras e reconhecidas, Israel se retiraria dos territórios que tinha conquistado e cuidaria dos refugiados. Mas houve desacordo sobre o modo como isso devia ser interpretado; se os palestinos deviam ser encarados como uma nação ou uma massa de refugiados individuais. Os chefes de estados árabes adotaram sua própria resolução numa conferência realizada em Cartum, em setembro de 1967, nenhum reconhecimento das conquistas israelenses e nenhuma negociação.”
DESLOCAMENTOS FORÇADOS
A partir dos eventos de 1967, por volta de 450 mil palestinos foram deslocados, em função das novas políticas israelenses. Dentre estas, destaca-se a demolição de casas (aos moldes do colonialismo britânico), a construção de muros e instalação de diversos assentamentos visando popular os espaços ocupados. Além disso, Israel mantém políticas de deportação da população palestina. Ainda, como coloca Arlene Clemecha, o número exato das denominadas “Pessoas Internamente Deslocadas”, como são chamados os desenraizados de dentro das fronteiras dos territórios ocupados, é desconhecido devido à ausência de um sistema centralizado de registros.
A Guerra dos Seis Dias, assim, é um marco importante para a compreensão da atual conjuntura política, social e econômica da Palestina, uma vez que o evento deu início à ocupação militar da Cisjordânia, tendo sido implementadas políticas de controle de mobilidade, controle de recursos naturais, controle de distribuição indireta de energia elétrica, instalação de checkpoints por todo o território, instalação de assentamentos ilegais que abrigam colonos israelenses, distribuição de armas de grosso calibre para colonos, controle de fronteiras e alfandegário e demais políticas em curso ainda nos dias atuais.
CAMP DAVID E OS PRIMEIROS ACORDOS
O fim pontual da Guerra dos Seis Dias se dá em 17 de setembro de 1978, quando é assinado o primeiro “acordo de Camp David”, entre os governos israelense e egípcio. Este firmava um “acordo de paz”, que previa a retirada israelense do Sinai e sua posterior devolução ao Egito. Ainda, pretendia lançar luz às questões relacionadas à Palestina, no que tange a ocupação israelense dos territórios ocupados a partir de 1967. Fora assinado por Anwar Sadat, presidente egípcio à época, e pelo então Primeiro Ministro israelense Menahem Begin, tendo sido mediado por Jimmy Carter, presidente dos Estados Unidos. Em função deste acordo, a conferência da Cúpula Árabe, realizada entre 5 e 7 de novembro de 1978, em Bagdá, votou várias sanções contra o Egito[3], por entender que este protagonizou acordos sem consulta alguma aos países árabes e, muito menos, à população palestina. Ou seja, o descontentamento da cúpula se deu pelo entendimento de que Sadat firmou os acordos de forma secreta com o governo israelense. Tais medidas deixaram o Egito em uma posição de isolamento, com relação aos países árabes da região. Na mesma via, reitera-se que, ainda que os acordos de Camp David fossem também referentes às questões da Palestina, os palestinos, novamente, não protagonizaram qualquer participação. Com isso, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) também se posicionou fortemente contrária ao acordo, não apenas por se tratar de uma “paz em separado”, mas sobretudo por considerar que os acordos eram “um novo passo no processo de eliminação da causa palestina” (ibid). Ademais, a OLP, em seu pronunciamento, referiu-se a uma “divisão” dos palestinos, constitutiva dos termos do acordo. Como explica Salem: “O povo palestino é [em função do acordo] dividido em três diferentes categorias: os habitantes da margem ocidental (Cisjordânia) e Gaza; aqueles que foram desalojados desses dois territórios em 1967; e finalmente, de maneira genérica, os refugiados. Os acordos não mencionam, por exemplo, aqueles que foram desalojados depois de 1967 de Gaza e Cisjordânia, nem os que saíram em 1948, mas que não se registraram no UNRWA [Agência da ONU para refugiados palestinos].”
Dentre as objeções feitas pela OLP, uma referia-se diretamente a uma das propostas do acordo, a saber, a que acarretaria a retirada da presença militar israelense dos territórios ocupados em 1967 e a posterior instauração de um governo palestino autônomo. No entanto, nas resoluções do acordo, a composição deste futuro governo seria definida, inicialmente, não pelos palestinos, mas pelos governos egípcio e israelense. Nesta via, a participação palestina nos processos seria subjugada não apenas às decisões do governo egípcio, mas também aos interesses israelenses. O plano, assim, previa a saída dos israelenses dos territórios ocupados em 5 anos, no entanto, até mesmo os processos eleitorais nas regiões da Faixa de Gaza e Cisjordânia aconteceriam sob comando do governo militar israelense[4]. Enfim, como parte do cumprimento do acordo firmado, o Sinai fora devolvido ao Egito, onde o prazo para a retirada total das forças israelenses seria o dia 25 de abril de 1982. O cumprimento israelense, no entanto, jamais acontecera, fazendo com que o Estado de Israel permanecesse com a ocupação militar da Cisjordânia, que se mantém até os dias atuais.
Sobre a Faixa de Gaza, vislumbrou-se a retirada de tropas e assentamentos israelenses deste espaço no ano de 2005. Entretanto, instaurou-se um bloqueio da faixa que, ainda que não contemple a presença física cotidiana de tropas israelenses, mantém absoluto domínio da região, através do controle de trânsito para dentro e fora do espaço, controle total de energia elétrica, telefonia, internet, recursos naturais, atividades de pesca, entrada e saída de bens diversos como alimentos, medicamentos, eletrônicos, veículos, entre outros. O violento bloqueio à Faixa de Gaza é, também, condenado pela Comunidade Internacional. Contudo, mesmo diante de ataques brutais contra a faixa através de bombardeios, corte de recursos naturais, fechamento de fronteiras, corte de energia elétrica, internet e telefonia, interrupção do repasse de verbas, corte no fornecimento de medicamentos através do controle de fronteira, a Comunidade Internacional tem feito pouco, ou quase nada, para reiterar a condenação ao bloqueio. Bloqueio este que informa diretamente os eventos em curso no ano de 2023, tendo início em 2005, após anos de ocupação militar israelense do espaço desde 1967.
Rafael Gustavo de Oliveira é doutor em Antropologia pela Universidade Federal do Paraná. Pós-doutorando pelo Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Residindo na Palestina há, somados, quatro anos, à parte de visitas ao campo por cerca de uma década, tem desenvolvido pesquisa acerca de construções locais de territorialidades e usos de categorias locais de espaço e suas componentes identitárias.
Texto adaptado de minha tese de doutorado “Al Dakhel, cartografias como experiência: reflexões a partir de um trabalho de campo na Palestina”, de 2020.
Leia também o primeiro artigo da série “Limpeza étnica na Palestina”.
REFERÊNCIAS
CLEMESHA, Arlene, E. Palestina, 1948-2008 – 60 Anos de Desenraizamento e Desapropriação. Forum, Universidade de São Paulo. Departamento de Letras Orientais. Ano V, 2008.
JARDIM, Denise F.. Palestinos no extremo sul do Brasil: Identidade étnica e os mecanismos sociais de produção da etnicidade. Chuí/RS. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Rio de Janeiro, 2000.
[1] HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução: Marcos Santarrita.Companhia das Letras, 2006.
[2] FINKELSTEIN, Norman G.: Imagem e realidade do conflito Israel-Palestina. Tradução de Clóvis Marques. – Rio de Janeiro: Record, 2005.
[3]SALEM, Helena: O que é Questão Palestina. 2a Edição. Coleção Primeiros Passos. Editora Brasiliense, 1983.
[4] OLIVEIRA, Rafael: Selah al Museka: uma etnografia das práticas e produções musicais palestinas. Dissertação de Mestrado, UFPR, 2015.
➥ Por que o mundo árabe receia assumir responsabilidade por Gaza?
Kerstem Knippp, DW
Em debates sobre o futuro pós-guerra no enclave palestino, nações árabes têm se mostrado relutantes e até hostis sobre participar da formação de um novo governo local e da reconstrução de sua infraestrutura.
Aiman Safad, ministro das Relações Exteriores da Jordânia, que no Oriente Médio é um dos países que dialogam com Israel, deu no sábado (18/11) uma declaração dura sobre o conflito na região: a guerra que Tel Aviv vem travando contra o Hamas na Faixa de Gaza é uma "agressão flagrante" contra civis palestinos e ameaça desestabilizar toda a região.
Ao impedir a entrega de alimentos, medicamentos e combustível à Faixa de Gaza, Israel estaria cometendo "crimes de guerra", disse. Seu país é considerado na região como pró-Ocidente e mantém relações oficiais com Israel desde meados da década de 90, embora de maneira fria. "Todos nós devemos apontar, em alto e bom som, a catástrofe que a guerra israelense significa não apenas para a Faixa de Gaza, mas para toda a região", afirmou ele no evento Diálogo Manama, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos do Bahrein.
As palavras de Safadi deixam claro que até os países árabes que reconhecem diplomaticamente Israel estão se distanciando de sua resposta militar ao ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro.
O fato de o Hamas ser classificado como organização terrorista na Alemanha, na União Europeia, nos EUA e em outros países não importa no momento. O que importa mais é a solidariedade que muitos cidadãos dos países árabes sentem pelos palestinos na Faixa de Gaza, especialmente em vista do alto e crescente número de mortos desde o início da retaliação militar de Israel.
Em particular, os países árabes não se mostram dispostos a participar do reestabelecimento de uma nova ordem política na Faixa de Gaza após o fim da guerra – o que ainda não se sabe quando ocorrerá. Safadi enfatizou que os Estados árabes não estão dispostos a deixar que Israel faça o que quiser e depois limpar a sua "bagunça". Os representantes dos Emirados Árabes Unidos (EAU) e da Arábia Saudita expressaram opiniões semelhantes.
Preocupação em não ser visto como inimigo
Há motivos políticos para essa contenção. Por um lado, há a questão da segurança – e se Israel realmente conseguirá aniquilar o Hamas. Safadi não acredita nisso. "Não entendo como esse objetivo possa ser alcançado", disse em Manama, segundo a agência de notícias alemã dpa. "O Hamas é uma ideia." Uma ideia não pode ser erradicada com bombas, afirmou.
Assumir responsabilidade política ou até mesmo militar no futuro da Faixa de Gaza, na qual estruturas ou pelo menos simpatia na população pelo Hamas poderiam seguir existindo, deixaria a Jordânia em situação muito delicada – e vulnerável a uma possível acusação de "cumplicidade", o que seria perigoso em termos de política interna.
Por isso, Safadi não vê o futuro político da faixa costeira como uma responsabilidade da Jordânia ou de outro país árabe: "Deixe-me ser bem claro", explicou. "Nenhum militar árabe irá para Gaza. Nenhum. Não seremos vistos como inimigos."
Postura ambivalente no Golfo
De acordo com Nicolas Fromm, cientista político da Universidade Helmut Schmidt, em Hamburgo, não é coincidência o fato de o ministro das Relações Exteriores da Jordânia ter sido tão claro sobre o tema. "A Jordânia já tem um tratado de paz com Israel há muito tempo. Os dois países têm trabalhado juntos de várias maneiras há décadas. É por isso que o reino foi e continua sendo amplamente criticado em algumas partes do mundo árabe."
Outros Estados árabes, especialmente os do Golfo, provavelmente estão em situação semelhante. Alguns deles, como os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, só concluíram acordos de normalização com Israel há alguns anos. Outros, como a Arábia Saudita, matinham boas relações não oficiais com Israel até recentemente.
Agora eles devem perdem margem de manobra para isso, já que parte da sua população se opõe a esse curso. "A questão palestina continua a desempenhar um papel importante no mundo árabe e também tem um grande potencial de mobilização emocional e política", diz Eckart Woertz, diretor para Oriente Médio do Instituto GIGA, em Hamburgo. Os governantes não podem ignorar o humor da população.
Mesmo assim, é provável que alguns países do Golfo tenham uma atitude mais ambivalente em relação ao conflito em Gaza, diz Woertz: "Alguns Estados [árabes] têm uma posição muito crítica sobre o Hamas. Afinal, é uma ramificação da Irmandade Muçulmana, que é considerada uma organização terrorista no Egito, na Arábia Saudita e nos Emirados."
Os governos desses países poderiam, portanto, ficar secretamente felizes se o Hamas fosse neutralizado na Faixa de Gaza ou, pelo menos, enfraquecido. Ao mesmo tempo, porém, as capitais árabes também reconhecem o sofrimento da população civil, afirma.
Menos verbas para reconstrução
Outro grande desafio após o fim da guerra será ajudar a Faixa de Gaza, que já estava empobrecida economicamente antes do início da guerra, a se reerguer. É improvável que o território, que vem sendo bloqueado por Israel e pelo Egito há anos, consiga fazer isso sozinho.
"Mas ninguém, nem Israel, nem os Estados Unidos, nem os Estados árabes ou os líderes palestinos, quer assumir a responsabilidade por isso", resumiu a revista The Economist sobre os resultados do evento em Manama. Mesmo antes da guerra, os ricos países do Golfo estavam cansados da diplomacia do talão de cheques e poderiam relutar em financiar qualquer reconstrução, de acordo com a análise.
Um diplomata do Ocidente não identificado afirmou à The Economist: "Eles já reconstruíram a Faixa de Gaza várias vezes". Se a reconstrução da Faixa de Gaza "não fizer parte de um processo de paz sério, eles não pagarão."
Woertz também considera que uma solução política duradoura, especificamente uma solução de dois Estados, é um pré-requisito mínimo para um possível envolvimento árabe na reconstrução da Faixa de Gaza: "Não se pode simplesmente reconstruir a cada poucos anos e depois destruir novamente. A União Europeia e os países do Golfo provavelmente têm visão semelhante."
O cientista político Fromm acrescenta que os países do Golfo também demonstraram, de modo geral, maior contenção financeira nos últimos 15 anos. A disposição de gastar dinheiro nesses países diminuiu significativamente por motivos econômicos. "Antes a racionalidade econômica era colocada em segundo plano. Entretanto, nesse meio tempo, a população ficou mais consciente sobre os custos. Muitos cidadãos agora são a favor de maior restrição."
Receio de expansão do conflito
A elite política dos países do Golfo também está interessada em manter o conflito fora de sua própria região o máximo possível, segundo uma análise da revista do Oriente Médio Al-Monitor.
De acordo com a publicação, eles contam com o fim da guerra em algum momento, mas ainda não se sabe quanto tempo isso levará. O Hisbolá, no Líbano, e os rebeldes houthis, no Iêmen, ambos apoiados pelo Irã, podem inflamar mais o conflito, assim como o próprio Irã. O mesmo vale para as milícias pró-iranianas no Iraque. Os houthis, por exemplo, capturaram um navio de carga no Mar Vermelho há poucos dias, que eles acusam de ter ligações com Israel. Esse incidente também poderia levar a uma escalada.
Mas o risco de uma escalada do conflito também poderia motivar alguns países árabes a se envolverem mais na busca de uma solução – em prol de sua própria segurança. Essa é a opinião de Fromm. Não importa qual será a solução política, mas ela teria que oferecer aos palestinos uma perspectiva adequada, diz. "Se isso não for bem-sucedido, continuará a haver frustração, raiva e, portanto, violência."
Kersten Knipp Jornalista especializado em assuntos políticos, com foco em Oriente Médio.
Israel ataca hospital em Gaza e mata civis desarmados
# Leia na Folha, no Opera Mundi, na DW e na BBC
Desde o início do conflito, em 7 de outubro, mais de 11.200 palestinos morreram, incluindo mais de 7.700 mulheres e crianças (RBA)
"A estratégia do sionismo é justamente rotular de antissemita todos os críticos de seus crimes contra a humanidade", diz Bepe Damasco (247)
# Além de crime, converter hospitais em alvos é grave erro de Israel
A guerra de Israel ... pode deixar a situação pior do que já era...
Josias de Souza
Agenda pessoal de Netanyahu não coincide com interesses de Israel. Primeiro ministro além de acusado de corrupção tem vocação totalitária
# 70% dos palestinos não terão água até o fim do dia de hoje
Agencias da ONU afirmam que sistuação é dramática e atinge 2,2 molhões de habitantes de Gaza
Jamil Chade
# Uma matança planejada (isto é, 'extermínio')
Os desdobramentos da tragédia palestina e a submissão do justicialismo ao branqueamento
Claudio Katz
Bolsonarismo e Sionismo
LEONARDO SACRAMENTO*, A Terra é redonda
A convergência entre a extrema direita israelense e a brasileira é epítome da universalização fascista pela coerência de trajetórias políticas distanciadas em milhares de quilômetros
Em junho de 2021, Benjamin Netanyahu fez chegar a Jair Bolsonaro uma proposta por meio do embaixador do Brasil em Israel.[i] O primeiro-ministro israelense, líder da extrema direita fascista israelense, propunha um pacto a Jair Bolsonaro, presidente do Brasil e líder da extrema direita fascista brasileira. Benjamin Netanyahu alertava a Jair Bolsonaro sobre o risco de ser julgado no Tribunal Penal Internacional por crimes de genocídio contra os povos indígenas. Mostrava-se preocupado e propunha um pacto. Em troca de proteção, pedia o mesmo a Jair Bolsonaro, pois Benjamin Netanyahu também tem os seus pecados genocidas muito antes da famigerada “reação” (sic!) de Israel. Quem do establishment israelense não os possui?
O pacto envolvia uma rede protetiva entre os dois líderes, no qual um ficaria responsável por defender o outro em caso de prosseguimento das denúncias no Tribunal, todas por genocídio e crimes contra a humanidade a árabes e yanomamis. Sim, Benjamin Netanyahu atacou a Faixa de Gaza em 2008, 2012, 2014 e 2021, com grandes quantidades de assassinatos no ano seguinte de cada ataque, podendo-se vincular o substantivo “reação” ao Hamas, já que a organização palestina atacou apenas em outubro de 2023.
Somente em 2018, foram 31.558 palestinos mortos. Entre 2008 e 2020, foram 120 mil palestinos mortos. O uso do termo “reação” pressupõe uma infantilização analítica de quem o usa, como se fosse um professor de 5º ano separando uma briga em que cada qual se adianta para explicar quem começou.
Já a proibição do uso do termo aos palestinos revela visão política supremacista, uma vez que implicitamente e hoje explicitamente matar palestinos é o normal, como provam os dados. A história e os fatos confirmam que o termo “reação” pertence ao colonizador. Quando o colonizado reage, não é reação, mas ataque terrorista, pois o “normal” é a colonização. O ataque do colonizador nunca é terrorismo.
Até mesmo os Haganá, Irgun e Lehi, milícias de extrema direita que atuaram matando e expulsando palestinos entre 1920 e 1948, receberam a classificação de terroristas dos ingleses. Em 1948, as três milícias foram transformadas em Forças Armadas de Israel (IDF) e hoje não recebem, pelo menos dos ingleses, a classificação de terroristas, embora possuam as mesmas práticas, agora amplificadas por poderio militar doado pelos EUA. Hoje são, assim como Bin Laden foi para o The Independent em 1993, defensores dos valores ocidentais, “guerreiros” da “estrada da liberdade”.[ii]
O fato é que Benjamin Netanyahu deu amplo apoio a Jair Bolsonaro. Não apenas apoio político, mas logístico por meio do antigo embaixador Yossi Shelley, que não pensou duas vezes em tirar uma foto de um encontro com uma lagosta tampada por um borrão tosco. Israel, em grande medida, foi um artífice da construção do bolsonarismo no meio evangélico e entre a comunidade judaico-israelense instalada no Brasil, grande apoiadora do mito. Mas tem exceções, diriam os sionistas de esquerda. Verdade, mas exceções tão pequenas que parecem fundos de agulhas diante de um camelo. E no capitalismo, os ricos sempre vão ao paraíso, como prega abertamente a “teologia da prosperidade”.
O apoio de Israel a Jair Bolsonaro iniciou-se cedo, no próprio processo eleitoral, com grande engajamento da institucionalidade judaico-israelense no Brasil, corroborando-se no evento do Hebraica no Rio de Janeiro, em que Jair Bolsonaro comparou negros brasileiros a gados com a bandeira de Israel tremulando ao fundo, para o deleite da plateia, composta majoritariamente por sócios do clube.
A comunidade judaica, algo em torno de 100.000, proporcionalmente a mesma quantidade da comunidade judaica no Irã, o país que perseguiria judeus em todas as esquinas, engajou-se enormemente na campanha fascista, oferecendo um incrível apoio hospitalar no Hospital Israelita Albert Einstein a Jair Bolsonaro quando da facada em Juiz de Fora, com direito a sigilo para além do médico. Não se pode esquecer do incrível tratamento dado a Queiróz, que pagou em espécie R$ 133 mil.[iii] Coitado do físico socialista que era abertamente antissionista e antifascista, que provavelmente não concordaria com o “israelita” antes de seu nome, se vivo estivesse.
Mas qual visão religiosa a institucionalidade judaico-israelense no Brasil, a mando da embaixada israelense, se aproveitou? Que judeus seriam o povo escolhido porque descenderiam diretamente de Sem. Os povos africanos seriam amaldiçoados porque descenderiam de Cam. Nessa equação teológica, os palestinos seriam descendentes dos filisteus e devem ser dizimados, ou seja, palestinos não seriam semitas, mas invasores na Israel divina. Essa visão aproveita-se do sionismo europeu, segundo o qual os semitas seriam apenas os judeus, tornando os árabes e afins em povos dizimáveis pela mão de Deus ou das bombas estadunidenses. Ou as bombas estadunidenses seriam a mão de Deus?
Essa visão fundamentalista do Estado teocrático de Israel dialoga com uma versão de destino-manifesto judaico europeu, ou judaico branco. Para que essa operação dê certo, a história da racialização e do neocolonialismo nos séculos XIX e XX, as experiências alemãs na Namíbia, as inglesas no Quênia, Índia e China, as belgas no Congo, as norte-americanas nas Filipinas, as japonesas em quase toda a Ásia próxima ao Pacífico, as centenas de milhões de mortos no total, todas as experiências genocidas, devem ser tratadas como uma atipicidade esquecível diante do Holocausto no continente europeu. Dessa forma, o Holocausto no continente europeu passa a ser retratado como o maior crime da história do homo sapiens (300 mil anos).
Pouco importa que no Congo três vezes mais seres humanos tenham sido dizimados em campos de concentração e toda a riqueza do país tenha servido para abastecer a Europa e a Bélgica. Mas como visitar Bruxelas e postar foto no Instagram com tal lembrança? Como tratar Bruxelas a capital da institucionalidade europeia com tal lembrança? Como expor que os europeus nada produziram, apenas roubaram por meio de genocídios e pilhagens? Nada mais simbólico do que Bruxelas ser a capital da União Europeia e a sede do Parlamento Europeu, cujas instituições estão situadas no instagramável “bairro europeu”.
Mas a operação não termina aí. A construção do nazismo e suas relações com o Jim Crown nos EUA[iv] e a legislação imigratória racial no continente americano, com protagonismo vanguardista do Brasil em 1890, são apagadas. As defesas liberais sobre a propriedade privada sobre os escravizados não humanos coisificados ou humanos inferiores, a racialização científica e o vínculo do nazismo com o liberalismo utilitarista inglês são enterradas.
Sobra um Holocausto fetichizado, no qual os judeus teriam sido mortos por uma loucura coletiva, pela ascensão da maldade humana e até como produto de um ressentimento artístico de Hitler misturado com humilhação nacional por ter sido objeto de um tratado “pesado demais” após a I Guerra Mundial. O antissemitismo é mistificado pelos europeus como se fosse a-histórico, transformando-se na segunda metade do século XX no tipo ideal de racismo para o Ocidente: um antissemitismo que seria meta-histórico, pois o antissemitismo seria universal, e não mais europeu, ao mesmo tempo que o racismo se restringiria a um povo agora considerado plenamente branco e portador dos valores ocidentais. O racismo contra negros, indígenas, árabes e demais (não brancos) dependeria da análise da classe dominante ocidental e branca.
Para a Alemanha, essa construção supremacista é conveniente, uma vez que trata o Holocausto de forma desvinculada da história política e cultural alemã, restando a ela ser uma espécie de serviçal dos interesses colonialistas e supremacistas de Israel de forma absolutamente acrítica, em busca de um perdão por um “ato falho”. Para os europeus, idem, uma vez que o antissemitismo pode ser trabalhado a seu bel prazer, jogando-o nas costas de povos que nunca se engajaram na perseguição institucional em massa a judeus, como os muçulmanos. Qual guerra de extermínio entre muçulmanos e judeus ocorreu nos últimos 1000 anos? Quando judeus foram expulsos do mundo islâmico como foram de países e territórios cristãos? Ao contrário, historicamente as comunidades judaicas encontraram boa guarida no mundo islâmico contra a perseguição cristã.
Com essa operação, alemães e europeus transformam-se não mais nos produtores e portadores históricos do antissemitismo moderno, mas nos grandes “protetores” da comunidade judaica (branca). Os judeus brancos, outrora executados por não serem considerados europeus e por serem classificados fenotipicamente intrusos a uma nacionalidade racialmente pura, tornam-se portadores da ocidentalidade europeia, sobretudo no Oriente Médio, compondo-se em uma espécie de instrumento geopolítico de intervenção anglo-saxã.
Logo, paradoxalmente a fetichização do Holocausto transforma o judeu outrora não europeu em portador da europeidade e da branquitude, ao mesmo tempo que exime os países europeus, inclusive a Alemanha, dos genocídios cometidos contra as comunidades judaicas, notadamente as que viviam ao leste (próximos a URSS) e se misturavam na narrativa nazista de complô judaico-eslavo comunista.
O uso do pares antitéticos animais/humanos, barbárie/civilização e árabe/judeu por Benjamin Netanyahu fundamentam-se nessa estética fascista – e estética aqui tem o sentido de percepção da realidade. O compartilhamento desses pares por liberais revela a proximidade dessa filosofia com o fascismo. O compartilhamento desses pares por fundamentalistas evangélicos materializa a popularização do fascismo por meio de uma predeterminação bíblica que seculariza a colonização israelense sobre os palestinos.
Para os evangélicos, reina uma espécie de profecia registrada em Zacarias (9:5-7): “Ascalon verá e terá medo, Gaza tremerá muito e Acaron também, porque sua esperança foi frustrada. O rei desaparecerá de Gaza, Ascalon não será habitada e um bastardo habitará Azoto. Eu destruirei o orgulho dos filisteus, vou arrancar-lhes o sangue da boca e as abominações dos dentes. Ele também será um resto para o nosso Deus, será uma família em Judá, e Acaron como um jesubeu”. Importante lembrar que Zacarias introduz a figura do messias sacerdotal ante a dispersão de Judá (2:1-4).
Os judeus, assim, se transformam em os escolhidos por Deus contra os filisteus, ou os ocidentais brancos detentores de missão “civilizatória” (na prática, exterminadora) contra os animais que precisam ser adestrados por meio da colonização, em favor dos capitais norte-americanos e europeus. Se não adestrados, exterminados. Se exterminados, para os evangélicos a mando de Deus. Essa foi a tessitura ideológica trabalhada por Israel e a institucionalidade judaico-israelense no bolsonarismo, inclusive com o avanço de uma rede de turismo neopentecostal em Israel. Coerentemente, Benjamin Netanyahu concedeu ombro amigo para um irmão sem deixar de pedir um em troca.
É uma Israel imaginária, com um judeu imaginário. Mas é prudente evidenciar que a imaginação foi financiada por uma Israel real, colonialista e genocida, com interesses políticos bem reais de arrebanhar um país com ascendência geopolítica na América do Sul e, os liberais querendo ou não, com protagonismo no Sul Global, o calcanhar de Aquiles de Israel. Se há um lugar do planeta que a questão palestina teve grande solidariedade em alguns momentos chaves dos 75 anos de ocupação, algumas vezes mais do que no mundo árabe, como mostra o comportamento pusilânime e subserviente de Catar, Egito e Arábia Saudita, foi no Sul Global, sobretudo África e América Latina.
A imaginação fundamentalista dos evangélicos é fruto de trabalho político, financiamento, troca de favores e alinhamento político-militar. Está longe de ser mero devaneio. Mais do que isso, é obra de uma convergência incrível de trajetórias entre extremas-direitas. Não obstante, essa convergência transformou o Holocausto em um simulacro idílico da extrema-direita mundial, inclusive de segmentos com vínculos com grupos neonazistas, como é o caso do bolsonarismo e do trumpismo (e Republicanos). Ao descontextualizar o Holocausto, ahistoricizando-o por meio de uma anti-história, a extrema-direita o fetichiza e o captura para justificar e naturalizar um genocídio contra os palestinos.
É o que se depreende do uso indiscriminado da acusação de antissemitismo, justamente daqueles que provavelmente riram de Bolsonaro quando comparou negros a gado. Esse jogo, por ora, retira os palestinos do espectro dos semitas, o que para os evangélicos é coerente, uma vez que seriam filisteus. Como não lembrar da famosa defesa de Netanyahu isentando Hitler de “perseguir judeus”, pois teria apenas seguido um pedido de Haj Amin Al Husseini.
Benjamin Netanyahu foi coerente com a construção fetichizada do Holocausto, isentando a Europa por se considerar um produto da ocidentalidade europeia, com missão “civilizatória” sobre os árabes, os animais. O discurso proferido por Netanyahu foi no Congresso Mundial Sionista, outra incrível coerência, pois ele não foi interrompido e, ao final, foi aplaudido.[v]
É comum ver uma comparação esdrúxula – e perigosa para os judeus – entre o que chamam de antissemitismo, quando das críticas ao sionismo, e o Holocausto. Ao transformar mera crítica ao Sionismo em antissemitismo, mesmo com a operação racista de retirada dos palestinos pelo grupo étnico semita imaginário, transforma o antissemitismo real em algo mundano e passível de ser criticado – operação inversa do fetichismo do Holocausto e da transformação do judeu europeu em espelho do branco ocidental. Ao vincular o antissemitismo ao sionismo e a Israel, os quais o utiliza como espantalho para toda e qualquer crítica, rebaixa o Holocausto a uma posição secular em oposição à construção a-histórica conservadora.
Deixa o discurso nu e sem adornos parnasianos que enganariam os autoproclamados intelectuais que consideram o genocídio palestino um “conflito complexo”, ou que permitiriam que se enganassem em nome da boa convivência com fundos de financiamento de pesquisa e editoras, restando-lhes diante das imagens de crianças enterradas e membros de pessoas agrupados em panos brancos o silêncio sepulcral da mediocridade política. Algo semelhante vale para as direções nacionais dos partidos institucionais de esquerda (PT, PC do B e PSOL), de olho nos votos evangélicos na eleição de 2024 – o que, comprovadamente, não trará qualquer voto nesse segmento.
Mas a convergência entre extrema direita israelense e extrema direita brasileira é epítome da universalização fascista pela coerência de trajetórias políticas distanciadas em milhares de quilômetros. Os aplausos a Jair Bolsonaro quando comparou negros a gados são síntese. O Haganá, milícia assassina de extrema direita que matava e expulsava palestinos, tornou-se as Forças de Defesa de Israel (IDF), uma antiga defesa de Jair Bolsonaro sobre as milícias cariocas quanto à segurança pública.
O Irgun, dissidência do Haganá, mais sectária e fundamentalista, também formadora das IDF, recebeu repúdio de Albert Einstein e outros em um famoso manifesto que denunciava o supremacismo e o colonialismo de suas ações, ainda em 1948. Seus fundadores estavam na formação do Herut, partido que resultaria anos depois do Likud, partido fascista de Benjamin Netanyahu. O Lehi, a outra dissidência do Haganá, foi responsável pela carnificina de Deir Yassin, na qual 120 palestinos desarmados foram exterminados em abril de 1948, aproximadamente como as chacinas sob Cláudio Castro, que deixaram 141 executados apenas em 2023 – o ano não terminou.[vi]
A milícia carioca consiste em formato paramilitar idêntico, cujo principal tributário foi Jair Bolsonaro, tornando-se, assim como Benjamin Netanyahu, mandatário do país. A extrema-direita incrustada no Estado, sobretudo nas instituições cariocas, como polícias e mesmo o Exército, financiou grupos milicianos, centrando fogo no Comando Vermelho e abrindo espaço para policiais milicianos assumirem o controle paraestatal dos territórios.
Benjamin Netanyahu atacou a ONU, barrou funcionários e se negou a conceder vistos humanitários. Atacou todas as instituições, como mostra a crise com o judiciário do país, algo feito pelo seu parceiro brasileiro, o qual acusava a ONU de “globalismo”. Israel vendeu programas de espionagem para Jair Bolsonaro para vigiar e perseguir a oposição. Jair Bolsonaro quase mudou a embaixada brasileira para Jerusalém, abrindo um escritório diplomático. Benjamin Netanyahu enviou de forma propagandista uma brigada para passear em Brumadinho sobre corpos brasileiros.
Benjamin Netanyahu e Jair Bolsonaro são produtos da radicalização da ocidentalidade europeia ao mesmo tempo em que são camuflados pela mitificação do “conflito”, assim como Hitler foi enquanto é asilado politicamente (como fez Bibi) por meio da mitificação do nazismo e da fetichização do Holocausto. O fascista israelense vislumbra árabes exclusivamente em uma solução final enquanto o fascista brasileiro considera negros e indígenas aptos a serem tiro ao alvo de milícias urbanas e rurais. Como disse, os aplausos de judeus a Jair Bolsonaro no clube judaico-israelense é síntese, não acidente. A comunidade judaica no Brasil pertence à classe dominante brasileira e à classe média tradicional. Não mora no Jacarezinho e, pelo menos as comunidades de São Paulo e Rio de Janeiro, não chega perto a uma periferia ou morro. É síntese de classe!
O apoio, ou melhor, o pacto fez todo o sentido, no qual foi explicitado pelo atual embaixador de Israel de maneira didática e coerente – nomeado pelo antigo governo. Ele convocou uma reunião com parlamentares em prédio público brasileiro, todos bolsonaristas, e convidou Jair Bolsonaro, reunindo-se logo em seguida às portas fechadas.
No mesmo dia, uma operação construída pelo Mossad prendeu dois brasileiros que teriam ligações com o Hezbollah – que não é classificado no Brasil como organização terrorista. A acusação: fariam atentados em sinagogas no Brasil. A história sem pé nem cabeça foi assumida publicamente pelo Mossad, embaixada e Benjamin Netanyahu, provocando crises institucionais até mesmo na americanizada Polícia Federal. O Globo, em editorial, aproveitou para acusar o Irã e exigir que o Brasil se afaste, em um claro movimento de Israel e EUA para friccionar o BRICs.[vii]
O Mossad não é uma força policial. Não é a homônima israelense da Polícia Federal. O Mossad é uma força de espionagem e intervenção em outros países, matando pessoas.[viii] Qualquer informação do Mossad não é institucional. O Mossad representa os interesses geopolíticos israelenses, os quais não encontram resguardo em uma figura (irreal, mas existente na forma jurídica) de neutralidade republicana.
Mossad é uma força estrangeira em território nacional, que segue ordens diretas de Benjamin Netanyahu. É possível que estejamos assistindo a uma das maiores barrigadas da história da Polícia Federal, que tentará, como fez na Operação Hashtag, na qual prendeu um suposto grupo “terrorista” que agiria nas Olimpíadas de 2016, manter a condenação sob conivência da imprensa baseada em nenhum ato objetivo.[ix]
Mas o embaixador não parou. Estava flutuando “no ar como se fosse pássaro”. Acusou os dois supostos terroristas de serem ajudados dentro do país, dando a entender que seria de parte do governo federal. Memes, robôs e engajamentos artificiais tomaram as redes sociais. Jair Bolsonaro, ao fim do dia, alegou que pediu ao embaixador para os brasileiros sequestrados em Gaza por Israel serem libertados. Lógico, nada colou, em virtude da tosquice da armação. Até mesmo a mídia que propagou a operação policial rocambolesca fake evitou falar com destaque nos dias seguintes acerca do “ataque terrorista” no Brasil. A pressão se voltou contra o embaixador e, milagrosamente, a ordem para os brasileiros serem incluídos na lista foi dada por Israel, que controla a fronteira entre Faixa de Gaza e Egito.
O bolsonarismo trabalha com a perspectiva de israelizar de vez o Brasil, promovendo milícias e fundamentalistas religiosos, quando não os dois em um só, como prova o Complexo de Israel,[x] que expandiu sob proteção da milícia.[xi] No caso, a narcomilícia proíbe manifestações religiosas de matriz africana, expulsando pais e mães de santo. Os narcotraficantes evangélicos foram politicamente coerentes na escolha do nome. É impossível dissociar as milicias israelenses expulsando palestinos das narcomilícias cariocas expulsando pais e mãos de santo (africanos).
Na perspectiva evangélica, nada mais justo do que se chamar Israel. Insisto: os aplausos de judeus cariocas a Jair Bolsonaro quando comparou quilombolas a gado foram síntese. Depois, alguns pegaram uma praia na zona sul, onde fica o clube Hebraica. Evitam ir para a Barra da Tijuca, uma semizona sul de “novos ricos, milicianos e subcelebridades” que arquitetonicamente se assemelha a Miami. É preciso ter alguma distinção.
Leonardo Sacramento é professor de educação básica e pedagogo do IFSP. Autor, entre outros livros, de Discurso sobre o branco: notas sobre o racismo e o Apocalipse do liberalismo (Alameda).
Notas
[i] Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/06/12/netanyahu-ve-risco-que-bolsonaro-seja-investigado-por-genocidio-de-povos-indigenas-diz-ex-embaixador-do-brasil-em-israel-em-carta.ghtml.
[ii] Para uma crítica ao uso do termo “terrorismo”, ver https://aterraeredonda.com.br/sionismo-etapa-superior-do-colonialismo-anglo-saxao/.
[iii] Disponível em https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/05/24/queiroz-pagou-cirurgia-em-hospital-de-sao-paulo-com-r-64-mil-em-dinheiro-vivo.ghtml.
[iv] WHITMAN, James Q. Hitler’s american model: the United States and the making of Nazi Race Law. New Jersey, Princeton University Press, 2017.
[v] Disponível em https://pt.euronews.com/2015/10/21/netanyahu-defende-hitler.
[vi] Disponível em https://valor.globo.com/politica/noticia/2023/10/05/fogo-cruzado-mapeou-12-chacinas-em-area-no-rio-onde-medicos-foram-mortos.ghtml.
[vii] Disponível em https://oglobo.globo.com/opiniao/editorial/coluna/2023/11/operacao-da-pf-que-desbaratou-plano-terrorista-foi-trabalho-exemplar.ghtml.
[viii] Disponível em https://g1.globo.com/mundo/blog/sandra-cohen/post/2020/12/01/por-que-o-assassinato-do-principal-cientista-nuclear-iraniano-e-atribuido-a-israel.ghtml.
[ix] Para uma crítica sobre a Operação Hashtag, ver https://outraspalavras.net/sem-categoria/o-estrondoso-fracasso-da-operacao-hashtag/. Um “condenado” foi morto na prisão por espancamento.
[x] Disponível em https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/07/24/traficantes-usam-pandemia-para-criar-novo-complexo-de-favelas-no-rio-deixam-rastro-de-desaparecidos-e-tentam-impor-religiao.ghtml.
[xi] Disponível em https://extra.globo.com/casos-de-policia/traficantes-evangelicos-fecham-pacto-com-milicia-para-expandir-complexo-de-israel-24821015.html.
Sarah Babiker, Outras Palavras
Iuri Barcelos, Pública
André Lucena, Carta Capital
O equivalente a duas bombas atômicas iguais às que foram lançadas em Hiroshima já teriam sido jogadas sobre Gaza. ONU quer apuração...
JAMIL CHADE, Uol
A ONU pressiona para que uma investigação seja estabelecida sobre as táticas e armas usadas por Israel em Gaza, alertando que as práticas podem constituir violações do direito humanitário internacional e crimes de guerra.
A mobilização da entidade ocorre no momento em que a Autoridade Palestina submete documentos para a comunidade internacional denunciando que o volume de bombas jogadas sobre Gaza representaria o equivalente a praticamente duas ogivas nucleares largadas sobre a cidade de Hiroshima, no final da Segunda Guerra Mundial.
Nos bastidores, uma das principais preocupações das Nações Unidas se refere ao fato de que, sem uma apuração, a comunidade internacional vai estar dando uma sinalização de que uma ofensiva militar desse porte pode acontecer em total impunidade (continue a leitura)
Uso cínico do antissemitismo por Israel confunde ódio aos judeus com críticas a B.Netanyahu
Análise cortante de David Graeber, da London School of Economics, põe a nu o malabarismo discursivo de Israel.
Carta Capital
Israel ignora as crescentes críticas internacionais e reduz a pó a Faixa de Gaza
Leia as principais matérias da revista na versão integral em pdf da Carta Capital (acesse aqui)
As matérias sugeridas: # Mino Carta: A espera do apocalipse # Pigmeu moral # Otimizar o massacre # Quimera # Guerra de palavras # Tudo ou nada (link para o pdf integral da revista)
# Balanço do Hamas aponta mais de 10800 mortos pelos bombardeios na faixa de Gaza
# E está sendo pressionado para ter atitudes mais duras com Israel
Na terra duplamente prometida
LEONARDO AVRITZER, A Terra é redonda
Sustentando o genocídio em Gaza
PHILIP M. GIRALDI, A Terra é redonda
O público norte-americano e europeu está sendo mais uma vez submetido à vigarice falsificadora habitual quando se trata de qualquer coisa que tenha a ver com Israel
Os principais meios de comunicação, assim como os comentários oficiais do governo, a respeito da violência em Gaza parecem ter adquirido certo ritmo uniforme, que visa garantir que todos entendam que seriam os pobres israelenses as verdadeiras vítimas sob ataque de um grupo chamado Hamas, invariavelmente rotulado como “terrorista”. Tornou-se absolutamente obrigatório, no primeiro parágrafo de qualquer matéria sobre a evolução dos combates, lembrar aos leitores que em 7 de outubro o tal grupo “terrorista” Hamas “invadiu” Israel e matou 1.400 israelenses amantes da paz, tomando outros 200 como reféns.
Assume-se que Israel age apenas por retaliação e frequentemente se considera relevante notar que esse foi o mais terrível assassinato em massa de judeus desde o assim chamado “holocausto”. Para adicionar um pouco de relevância cultural e histórica recente, “11 de setembro” e “Pearl Harbor” também são frequentemente citados para sugerir que foi um ataque surpresa e uma virada de jogo em termos de como Israel vê agora uma ameaça externa, e de como terá de suportar os imperativos de segurança nacional.
Pode-se inserir um comentário da congressista Nancy Pelosi ou do senador Chuck Schumer de que “Israel tem o direito de se defender”. E Joe Biden pode também ser eventualmente citado, como aquele que notou, para dimensionar a enormidade da tragédia, que o ataque foi o equivalente, para Israel, a 15 vezes o 11 de setembro, confrontando, em termos relativos, o tamanho e a população dos Estados Unidos e do Estado judeu.
Isso tudo apenas no primeiro parágrafo. Para garantir que o leitor bem entenda. O segundo parágrafo pode ser que traga a contribuição, de fato, “relevante para o debate”, ao levantar a questão do “aumento do antissemitismo” nos Estados Unidos e na Europa, o que pode muitas vezes incluir uma citação do implacável Jonathan Greenblatt, da temível e amplamente temida Liga Antidifamação (ADL). Jonathan Greenblatt é com frequência citado entoando algo como “há um movimento radical e crescente em muitos campi universitários, no qual a oposição a Israel e ao sionismo é mandamento necessário para que se seja plenamente aceito, marginalizando as comunidades judaicas nos campi”.
A razão para mobilizar o argumento do antissemitismo é desviar o leitor de qualquer eventual percepção de que o Israel do apartheid foi atacado, na verdade, por conta do seu comportamento excepcionalmente brutal para com os palestinos nos últimos 76 anos, e que, em vez disso, foi mera vítima de terroristas cruéis que fizeram o que fizeram, em larga medida, porque odeiam os judeus.
Assim, a possível responsabilidade israelense pelo ocorrido desaparece, e Benjamin Netanyahu e os seus colegas fanáticos e racistas Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir ganham autorização para fazerem o que bem entenderem para se livrar do seu “problema árabe”. Esses últimos dois homens já expressaram o seu sonho de um Israel sem quaisquer palestinos – que não consideram como seres humanos aceitáveis – e abonaram, para qualquer policial ou soldado confrontado por algum manifestante árabe, a autoridade de atirar para matar. Mais de 100 palestinos já foram mortos na Cisjordânia por colonos armados, policiais e soldados, que jamais serão responsabilizados por assassinato, além de centenas de detenções arbitrárias.
Nos Estados Unidos, a Fox News tem liderado a divulgação de entrevistas e reportagens que sugerem que os estudantes judeus no país estão tão aterrorizados pelas ameaças implícitas e explícitas de um rancor antissemita que se manifesta nos campi universitários e em outros lugares, que até pararam de comer nos refeitórios kosher das universidades para que não se tornem alvos de algum louco. E há também os apelos inevitáveis para proibir por inteiro as aglomerações que expressem simpatia pelos palestinos, ou que simplesmente agitem ou exibam a bandeira da Palestina.
As queixas sobre o aumento do antissemitismo estão, de fato, espalhadas por todos os meios de comunicação, ainda que haja algumas coisas erradas com a narrativa sobre Israel e Palestina e sobre os acontecimentos de 7 de outubro e aqueles que lhe seguiram. Em suma, o público norte-americano e europeu está sendo mais uma vez submetido à vigarice falsificadora habitual quando se trata de qualquer coisa que tenha a ver com Israel. E, nos Estados Unidos, a propaganda ganha, com certeza, eficácia adicional quando é repetida por políticos veteranos de ambos os partidos, como, por exemplo, na sua decisão unânime no Senado (num placar de 97 a zero) e numa votação na Câmara (de 412 contra 10) em favor de resoluções prometendo apoio incondicional a Israel e a qualquer coisa que esse país decida fazer. Acrescente-se a isso o suporte de dois grupos de porta-aviões norte-americanos e de tropas de fuzileiros navais em prontidão no Mediterrâneo Oriental.
As universidades têm sido particularmente visadas pelos muitos “amigos de Israel”, por meio da retenção de donativos por parte dos antigos alunos judeus a faculdades que não venham a denunciar explicitamente o Hamas ou a elogiar a “contenção” israelense, ou ainda que permitam manifestações estudantis que apoiem Gaza. Os estudantes que participam dos protestos contra o tratamento dado aos palestinos estão sendo identificados e inseridos em listas negras a serem disseminadas entre potenciais futuros empregadores e universidades, visando dificultar a obtenção de bons empregos ou a atribuição de bolsas acadêmicas.
Políticos ambiciosos que pretendem se tornar queridinhos de doadores de campanha e eleitores judeus, como o governador Ron DeSantis, da Flórida, chegaram a extremos, proibindo grupos políticos pró-Palestina em universidades estaduais e considerando a possibilidade de processar membros dessas eventuais formações por “crime de ódio”, uma vez que seriam automaticamente considerados como movidos por “antissemitismo”. DeSantis também prometeu que o seu Estado não aceitará quaisquer refugiados palestinos – mesmo que não esteja claro como ele poderia fazer cumprir isso –, baseando a decisão no seu julgamento pessoal de que seriam “todos antissemitas”.
Assim, a Florida comprou recentemente 135 milhões de dólares em títulos do governo de Israel, para ajudar o esforço de guerra do Estado judeu. O senador Lindsey Graham disse que “não deveria haver limite” para os israelenses matarem palestinos, enquanto Donald Trump apelou para a deportação de todos os estudantes palestinos nos Estados Unidos. Isso tudo é apenas mais um exemplo de quão baixa e até desumana se tornou a nossa política quando Israel está de alguma forma envolvido. E é igualmente interessante notar como vários países europeus, além de Israel, estão também silenciando sistematicamente os críticos aos massacres em Gaza, em muitos casos demitindo-os de seus empregos.
Parte do problema é que certa versão do que aconteceu no dia 7 de outubro e daí por diante tem sido de tal modo difundida pelos meios de comunicação e pelos comentaristas, que continua sendo bem pouco claro o que realmente aconteceu. Os israelenses têm afirmado persistentemente que 1.405 judeus e trabalhadores agrícolas asiáticos foram mortos pelo Hamas, 386 dos quais eram aparentemente soldados. Mas a forma como eles morreram é onde a história fica à deriva.
Os sobreviventes israelenses do ataque disseram aos jornalistas que foram bem tratados quando capturados pelo Hamas e que a verdadeira matança começou quando unidades do Exército israelense, incluindo tanques, artilharia e helicópteros, contra-atacaram o Hamas, criando um fogo cruzado brutal, usualmente descrito como “fogo amigo”, que matou muitos, senão a maioria dos civis. No kibutz atacado, as casas onde os civis estavam abrigados foram majoritariamente destruídas pelo fogo de armas pesadas, que o Hamas não possui.
O que também sabemos agora, a partir de um conjunto crescente de evidências obtidas dos meios de comunicação israelenses e de testemunhas oculares, é que os militares israelenses parecem ter sido atropelados pelos acontecimentos do dia. A reação pode ter aparentemente desencadeado uma atitude conhecida de longa data como “procedimento Hannibal”, que procura evitar que os soldados israelenses sejam capturados, devido ao elevado resgate que o público de Israel insiste em pagar para garantir que sejam devolvidos. Como resultado, o comando militar tem autorização para ordenar às tropas que matem outros soldados, em vez de permitir que sejam feitos prisioneiros. Pela mesma razão, o Hamas despende muita energia na tentativa de encontrar formas inovadoras de capturar soldados israelenses.
A possibilidade de que os militares de Israel tenham matado muitos dos seus próprios soldados e civis está, obviamente, sendo suprimida pela narrativa dominante e por políticos ansiosos por ajudar Israel no genocídio de Gaza. No entanto, ela existe. E há ainda outra parte da história que é devastadora em suas possíveis implicações, que é a resposta imediata à crise, na oferta a Israel de 14,5 bilhões de dólares para apoio de defesa, um valor incompreensivelmente alto, que parece ter sido tirado do grito de alguns lobistas. Tal fortuna se traduz, na prática, em genocídio em Gaza e no cometimento de uma série de crimes de guerra ao longo do caminho.
A rendição de tributo, como alguns o descrevem, foi aprovada por uma votação partidária de 226 a 196 no Congresso na última quinta-feira. A votação teria se aproximado da unanimidade, não fosse por uma disputa partidária sobre o financiamento da medida. Parece que Joe Biden e o Congresso não estão cientes de que o genocídio é um crime maior contra a humanidade, tal como definido pela Carta das Nações Unidas e pelas Convenções de Genebra, e de que a maioria dos advogados internacionais concorda com a tese de que armar e financiar uma organização ou Estado que está exterminando outra nação ou etnia identificável configura cumplicidade ou mesmo participação no crime.
Joe Biden e Anthony Blinken podem não ter qualquer ideia de quanto dinheiro Israel recebe dos contribuintes americanos a todos os níveis de governo num ano, para além dos 3,8 bilhões de dólares que recebe em “assistência militar” direta – um presente de Barack Obama. Fluxos de dinheiro adicionais provenientes de projetos militares conjuntos, de instituições de caridade duvidosas e de conselhos de desenvolvimento a nível estatal e até local elevam aquele total para cerca de 10 bilhões de dólares. Isso contribui para tornar Israel um país rico, que pode se dar ao luxo de oferecer aos seus cidadãos judeus cuidados de saúde e educação universitária gratuitas, assim como habitação subsidiada, sem precisar de apoio adicional dos Estados Unidos para travar suas guerras.
A propósito, isso nos leva à questão final: o programa nuclear secreto de Israel, que certamente deveria ser motivo de preocupação para os tomadores norte-americanos de decisões políticas, que se veem frente a um conflito explosivo, com potencial de engolir todo o Oriente Médio e transbordar para além da região. O fato de Israel ser o único detentor de armas nucleares na região, num número superior a 200, segundo algumas estimativas, é significativo. No governo dos Estados Unidos existe uma chamada “regra legislativa” segundo a qual nenhum funcionário federal pode confirmar que Israel possui armas nucleares.
A regra é ridícula, pois a existência do arsenal nuclear israelense já foi bem atestada, inclusive por Colin Powell, que certa vez confirmou que “Israel tinha mais de 200 armas nucleares apontadas para o Irã”. Powell fez a declaração quando já estava fora do cargo, mas até mesmo o proeminente senador Chuck Schumer, ferrenho apoiador de Israel, confirmou a existência desse arsenal.
A razão para a aguda sensibilidade do lobby israelense e dos políticos por ele aliciados com relação às suas armas nucleares de Israel é que a Emenda Symington, na Seção 101 da Lei de Controle da Exportação de Armas dos Estados Unidos, de 1976, proíbe a ajuda externa a qualquer país que tenha armas nucleares e que não assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear. O que significa que os 3,8 bilhões de dólares anuais de ajuda a Israel estariam em perigo se Washington aplicasse as suas próprias leis, mesmo que seja inimaginável que o Presidente Joe Biden ou o Procurador-Geral Merrick Garland, ambos sionistas fervorosos, tomem as medidas necessárias para assim o fazer.
Outra lei complicada consiste nas chamadas Emendas Leahy, que proíbem o Departamento de Estado e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos de fornecer assistência militar a unidades de forças de segurança estrangeiras que violem os direitos humanos “com impunidade”. Os numerosos ataques brutais de Israel a Gaza, incluindo o atual, que tem como alvo hospitais e igrejas, o bombardeio e morte de civis indefesos, metade dos quais crianças, é um exemplo clássico de quando as Emendas Leahy deveriam ser aplicadas. Mas, claro, elas nunca o serão. Essa realidade ilustra mais uma vez o verdadeiro poder político do lobby judaico nos Estados Unidos, apoiado por sionistas cristãos como o novo presidente da Câmara, Mike Johnson.
Finalmente, é preciso olhar para o próprio arsenal nuclear israelense, juntamente com a liderança imprudente e agressiva do país, e para o que isso representa; um assunto que atualmente ninguém sequer considera como fator de risco numa possível expansão da guerra. Há vinte anos, quando o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, iniciou a sua desastrosa “guerra ao terror”, concebida pelos neoconservadores, o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, viu-a como uma oportunidade para Israel se tornar um grande beneficiário, preparado como estava para atrair os Estados Unidos para um tão desejado ataque contra o Irã. Junte-se a isso o impulso renovado para aterrorizar os palestinos restantes e fazê-los fugir para os estados árabes vizinhos.
Israel pretendia explicitamente que, se necessário, sua capacidade nuclear fosse usada contra seus vizinhos, conforme descreve o livro de 1991 do veterano jornalista de investigação Seymour Hersh, intitulado The Samson Option (Random House). O título refere-se à estratégia nuclear do governo israelense, segundo a qual Israel lançaria um ataque nuclear massivo de retaliação se o próprio Estado estivesse sob ameaça de forças externas e corresse o risco de ser invadido, assim como a figura bíblica Sansão destruiu os pilares do templo de um governo filisteu, derrubando seu teto e matando a si mesmo, junto com milhares de filisteus que se reuniram para vê-lo humilhado. Uma das fontes de Seymour Hersh no serviço de inteligência de Israel teria lhe dito: “Ainda podemos nos lembrar do cheiro de Auschwitz e Treblinka. Da próxima vez, levaremos todos vocês conosco”.
Quando Ariel Sharon foi questionado sobre como o resto do mundo poderia responder ao fato de Israel usar suas armas nucleares para eliminar eficazmente os seus vizinhos árabes, ele respondeu: “Isso depende de quem o faz e da rapidez com que acontece. Possuímos várias centenas de ogivas atômicas e foguetes, e podemos lançá-los contra alvos em todas as direções, talvez até em Roma. A maioria das capitais europeias está ao alcance da nossa força aérea. Deixe-me citar o General Moshe Dayan: ‘Israel deve ser como um cachorro louco, perigoso demais para ser incomodado’. Considero tudo desesperador num momento desses. Teremos de tentar evitar que as coisas cheguem a esse ponto, se for possível. As nossas forças armadas, contudo, não são as trigésimas mais fortes do mundo, mas sim a segunda ou terceira. Temos a capacidade de derrubar o mundo conosco. E posso lhes assegurar que isso acontecerá antes que Israel afunde”.
Então, aqui estamos nós, à beira do que poderia ser plausivelmente a segunda ameaça de guerra nuclear evitável e mal conduzida por Joe Biden e pelos idiotas que ele escolheu para o “aconselhar”. O Coronel Douglas Macgregor refere-se corretamente à crise explosiva que comporta uma ameaça nuclear como uma “Guerra do Armagedom”. Poucos americanos sabem que Israel só tem armas nucleares porque roubou o urânio enriquecido e os gatilhos dos Estados Unidos, com a cooperação do industrial judeu Zalman Shapiro, proprietário da fábrica NUMEC, na Pensilvânia, e do produtor judeu-israelense de Hollywood Arnon Milchan, nenhum dos dois jamais foi seriamente responsabilizado pelo governo norte-americano.
Portanto, temos um Israel com um arsenal nuclear secreto, que nenhuma autoridade norte-americana pode sequer mencionar, que atualmente está em “guerra” e, em teoria, preparado para usar aquele arsenal – muito provavelmente contra um arqui-inimigo como o Irã –, caso seja ameaçado, visando simplesmente “derrubar o mundo”. E quanto à maioria silenciosa dos norte-americanos, que gostaria de ver um governo que realmente tentasse fazer o bem às pessoas que vivem no seu país e pagam seus impostos, vivendo em um mundo de paz onde Washington deixa todos em paz, e em troca também é deixado em paz pelos outros… essa pode ser uma aspiração cujo tempo, ao que tudo indica, já se expirou.
Philip M. Giraldi, ex-oficial de inteligência do Exército norte-americano e ex-analista da CIA, é doutor em história moderna pela Universidade de Londres.
Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel.
Publicado originalmente na Unz Review.
Desde, pelo menos o final do século XIX, estamos de frente de nacionalismos concorrentes entre duas populações que historicamente habitaram a região
O conflito entre israelenses e palestinos por um mesmo território, que começou em 1948 e que ainda não se encerrou, expressa uma questão importante que é a simultaneidade dos direitos dos dois povos por uma mesma terra. Isaac Deutscher, o biógrafo de Leon Trosky, talvez seja quem melhor retratou a dramaticidade desse conflito ao descrevê-lo da seguinte forma: “um homem pulou do último andar de uma casa em chamas na qual muitos membros da sua família pereceram. Conseguiu salvar a sua família, mas na queda atingiu uma pessoa que estava próxima quebrando-lhe a perna e os braços. Para o homem que saltou não havia escolha; porém para o que teve as pernas quebradas aquele homem era a causa da sua desgraça”.1
A descrição é a que melhor expressa a origem do conflito entre israelenses e palestinos que certamente envolve o direito dos dois povos à mesma terra. Se o nacionalismo israelense judaico é um pouco mais temporão que o nacionalismo palestino, como mostram autores importantes como Khalidi2 e Yoel Migdal,3 os dois autores clássicos sobre identidade palestina – um deles palestino e o outro judeu-israelense –, não deixa de ser correto afirmar que desde, pelo menos o final do século XIX, estamos de frente de nacionalismos concorrentes entre duas populações que historicamente habitaram a região.
Assim, mantém-se a máxima do escritor israelense Amós Oz: é inútil a procura pelo bom mocinho ou pelo bandido ao analisar o conflito entre árabes e israelenses, porque esse é um conflito entre o certo e o certo. Ainda assim, cabe perguntar, como um conflito entre o certo e o certo pode envolver tantos erros e tanta violência. A resposta está na sabotagem pelos radicais dos dois lados das negociações pela paz.
Tem circulado insistentemente pela internet um quadro com quatro mapas que mostra a diminuição do espaço geográfico reservado ao estado palestino entre 1947 e hoje. O mapa omite elementos políticos fundamentais. O primeiro deles é que os palestinos e os estado árabes rejeitaram a partilha realizada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1947. Israel, em sua declaração de independência de 14 de maio de 1948, convidou os países árabes e os palestinos a aceitarem a partilha: “Nós fazemos um apelo – em meio ao duro ataque lançado contra nós há meses – aos habitantes árabes do Estado de Israel para manter a paz e participar da construção do Estado na base de igual e completa cidadania e através de representação em todas as suas instituições provisórias e permanentes”.4
O mapa também omite um fato de fundamental importância, especialmente, para entender o conflito na faixa de Gaza. Foram Egito e Jordânia que ocuparam as porções mais significativas do que poderia ser um estado palestino em 1948 e as anexaram em 1953. A Jordânia anexou e ofereceu cidadania aos palestinos na Cisjordânia, ao passo que o Egito anexou Gaza e não concedeu cidadania. Israel também concedeu cidadania aos palestinos que ficaram dentro das fronteiras do armistício de 1948.
Assim, é completamente falso o mapa que é apresentado como o que seria a Palestina entre 1948 e 1967, que era uma porção de terra anexada pela Jordânia e pelo Egito, no caso do Egito, sem envolver a concessão de cidadania. A possibilidade de um Estado palestino soberano surgiu apenas em 1993 quando o Tratado de Oslo foi assinado.
O Tratado de Oslo foi baseado em um princípio da doutrina de relações internacionais prevalecente na Escandinávia que supõe que o estabelecimento de relações de confiança entre negociadores israelenses e palestinos que conversaram abertamente sobre o que seriam os princípios básicos de um plano: o reconhecimento por Israel do direito de autodeterminação do povo palestino e o reconhecimento do estado de Israel pelos palestinos.
Do lado de Israel, Yitzhak Rabin, e do lado palestino Yasser Arafat colocaram suas assinaturas sobre um mapa na presença do presidente do Egito, do secretário de Estado dos EUA, do ministro de Relações Exteriores da Rússia, em uma reunião no Cairo em 1993 e assinaram um Carta de Reconhecimento Mútuo.5 Assim, foi gerado o último mapa desse post de internet, na verdade o único que gerou autodeterminação e reconhecimento da soberania do povo palestino. Esse foi o momento mais auspicioso de um conflito de mais de 70 anos que marcou três gerações de israelenses e palestinos.
No entanto, o problema que levou ao fracasso das negociações e do Tratado de Oslo de 1993 foi provocado pelas duas forças políticas que hoje se enfrentam em Gaza. De um lado, a direita israelense que, naquele momento liderada por Ariel Sharon e Benjamin Netanyahu, questionou a soberania palestina na esplanada das mesquitas e com isso desatou uma certa fúria palestina semanas antes de ser apresentada a Arafat uma proposta de paz. De outro lado, o Hamas, que é uma organização fundamentalista religiosa que descambou para o terrorismo já nos anos 1990.
Benjamin Netanyahu é o herdeiro de uma dinastia de extrema direita na política israelense que existe desde os anos 1940. Seu pai, Benzion Netanyahu, tornou-se, em 1939, secretário particular de Vladimir Jabotinsky, o líder principal da direita sionista e editor de uma revista revisionista chamada de Zionnews. Vladimir Jabotinsky polemizava na revista com o fundador do sionismo, Theodor Herzl que afirmou em algumas ocasiões “nós não queremos um estado Boer”, repelindo um modelo de estado espelhado no apartheid sul-africano.
Vladimir Jabotinsky defendia os Boers por terem alcançado autodeterminação estatal.6 Benjamin Netanyahu, no seu discurso em comemoração aos 100 anos do nascimento de Vladimir Jabotinsky, afirmou que a grandeza de Vladimir Jabotinsky foi deixar claro que o que o sionismo reivindicava eram as duas margens do rio Jordão.7 Netanyahu pai, já em 1944, defendeu que Israel não deveria aceitar a partilha proposta pela ONU e em 1993 declarou que Oslo seria “o começo do fim do Estado de Israel”. Seu filho, já como primeiro-ministro decidiu por se opor aos acordos de Oslo. Para isso, ele encontrou um parceiro do outro lado do rio Jordão.
O Hamas foi fundado pelo imã e ativista palestino Ahmed Yassin em 1987, após a eclosão da Primeira Intifada. No seu surgimento, o Hamas está associado com a Irmandade Muçulmana sediada no Egito, o que fez com que ele sempre estivesse envolvido com organização comunitária e assistência social à população palestina, o que o tornou popular entre os palestinos. O Hamas sempre teve uma posição de oposição às Cartas de Reconhecimento Mútuo Israel-OLP assinadas no Cairo, bem como aos Acordos de Oslo, que geraram a assim chamada “solução de dois Estados”.
O Hamas ganhou as eleições na faixa de Gaza em 2006, derrotando o seu maior inimigo, a Fatah, e rejeitando logo em seguida a demanda do assim chamado quarteto (Estados Unidos, Rússia, Nações Unidas e União Europeia) para que ele aceitasse os acordos de Oslo. Depois dessa rejeição e da subsequente expulsão militar da autoridade palestina de Gaza em 2007, que representou um golpe de estado militar, Israel fechou a fronteira com Gaza.8 Assim, Oslo teve dois poderosos inimigos que conformam aquilo que Amós Oz chamou a passagem do “certo e o certo” para “o errado e o errado”, ou seja, Benjamin Netanyahu decidiu reforçar o Hamas em detrimento da autoridade palestina porque o Hamas, em sua estratégia de guerra total, não pede a devolução de territórios ocupados.
O massacre de civis israelenses na parte sul de Israel no sábado dia 7 de outubro foi o maior massacre de civis judeus desde que a ex-União Soviética liberou os campos de concentração da Europa Oriental no início de 1945. A forma de atuação do Hamas lembra a forma de atuação dos nazistas, com a matança indiscriminada de homens, mulheres e crianças sem qualquer padrão de humanidade. O exército e a inteligência de Israel foram pegos completamente desprevenidos nos ataques do dia 7 de outubro porque a maior parte dos efetivos permanentes do exército israelense estão na Cisjordânia defendendo os colonos que estão nos assentamentos, que é a política oficial de governo.
A defesa ridícula que existia em Gaza no início do sábado dia 7 de outubro sugere acordos informais entre o governo de Israel e o Hamas que foram traídos por este último. Em segundo lugar, a desorganização da reação israelense está ligada ao fato de Benjamin Netanyahu estar isolando e desorganizando as lideranças militares porque a liderança do exército de Israel se posicionou contra a reforma judicial que ele está tentando implementar desde o começo do ano.9 Assim, a dimensão da tragédia está diretamente ligada à gestão do primeiro-ministro israelense e às ideias que ele está procurando implantar.
Na guerra em Gaza que se seguiu ao massacre de civis israelenses, Israel não tem boas opções. A destruição militar do Hamas que seria desejável, parece impossível de ser alcançada e está gerando a punição coletiva da população palestina. O jornalista do New York Times e a voz não oficial do movimento democrático em Israel, Thomas Friedman, diagnostica a dimensão do problema: sem uma mudança de governo em Israel, a guerra de Gaza provavelmente significará uma tentativa de Benjamin Netanyahu de manter a sua política na Cisjordânia e destruir o Hamas.
Muito provavelmente essa destruição será parcial e implicará em mais uma escalada do conflito com o Hamas reposicionado sua liderança entre a população palestina da Cisjordânia, o que parece já estar acontecendo. Sem a retomada de um processo de relegitimação da Autoridade Palestina e um compromisso claro com a solução dos dois estados não existe a possibilidade de êxito da estratégia israelense.10
Israel deve também aceitar os apelos das Nações Unidas por um corredor humanitário. Mais uma vez cabe citar Amós Oz: o dilema do conflito nesse momento é como passar do errado x errado para o certo x certo, que é o reconhecimento de direitos mútuos à terra duplamente prometida e a volta à arquitetura dos Acordos de Oslo.
*Leonardo Avritzer é professor titular do departamento de Ciência Política da UFMG. Autor, entre outros livros, de Impasses da democracia no Brasil (Civilização Brasileira). [https://amzn.to/3rHx9Yl]
Publicado originalmente no hors-série do vol. 8 da Revista Rosa.
Notas
[1] Deutscher, Isaac. 1970. O judeu não judeu. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, p 124.
[2] Khalidi ocupa a cadeira que foi de Edward Said em Columbia. Vide Khalid, Rashid. 1970 Palestinian identity: the construction of modern national consciousness. New York, Columbia University Press.
[3] Migdal, Yoel.1993. Palestinians: the making of a people. New York, Free Press.
[4] https://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_de_Independ%C3%AAncia_do_Estado_de_Israel.
[5] Vide, Dennis Ross. 2004. The missing peace, p. 135. New York, Farrar, Strauss and Girox.
[6] Vide Beinart, Peter. The monista prime minister. In: The crisi of sionism. New York. Times book.
[7] Ibid, p. 106.
[8] Vide https://www.foreignaffairs.com/israel/hamas-what-israel-must-do
[9] Vide https://www.bbc.com/news/world-middle-east-65080919.
[10] https://www.nytimes.com/2023/10/19/opinion/biden-speech-israel-gaza.html.
Carta aberta ao padre Lancelotti
JORGE SCHWARTZ, A Terra é redonda
A meta do Hamas, do Hezbollah, da Jihad Islâmica e do Irã não tem nada a ver com a criação de um Estado palestino, mas com o desaparecimento do Estado de Israel
Prezado Padre Lancelotti, há alguns anos sou seu admirador incondicional pela coragem em lidar pessoal e diretamente com a dificílima situação de moradores de rua. Foi o que me levou a ser colaborador da Paróquia São Miguel Arcanjo há anos, a partir de depósitos mensais assim como divulgador de suas ações.
Neste momento estou lhe escrevendo sobre o seu discurso do dia 5 de novembro de 2023, na manifestação Pró-Palestina na avenida Paulista (cf. no Youtube Lancelotti + Palestina). Falo como judeu e como homossexual descendente de húngaros que morreram em campo de concentração e pelo mero fato de serem judeus, mais nada. Reconheço que o senhor, em seu veemente discurso esclarece que não se trata de todos os judeus nem de todos os israelenses.
Sempre fui favorável à criação de dois Estados e sempre reprovei a política de Benjamin Netanyahu, tentando a qualquer custo conquistar terrenos árabes para criar uma grande Israel, antigo projeto da extrema direita e de radicais religiosos ortodoxos. Uma minoria poderosa neste momento. Aliás, acho que o que está acontecendo hoje é consequência direta desta política totalmente equivocada e que despertou dentro de Israel grande oposição por boa parte da população.
O que me causou espanto em seu ensandecido discurso na rua quando afirma de forma solidária “ser palestino”, é acusar e responsabilizar somente Israel, sem uma única menção ao 7 de outubro, ao ataque terrorista do Hamas que matou mais de 1200 cidadãos civis da forma mais brutal, sem entrar em detalhes.
Também o silêncio total sobre os 200 ou mais sequestrados pelo Hamas; é possível que até o final desta guerra eles paguem com a vida e que muitos já tenham morrido.
O que está acontecendo hoje é uma inequívoca resposta aos bombardeios, milhares de bombas foram contabilizadas, e que continuam sendo lançadas pelo Hamas. Israel nunca deixou de responder aos ataques, e evidentemente o Hamas e o mundo sabiam que haveria uma resposta militar. Israel deveria fazer o quê em resposta: se limitar a chorar e rezar pelos mortos no Muro das Lamentações e nas sinagogas? Já vimos o fiasco das Nações Unidas em tentar levar a paz para esta região.
A meta do Hamas, do Hezbollah, da Jihad Islâmica e do Irã não tem nada a ver com a criação de um Estado palestino, mas com o desaparecimento do Estado de Israel. Aliás, a solução dos desejados dois Estados deixaria estes movimentos sem uma causa que os alimente. Veja que pacifistas como o ex-presidente egípcio Anwar Al Sadat e o Itzhak Rabin foram covardemente assassinados, este último por um jovem israelense ortodoxo.
O que me leva a lhe escrever é que o senhor, como formador de opinião, não condene o Hamas em momento algum como detonador do processo que levou à resposta desmedida de Israel. Ignorar ou silenciar sobre a cruel iniciativa do Hamas significa concordar com a causa maior do desaparecimento do Estado de Israel. Perder a guerra significaria para Israel o final de uma nação, risco que nenhuma nação árabe corre.
Quem representa os palestinos é a Autoridade Palestina e não o Hamas, que depois desta vitória bélica e terrorista sem precedentes, entra no palco das nações ao ser oficialmente recebido por Vladimir Putin, que acaba, não por acaso, de se desligar dos acordos nucleares.
Incomodou-me que um notório representante da Igreja fizesse um discurso num tom incendiário, fruto do ódio.
Aconselho que leia o texto de Leonardo Boff, postado no site A Terra é Redonda, não menos sensibilizado pela causa palestina, mas um discurso ao meu ver justo e ponderado. Não quero me estender e tomar mais do seu tempo; como agnóstico que sou, desejo-lhe que Deus o abençoe,
Ps: sempre me pergunto onde é que Deus se encontra, permitindo a morte de milhões de crianças judias no holocausto, crianças israelenses e crianças palestinas. O que é que estas crianças fizeram para merecer este destino?
*Jorge Schwartz é professor titular em literatura hispano-americana na USP. Autor, entre outros livros, de Fervor das vanguardas (Companhia das Letras).
O embaixador de Israel na ONU: indiferença ao sofrimento semelhante àquele que seu próprio povo experimentou
Estrelas amarelas
Marcelo Guimarães Lima, A Terra é redonda
O poder vitimário e a barbárie naturalizada
“Na reunião do Conselho de Segurança da ONU para a discussão da guerra entre Israel e o grupo palestino Hamas desta segunda-feira (30/10), o embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, e outros delegados colocaram as estrelas amarelas [emblemas da discriminação nazista dos judeus] em suas roupas com as palavras “nunca mais” escritas”.[1]
O gesto da representação de Israel na ONU significa que, seja lá o que for que faça ou deixe de fazer o Estado de Israel (comandado pela ultradireita e que se afirma pura e simplesmente como representação exclusiva dos judeus de todo o mundo), quaisquer que sejam os fatos e suas ações ou reações, Israel se apresenta sempre como vítima, com exclusão de quaisquer outras vítimas potenciais ou de fato na atualidade e no futuro (continue a leitura).
# Por que apoiar o povo palestino?
Jornalistas Livres
# Por que matas teu irmão palestino?
Jornalistas Livres
# Os palestinos têm direito à resistência
Brasil 247
# Nota sobre a classe trabalhadora israelense
(Daphna Thier, A Terra é redonda)